Por Paula Vicente e Rafael Colli, integrantes da Comissão de Direitos Humanos da OSB/Londrina
Na última coluna de 2019 escrevemos sobre machismo e cultura do estupro. O assunto, entretanto, nunca se esvai e devemos tratar sobre ele sempre, afinal, queremos acabar com essa violência diária que todas nós mulheres sofremos.
Esse é mais um caso dentre milhares de casos de estupro corretivo, muito mais comum do que se imagina.
Esta semana, mais precisamente no dia 03/02/2020, foi noticiado em veículo local que uma mulher tinha sido estuprada pelo vizinho, que conhecia há anos, na cidade de Cambé. Segundo relata a vítima, o seu algoz teria justificado a atitude pelo fato de ela ser uma mulher lésbica, dizendo que assim ela passaria a gostar de homens.
Os homens, que acreditam deter o poder sobre os corpos e as vidas de todas as mulheres existentes, se veem no direito de praticar violência sexual contra mulheres que não se encaixam no padrão que eles criaram.
Pretensiosos, acreditam que o ato sexual com eles pode mudar a orientação sexual de uma mulher, afinal, são eles os homens certos, os guardiões da moral da humanidade.
Quando falamos de cultura do estupro, não falamos apenas do crime cometido contra milhares de mulheres todos os dias, falamos sobre a naturalização dessa violência. No caso do estupro corretivo, a vítima sofre, além do machismo, também com a homofobia, o ódio às diferenças.
No ano de 2017, em média, 6 mulheres lésbicas foram estupradas por dia no Brasil, e de um total de 2.379 dos casos registrados, 61% das vítimas foi estuprada mais de uma vez.
O que mais aterroriza nesse tipo de violência é que, também 61% das vítimas, são estupradas por familiares. Ou seja, são pais; irmãos; tios; avós, todos esses homens heterossexuais que veem suas masculinidade e virilidade abaladas pela orientação sexual de suas filhas; irmãs; sobrinhas; netas, e praticam contra elas crime tão bárbaro. E tudo isso devido a uma cultura patriarcal preconceituosa e extremamente abusiva.
Quando se fala em violência sexual muito pouco se pensa nas consequências do ato para a vida da vítima, principalmente porque sempre pensamos no estuprador como um desconhecido que te aborda na rua com uma arma em sua cabeça. Agora, caro leitor, pense que para mais da metade das mulheres LGBTQI+ estupradas o seu algoz é alguém de seu seio familiar, ou seja, alguém de irrestrita confiança.
As marcas de um crime desse nunca são apagadas por inteiro. A vítima, provavelmente, jamais confiará em alguém; será perseguida pelo resto da vida pela lembrança do que foi obrigada a passar.
Nossa sociedade repudia com veemência o incesto, mas faz vistas grossas ao estupro corretivo praticado dentro de suas casas; repudia com vigor crimes sem violência como furto, mas negligencia uma cultura violenta e preconceituosa, perpetuando abusos inimagináveis.
Vivemos sob a cultura do estupro, não há como negar isso. Desde o nascimento, uma mulher já é vítima dessa cultura. Como dito na 12ª coluna, a cultura do estupro não se dá apenas com o ato em si. Toda a expectativa colocada em cima da mulher desde seu nascimento favorece a manutenção e fortalecimento desse pensamento medieval e primitivo: mulheres devem ser delicadas; femininas; bem arrumadas; subservientes; bonitas; bem arrumadas; inteligentes – mas não mais que o homem; devem falar com tom de voz controlado; não se utilizarem de palavrões; serem verdadeiras damas; e, claro, devem querer ter filhos; entre tantas outras exigências da sociedade. Aquelas que fogem desse padrão podem e devem ser corrigidas e colocadas de volta no eixo. Seja através da violência psicológica, patrimonial, física, ou da violência sexual.
O tema é interminável, voltaremos a ele sempre que necessário, apenas falando e discutindo poderemos proteger nossas meninas e mulheres, todas dignas de respeito e cuidado.
Ah, sempre bom lembrar, NINGUÉM MERECE SER ESTUPRADA.
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