Dom Geremias Steinmetz lembra do sofrimento dos religiosos durante o golpe de 64 e defende os direitos humanos
Nelson Bortolin
Lume Rede de Jornalistas
A ditadura militar foi um período de desrespeito aos direitos humanos, no qual religiosos foram perseguidos, torturados e mortos. Por isso, não há nenhum revisionismo a ser feito em relação a ela. Esse é o pensamento do arcebispo de Londrina, Dom Geremias Steinmetz.
Na semana em que o presidente da República conclamou os militares a comemorem o golpe de 1964, Dom Geremias conversou com a Lume Rede de Jornalistas, sexta-feira (29), na Mitra Diocesana. “Houve pessoas que desapareceram, houve pessoas que foram mortas, perseguidas. E o pior de tudo, foram perseguidas pelo governo. Existe coisa pior do que alguém ser perseguido na própria terra por questão de pensamento político?”, questiona.
O arcebispo lembrou que a Igreja também foi vítima dos militares. “Muitos bispos sofreram, padres desapareceram. Alguns foram mortos na prisão.”
A instituição foi considerada grande inimiga do regime. A CIA (Agência de Inteligência dos Estados Unidos) acompanhou a tensa relação entre os militares e o clero. Bispos como Dom Helder Câmara e os cardeais Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Aloisio Lorscheider denunciaram torturas e violações aos direitos humanos pelo mundo afora. “Não há porque a Igreja revisar seu posicionamento com relação à ditadura”, ressalta o arcebispo de Londrina.
Dom Geremias diz que o compromisso da Igreja com os direitos humanos não é de agora. “A questão dos direitos humanos decorre da própria dignidade humana. Foi por forte influência da doutrina social da Igreja que foi assinado o grande entendimento em 1948, logo depois da guerra (II Guerra Mundial)”, diz ele, em referência à Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) .
Para o arcebispo, a defesa dos direitos humanos vem do Evangelho de Jesus Cristo. “Para que todas as pessoas possam ter vida e vida em plenitude, a Igreja trabalha nessa questão dos direitos humanos há muita décadas.”
A Campanha da Fraternidade, diz o líder católico, trata este ano de políticas públicas que visam a dignidade dos seres humanos. “Veja o estrago que faz na vida de uma pessoa não ter o direito à educação e à saúde respeitados, ou não ter seu direito à moradia, ou o direito a ter um pai e uma mãe.”
A reportagem perguntou ao arcebispo por que, na opinião dele, parte da sociedade critica os militantes dos direitos humanos como se eles defendessem apenas os bandidos. Ele respondeu: “Eu acho que é uma ignorância. Não sei se uma ignorância mais arrogante ou uma arrogância mais ignorante. Porque todas as pessoas têm que ter direito, está na Constituição.”
Para o arcebispo, o Brasil vive um momento em que o “pensamento político é questionado”. “É um pensamento que tira direito dos indígenas, que tira direito de quilombolas e dos agricultores da agricultura familiar”. “Então é bem fácil entender que tem gente lutando contra os direitos humanos, dizendo que é coisa de comunista.”
Dom Geremias considera que os direitos humanos deveriam ser bandeira de todos os partidos e governos para que todas as pessoas tenham “vida em plenitude”. “Que possam viver em paz, ter sua família, sua casa, ter a garantia de que os filhos vão estudar. E que vão ser atendidas se ficarem doentes”.
Por isso, a Igreja tem tanta preocupação com a reforma da Previdência. Ele ressalta o posicionamento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), segundo o qual a Previdência Social tem uma “intrínseca matriz ética”. “A Previdência foi criada para proteção social de pessoas que, por vários motivos, ficam expostas à vulnerabilidade social, seja por idade, enfermidade, acidente, maternidade, particularmente as mais pobres. Nenhuma solução para equilibrar um déficit pode prescindir de valores éticos, sociais e solidários”, declara.
A CNBB, de acordo com o arcebispo, entende que a reforma é necessária, mas não pode sacrificar os mais pobres, penalizar as mulheres e os trabalhadores rurais, punir pessoas com deficiência e ainda “gerar desânimo quanto à seguridade social entre os desempregados, sobretudo os mais jovens”.
Outra questão importante, na visão dele, é que o governo precisa deixar claro quais os privilégios que serão cortados com a reforma. “Precisa dizer quais são os privilégios, quem os possui, qual a cota de sacrifício desses privilegiados, bem como a forma de combater a sonegação e de cobrar os devedores da Previdência.”
A Lume ainda perguntou ao arcebispo sobre o papel da imprensa, que vem sendo atacada pelos defensores do atual governo. “A imprensa tem de ser livre como o cidadão tem que ser livre para dizer o que pensa e responder por aquilo que divulga. O primeiro sinal de que as coisas não vão bem é quando a imprensa não tem possibilidade de dizer o que pensa.”
Deixe uma resposta