Por Paula Vicente e Rafael Colli, advogados criminalistas e membros da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Londrina

Há uma evolução natural da consciência humana, do racional das pessoas. Da doce dependência da infância, ao turbilhão da adolescência, ao florescer da juventude. Uma linha tortuosa, porém virada para a evolução pessoal, na qual o ser se transforma, efetivamente, em humano, com racionalidade, compaixão, empatia. Apesar da beleza desta alegoria, o meio do caminho é um verdadeiro inferno: a passagem da infância para a adolescência. Caracterizada pela figura da 5ª série – à nossa época os anos escolares eram contados assim -, onde pequenos humanos com inteligência e percepção já formados, porém com o caráter ainda em construção, disputam entre si os holofotes, por meio de ofensas, atos agressivos e, não raramente, violência física.

Sim, amigos, a quinta série é um antro de pequenos psicopatas, com tendência à racionalização e à humanização – a passos lentos, entretanto.

Esta fase passa, contudo. Certo? Bom, para alguns, não. Algumas pessoas finalizam ali sua caminhada rumo à evolução do ser ao ser humano. Assim ocorreu com o mandatário da República. Jair Bolsonaro, 38º Presidente da República Federativa do Brasil, é, ainda, um estudante da 5ª série, com parcial formação da razão, mas que ainda não tem condições cognoscentes de argumentar ou expor ideias, mas o tem para atacar, ferozmente, qualquer um que discorde dele minimamente, despejando-lhe, ao berros, impropérios e ofensas, apenas e tão somente para “ganhar a discussão” e conquistar seu lugar no centro da classe.

Assim ganhou fama, seguidores e a eleição presidencial.

Na segunda-feira passada, no melhor estilo adolescente de ser, atacou o Presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pessoalmente, dizendo que poderia lhe contar o que ocorrera com seu pai nos porões da ditadura. Não contente, inventou que Fernando Santa Cruz teria sido morto pelos próprios companheiros de luta e disse que os documentos da Comissão da Verdade – documentos oficiais do Estado que ele representa – são “balela”.

É tanto ataque, tanto veneno despejado, que precisaremos, com a licença do leitor, destrinchar os fatos até então desenrolados.

Inicialmente, o ataque ao presidente a OAB. A fúria do Presidente era direcionada, inicialmente, à própria instituição. Bolsonaro acusa a OAB de não ter permitido que a Polícia Federal tivesse acesso ao celular do advogado de Adélio Bispo de Souza – aquele da facada -, insinuando que a instituição estaria protegendo interesses escusos com tal atitude.

No entanto, será mesmo que foi isso que aconteceu? Ou será que o Presidente acabou espalhando mais uma fake news?

O que houve, de fato, foi a impetração de um Mandado de Segurança pela OAB de Minas Gerais, e não pela OAB Nacional, para resguardar o sigilo profissional do advogado de Adélio. Neste sentido, com o devido respeito aos haters de advogados de plantão, o sigilo profissional é imprescindível para o exercício do direito fundamental à defesa, que por sua vez é fundamental em uma Democracia que se preze.

É evidente que confundir advogado com cliente é hábito daqueles que costumam preferir acreditar em mitos a se informarem sobre a origem das coisas, raciocínio raso e tacanho. O advogado não defende o crime, o bandido. O advogado, o bom advogado, defende a aplicação justa das leis, o respeito às garantias e, acima de tudo, a Justiça. Portanto, quando a OAB garante as prerrogativas da advocacia, garante, ao fim e ao cabo, a própria DEMOCRACIA, já que as prerrogativas servem para atender a todos os cidadãos, garantindo que todos tenham direito à defesa. Sem essas garantias a DEMOCRACIA é ferida de morte.

Mas para que soubesse de tais informações, o Presidente deveria conhecer a Constituição que jurou defender em sua posse, o que não nos parece ser o caso.

Mas este é apenas o pano de fundo. O que importa, aqui, foi que, como o Presidente não tem capacidade de articular argumentos que sustentem sua ideia – de que a OAB estaria protegendo Adélio Bispo – fato este, inclusive, já desmentido pela grande mídia – ele partiu para o ataque pessoal, no melhor estilo birrento de um adolescente em crise.

Este ataque pessoal, todavia, ultrapassou qualquer barreira do razoável – se é que podemos presumir que ele, o Presidente, tenha sido razoável algum dia de sua existência pública.

Em primeiro lugar, se ele conhece, realmente, os fatos que circundam a morte de Fernando Santa Cruz, por que não contou ao mundo quando o próprio Estado que ele representa, por meio da Comissão da Verdade, buscava estas informações? Não teria ele, como agente público, o dever legal de relatar o que sabe sobre um desaparecimento? Principalmente, estando este desaparecimento ligado ao Órgão ao qual foi subordinado sua vida inteira (o exército). Estaria, então, o Sr. Presidente escondendo informações de interesse público? Com qual interesse? Quem estaria protegendo? Estas questões não poderiam, de maneira alguma, implicar o Presidente da República. é o tipo de tensão desnecessária e que traz riscos às instituições da Democracia.

Mas não para por aí. Além de toda tensão criada pelas infeliz fala do Sr. Presidente, o fato de ofender a memória de uma pessoa que lutou pela democracia – Democracia esta que, como num conto de terrível gosto, o elegeu – é fazer descaso do ser humano, da própria vítima e de sua família. As ofensas direcionadas à família da vítima fazem com que a tortura sofrida por Santa Cruz seja perpetuada, eternizada.

Além disso, ao inventar que Santa Cruz teria sido morto por seus próprios companheiros de luta, coloca-o em posição de humilhação, já que poucos motivos justificariam a morte de uma companheiro pelas mãos de outros companheiros, dentre elas a traição. Em outras palavras, além de relembrar o caso, trazendo dor aos familiares, o Sr. Bolsonaro ainda o chamou de “traidor” para todo mundo ouvir. Não bastasse Santa Cruz ter sido morto pelas mãos de agentes do Estado, ainda tem que ser injustamente acusado e humilhado por outro agente do Estado, um desrespeito sem precedente para um Presidente.

Ao relembrar a morte de um pai, o Presidente revitimiza o filho, que fora privado da convivência paterna por um regime ditatorial. Mas o menino raivoso não estava satisfeito, ainda teve que ofender a memória deste pai, atacando, sem motivos, o filho. A quantidade de direitos humanos violados pelo Sr. Presidente não é brincadeira, embora para ele pareça que seja. Com poucas palavras, Bolsonaro conseguiu violar a dignidade da pessoa humana, o direito à intimidade, privacidade, e tantos outros, e, claro, o direito à memória, afinal, o Presidente tripudiou com a história daqueles que deram a vida para que ele pudesse carregar a faixa que tanto gosta de ostentar. A história é essencial para a vida de uma nação e deve ser preservada e contada adequadamente e ninguém, nem mesmo o representante máximo desta nação, pode alterá-la a seu bel prazer.

Como se não bastasse, ataca a Comissão da Verdade, por ter sido instaurada pela ex-Presidente Dilma Rousseff. Diz que os documentos produzidos são “balela”. Mais um fato gravíssimo, que vai de encontro com a postura de um Presidente. Ao atacar documentos oficiais, Bolsonaro ataca o próprio Estado que representa, numa espécie de autofagia. Bolsonaro, ainda, confunde Estado com Governo, o que prova que não entendeu nada acerca do cargo que ocupa, agindo, mais uma vez, como quem discute com o colega de ginásio que, na falta de argumentos, parte logo para a violência.

E assim podem ser resumidos os meses de Governo do atual Presidente. Uma eterna busca por ser o centro das atenções do “fundão”; o adolescente feroz que cospe ofensas contra seus colegas, apenas pelo fato de discordar deles; na falta de argumentos, Bolsonaro quebra seu vidro de ofensas e as despeja, doa a quem doer, em detrimento de uma Nação inteira. Quem perde? Todos nós.

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