Por Paula Vicente e Rafael Colli, integrantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Londrina

Os últimos dias foram extremamente agitados no campo político da América Latina, o que nos fez refletir e, claro, ter vontade de escrever sobre Constituição, democracia e cláusulas pétreas. Então, caro leitor: “ Senta que lá vem história!”.


O primeiro grande acontecimento dos últimos dias foi o julgamento no STF das Ações Declaratórias de Constitucionalidade que versavam sobre a prisão apenas após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ou seja, a pessoa poder recorrer em liberdade até a última instância. 

Muito se falou sobre a possibilidade ou não do início do cumprimento da pena antes de esgotados todos os recursos e, muito do que se falou, não tem fundamento jurídico.

Pois bem, como o nome dessa humilde coluna, precisamos falar sobre direitos humanos e, o direito a não ser privado de sua liberdade sem o devido processo legal e sem sentença condenatória é direito humano dos mais antigos e consagrados.

Temos que lembrar que nenhum direito é dado ao cidadão, todos eles foram conquistados  às custas de lutas e vidas. Nesse caso não foi diferente, diante de um Estado absolutista, onde o rei tudo podia, a população se virou contra os desmandos do soberano, que dispunha da liberdade, da vida e dos bens de seus súditos ao seu bel prazer. 

A revolução francesa, além de cortar cabeças – os franceses têm uma maneira bem peculiar de resolver seus problemas – trouxe a ideia de que temos que nos defender do Estado, já que ele possui todo o poder. Naquele caso o Estado era o rei, atualmente, o Estado não está personificado, mas é igualmente poderoso.

A presunção de inocência, direito protegido pela proibição de cumprimento de pena antes do trânsito em julgado da sentença, foi criada não para proteger os culpados ou para beneficiar aqueles que podem recorrer até as últimas instâncias. Ela existe para garantir que nenhum cidadão possa ser prejudicado pelo Estado. É sempre bom lembrar que a máquina estatal tem todo o aparato para trazer ao processo provas da culpa do acusado. Se as provas não existem ou não são plausíveis, paciência, o réu deve ser absolvido.

Enfim, depois de o STF decidir que o que está escrito está escrito e deve ser interpretado no sentido que as palavras têm, a garantia de não culpabilidade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória passou a ser discutida em todos os meios de comunicação, conversa de botequim, consultórios médicos, filas de banco, etc. E, em meio a tantas especulações, ventilou-se várias vezes a possibilidade de alteração no Congresso Nacional dessa garantia.

É aí que queríamos chegar, o STF aplicou a Constituição Federal de 1988, garantido o respeito ao inciso LVII, do artigo 5º, da Carta Magna. Amigos, a Constituição é o documento pelo qual a sociedade fala como quer e deve ser guiada, gerida, é o nosso mapa de civilização, é o pacto de sociedade de um povo. 

Como ouvimos de Lênio Streck na quarta-feira, em palestra proferida na OAB-Londrina, a Constituição é a fortaleza que protege a democracia. É nela que devemos pedir abrigo e socorro sempre que nossos direitos e garantias se mostrarem ameaçados.

Dentro dessa fortaleza existe, nas palavras de Lênio, o quarto do pânico, as cláusulas pétreas, imutáveis no sentido de diminuição de direitos, nem mesmo o Congresso Nacional pode votar emenda que altere o que foi pactuado em 1988. “Mas nem se for votação por unanimidade?” Não, nem que todos os 513 deputados federais e 81 senadores resolvam mudar o que está escrito nas chamadas cláusulas pétreas, elas jamais podem ter seus direitos diminuídos ou abolidos, as emendas só podem acontecer se forem ampliar esses direitos.

Isso, caríssimos, quer dizer que, a presunção de inocência não pode ser relativizada, nem abolida. O art. 5º da nossa Constituição é composto todo de cláusulas pétreas, os direitos ali postos, direitos e garantias fundamentais, são conquista do povo brasileiro, fruto da luta contra o autoritarismo dos anos de chumbo, mas mais do que isso, fruto da luta de várias e várias gerações contra os demandos do Estado.

Eis o nosso quarto do pânico, nossos direitos e garantias individuais que, ao fim e ao cabo garantem o Estado Democrático de Direito, para onde devemos correr em momentos de grave ameaça à democracia, quando pretendem mudar as regras do jogo. Como os donos da bola, o quarto do pânico se fecha para salvar o que há de mais precioso na fortaleza: a democracia e a soberania popular.

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