por Paula Vicente e Rafael Colli, integrantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Londrina

Ao contrário do que fora ventilado nos últimos dias, o auxílio de R$ 600,00 a trabalhadores informais e autônomos não é nenhuma novidade e, muito menos, foi criado pelo governo genocida de Bolsonaro.

Primeiro, precisamos de um apanhado histórico para entendermos como chegamos até aqui. A renda básica de cidadania remonta do séc. XVI, quando foi ventilada pela primeira vez, de lá pra cá foi defendida por vários estudiosos, inclusive ganhadores do prêmio Nobel de Economia. A Renda Básica, neste viés, se mostra como uma importante ferramenta de desenvolvimento humano e diminuição de desigualdades sociais com efetiva distribuição de renda pelos governos.

Pois bem, em não se tratando de novidade no mundo dos teóricos da economia, você deve estar pensando porque precisamos de uma crise mundial causada por uma pandemia para aprovarmos uma lei que trate da RBC, certo?

Pois não precisamos, o então senador Eduardo Suplicy, a quem estes dois colunistas muito admiram, – como não amar um senhor que participa de protestos de sunga vermelha; enfrenta policiais e guardas para defender professores; dorme em ocupação para impedir reintegração de posse violenta… – apresentou projeto de lei que versava sobre a RBC, que foi aprovado ainda em 2004.

Isso significa que desde 2004 – lá se vão 16 anos – temos uma lei que garante que todo cidadão brasileiro residente no país, ou estrangeiro com residência superior a 5 anos no Brasil, deve receber benefício que atenda suas despesas mínimas com alimentação, educação e saúde.

Muitos ainda acreditam que a garantia de uma vida minimamente digna ao cidadão não é dever do Estado, já que cada um deve se esforçar para conseguir se sustentar. Essa é uma das mais sanguinárias falácias que o capitalismo nos fez engolir, o mito da meritocracia. Vários enchem o peito para bradarem que alcançaram suas atuais posições por trabalho e merecimento, contudo, na maioria das vezes, ignoram os privilégios que possuem e menosprezam os empecilhos dos menos favorecidos. Precisamos esclarecer que privilégio, nesse caso, não quer dizer que o caminho foi fácil, sem qualquer dificuldade, ou que as coisas caíram do céu para essas pessoas, quer dizer, apenas, que as dificuldades não foram aumentadas em razão de sua cor, de seu gênero, de sua posição social. Quer dizer que puderam estudar sem pensar na fome que estavam sentindo, ou que podem voltar pra casa e tomar um banho quente no fim de um longo dia de trabalho.

Vivemos em um país no qual, em dezembro de 2019, 13,5 milhões de pessoas eram miseráveis, ou seja, existem mais miseráveis no Brasil do que toda a população de países como Portugal, Bélgica, Grécia e Cuba. São pessoas que vivem com menos de R$ 145,00 por mês. Neste ponto, a cesta básica custa, em média no país, R$ 368,69. Essas pessoas, portanto, não podem sequer comprar uma cesta básica por mês.

São essas as pessoas que não conseguem atingir melhor status social porque não se esforçam? Ou elas não conseguem tal façanha por estarem revirando lixos atrás do que comer?

O questionamento lançado foi para que pensemos na RBC como o mínimo que se pode oferecer para que a pessoa possa se preocupar em alcançar seu sonhos e objetivos, para que possa competir com aqueles que possuem condições de vida mais favoráveis.

A RBC, segundo a lei 10.835/04, deve ser garantida a todas as pessoas que atingirem o requisito, garantindo a todos dignidade. Tal lei jamais fora implementada completamente, segue vigorando, contudo, sem o efetivo cumprimento de nenhum de nossos governantes. O Bolsa Família, por exemplo, é programa de distribuição de renda e erradicação da pobreza, mas não Renda Básica de Cidadania.

A belíssima discussão sobre o valor da RBC deveria ter sido feita há 16 anos; a RBC deveria estar implementada há tantos outros anos; e nós não precisaríamos aprovar auxílio de emergência para superar a pandemia, estaríamos garantidos em dignidade. Mas nada disso ocorreu. E foi necessária uma pandemia de um vírus que pode matar para que os governantes pensassem naquelas pessoas que nada ou muito pouco têm.

O cenário atual é de um Congresso que aprovou o auxílio de R$ 600,00 mensais para informais e autônomos, muito rapidamente, como deveriam fazer, contrariando a proposta do governo de R$ 200,00 reais mensais – sim, Guedes queria retornar ao povo míseros R$ 200,00 por mês para superarem a crise da pandemia. Você ainda se lembra do preço médio da cesta básica no Brasil? O efeito Guedes-Bolsonaro seria, em última análise, a união de 75 milhões de brasileiros aos outros 13,5 milhões que já estão na miséria.

Depois de aprovada a lei pelo Congresso, de onde ela saiu, o Governo quer colher os louros políticos do benefício, mesmo sem ter entregado um centavo ao cidadão até agora. Os jornais estampam em suas capas manchetes chamando o benefício de Auxílio do Bolsonaro, quando, na verdade, foi imposto pelo Congresso e, muito antes, quando pouquíssimos se preocupavam com a sobrevivência do mais pobres, foi e é a menina dos olho de Suplicy.

É, parece que só percebem a miséria quando os miseráveis lotam os hospitais…

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