Pesquisa POP Rua, realizada em Londrina, traz dados importantes sobre esta população e será apresentada nesta segunda (14) em Curitiba
Cecília França
Rede Lume de Jornalistas
O município de Londrina carecia de dados consistentes sobre sua população em situação de rua. Afinal, quantas pessoas compõem este grupo na cidade? Onde se acomodam? Que apoio recebem do poder público? Sem estas respostas a formulação de políticas públicas parecia inócua. Para levantar estes dados foi realizada a Pesquisa POP Rua, com a participação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), do Ministério Público de Londrina, da Defensoria Pública, do Centro Pop (Secretaria Municipal de Assistência), do Movimento Nacional dos Moradores de Rua e da Unopar. Os resultados foram apresentados localmente no final do mês de abril e hoje parte dos pesquisadores os apresentam em Curitiba, na sede do Ministério Público do Estado do Paraná (MPE).
A metodologia adotada aqui pode basear um estudo semelhante na capital do Estado. Fábio Lanza, professor do Departamento de Ciências Sociais da UEL, vê o convite como um reconhecimento da urgência de se tratar das demandas da população de rua. “Nós conseguimos abrir uma caixa que estava colocada no armário lá embaixo. As pessoas nem lembravam mais que temos que pensar pessoas em situação de rua como cidadãos da Região Metropolitana de Londrina. Então, esperamos fomentar a ação deles e o grupo está a disposição também”.
O estudo local identificou 930 pessoas em situação de rua em Londrina. Destas, 81% manifestaram o desejo de sair das ruas – dado que surpreendeu Lanza. “A representação social é que o morador de rua quer ter a liberdade de estar na rua, mas isso é real apenas para uma parcela muito pequena deles”, constata.

Foto: Cecília França
Dentre os principais motivos apontados pelas pessoas para viverem nas ruas estão dependência química (42,2%), conflitos familiares (30,9%) e desemprego (25,5%). Marco Antonio da Rocha, assistente social do MP em Londrina, explica que estas causas não aparecem isoladas, mas se entrelaçam.
“Existe um componente subjetivo, um desejo de estar fora da ordem, ou não dar conta de um conflito familiar… Indo para a rua vem toda uma caracterização que torna ainda mais difícil a empregabilidade, e isso coloca a situação na seguinte perspectiva: Como eu dou conta disso sem me adicionar de álcool? Então a pessoa vai para a rua por uma causa e as outras estão esperando ela lá”, opina.
Para André Luís Barbosa, coordenador municipal do Movimento Nacional da População de Rua, que participou do passo a passo da pesquisa, a situação de rua acontece como um efeito colateral da forma como a sociedade trata aquela pessoa. “Nossa luta está em dizer que temos direitos. Ninguém nasceu bebendo, nem com cigarro na mão”, observa.
“Gostaria de sair da rua se tivesse uma casa para morar e cuidar da vida” (C.O., em resposta à pesquisa)
É consenso entre os pesquisadores a carência de políticas públicas efetivas para esta população. Pensa-se o morador de rua apenas pelo viés da assistência social, esquecendo-se de que ele é um cidadão integral e precisa de educação, saúde básica, saúde mental, entre outros. Quando se analisa o histórico destas pessoas percebe-se que a falta de estrutura do Estado para atendê-las antecede a situação de rua.
“Nós defendemos a ampliação da política pública. Nós temos um patrimônio nesse país: os serviços públicos garantidos pela Constituição Federal. Isso não depende da cor dos olhos de quem assume cargo político. Se existem mil ou 2 mil pessoas em situação de rua em Londrina é porque todas as outras políticas públicas preventivas não deram conta de anteceder e de solucionar isto. Com esse trabalho nós estamos dizendo à sociedade que precisamos nos ater a questões muito maiores. O problema da pessoa em situação de rua é a ponta do iceberg”, afirma Lanza.
A apresentação dos dados no MPE em Curitiba acontecerá nesta segunda-feira com a participação de Lanza e outros responsáveis. O MPE articula com a Câmara de Vereadores da capital a realização de um estudo semelhante que pode se estender para o restante do Estado.
“Eu não sou morador de rua, eu tô na rua” (C.R.)
Naturalização da violência
Situações de violência passam a ser naturalizadas quando se tornam rotineiras. Essa naturalização foi o ponto mais chocante detectado na pesquisa, na opinião de Flávia Andrease, do Centro Pop. “Fiquei chocada porque todos que eu entrevistei responderam que não sofriam violência, a priori. Aí eu continuava o assunto, questionava, e iam aparecendo histórias terríveis de violência”, relata.
“É como se a violência fizesse parte do ambiente. Se eu estou inserido neste ambiente e ela faz parte dele, deixa de ser sentida”, completa Marco Antonio Rocha, do MP.
De acordo com a pesquisa, 57,3% dos entrevistados relataram já ter sofrido violência física nas ruas, sendo 34,3% por parte de policiais militares, 26,3% por outros moradores de rua e 23,2% por guardas municipais.
“Às vezes você vai falar com uma pessoa, ela te agride. A sociedade te agride, a sociedade julga muito os moradores de rua…” (I.W.O.)
Palavra deles
Além da contribuição com dados estatísticos, a Pesquisa POP Rua trouxe outro relevante conteúdo: a palavra dos próprios entrevistados sobre diferentes temas, como saúde, educação e segurança pública. Para a socióloga atuante no Centro POP, Clarice Junges, responsável pela compilação desses dados, estas percepções podem nortear a formulação de ações públicas mais efetivas.
“O dado da fala deles, para mim, é de uma riqueza impressionante e que tem servido para subsidiar (propostas envolvendo todas as políticas públicas).” Estas propostas constam em um documento a ser entregue para a Câmara de Vereadores de Londrina.
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