Por Paula Vicente e Rafael Colli, advogados criminalistas e integrantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Londrina
Em 1968, quando o General Costa e Silva decretou o AI-5, ato que deu início ao período
mais violento da ditadura militar, o Vice-Presidente, Pedro Aleixo, foi contra e disse ao
General que o problema não era ele ou os outros comandantes do Brasil, o problema era o
“guarda da esquina”. E assim ocorre, também, com as inflamadas falas do Presidente Jair Bolsonaro e sua política de endurecimento e de opressão.
Vindo do andar de cima a ideia de que é correto matar criminosos e a identificação destes criminosos – jovens, negros, pobres e moradores de regiões periféricas e marginalizadas – os guardas da esquina se liberam das amarras legais, constitucionais e humanas e põem em prática uma verdadeira política de morte e sangue.
E não é de hoje que o Brasil tem a polícia que mais mata no mundo. Em 2015, a Anistia Internacional divulgou um relatório informando que cerca de 16% dos homicídios registrados no Brasil foram cometidos por policiais.
Habitualmente, quando se fala em violência policial, pensamos nas operações em favelas cariocas, operações cinematográficas, com helicópteros e blindados, contudo, atuações
truculentas da polícia são uma realidade aqui em Londrina também. No ano de 2018 foram 23 mortos em confronto com as forças de segurança. Neste ano, somente até o mês junho, nossa cidade já registrava 29 mortos em confrontos com policiais, ou seja, em seis meses já passamos o número de mortos do ano passado inteiro.
Os relatos de populações periféricas da nossa cidade, cada dia mais frequentes, dão conta
de ações truculentas, com operações ostensivas em zonas menos favorecidas, expondo
famílias inteiras à violência das armas, inclusive crianças e adolescentes. Algumas
atuações chegam ao ponto de impedir moradores de algumas áreas de ir e vir, inclusive crianças de irem à escola, algo impensável em uma sociedade democrática do século XXI.
A violência policial não atinge apenas criminosos. Ser pobre, morar em uma ocupação ou na periferia já qualifica a pessoa a sofrer, cotidianamente, com abordagens grosseiras e
violentas. Com base no discurso de combate ao crime, agentes de segurança servem de
instrumento de limpeza social, criminalizando a cor negra e a pobreza. O pouco controle que tínhamos era exatamente o constrangimento dos governantes, que, sabiam, ficariam com os nomes sujos de sangue e, portanto, tentavam acalmar os agentes da morte.
Contudo, há um novo AI-5 em vigência. Uma carta branca para a violência. Esse é o efeito do Presidente Bolsonaro. Ele legitimou tudo de pior na sociedade: o ódio, o preconceito, a
violência de classe e de cor e o egoísmo mais puro. E como um efeito cascata, todos os proto-fascistas que se aproveitam de sua fama, absorvem e, muitas vezes até aprimoram, seu discurso.
Este é o caso do governador do estado do Rio de Janeiro, o qual tem legitimado em seu estado verdadeiras operações de guerra, atirando para matar, independentemente de quem esteja no caminho – “é pobre, é preto, é favelado? Será alvejado”, poderia ser o slogan de sua campanha! E pior, confrontado com os números de mortes de inocentes, o ex-Juiz culpou os defensores dos Direitos Humanos. Tal afirmação é falaciosa e rasteira. Para fugir da responsabilidade pela morte de uma adolescente de 17 anos, com seu filho no colo, atingida por 10 tiros, o Governador atacou aqueles que enxerga como inimigos, o “pessoal dos direitos humanos”, já que lutam contra higienização social que ele e sua trupe patrocinam.
E assim se escreve uma história de terror e guerra: os “generais” liberam tudo em prol de
um objetivo quase metafísico; e os soldados, livres do constrangimento social, põem em
prática tudo de pior que aprenderam; bater, matar, oprimir. E a culpa? Ah, a culpa é dos
inimigos (maldito pessoal dos direitos humanos).
Para aqueles que sentem na pele os efeitos dessa política sangrenta, o problema nunca é o
major ou o general, o governador ou o presidente, o problema é sempre o guarda da esquina.
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