Por Paula Vicente e Rafael Colli, integrantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Londrina

Desde que recebemos, com muita honra e orgulho, este espaço na Lume para falarmos sobre Direitos Humanos, já escrevemos quatro colunas específicas sobre violência policial, sendo que delas, três disseram sobre mortes que, de certa forma, comoveram a sociedade. Ághata, Evaldo, João Pedro, George Floyd, todas pessoas pretas, pobres e marginalizadas que foram vítimas de um Estado assassino, racista e elitista.

Por isso, pedimos desculpas pela repetição. Mas não podemos parar. São vidas – vidas pretas, principalmente – que são perdidas todos os dias, em nome de uma política sem sentido, sem eficácia e sem humanidade.

Mas nada, nada muda a política da morte.

Já são mais de 45 mil mortes no Brasil devido ao Covid-19, morrem em média 1300 pessoas por dia no país, o que chama atenção de todos e deve ser tratado como prioridade e total cuidado, mas, infelizmente, as demais mazelas que nos assolam desde sempre não nos abandonam, nem aqui nem em outros países.

Depois da morte de George Floyd, nos EUA, uma onda de manifestações se espalharam pelo mundo, chegando, inclusive, ao Brasil, onde se juntaram a manifestações antifascistas.

Mineápolis queimou. Os EUA queimaram. Lá, a população cansou de apanhar, de ser oprimida, torturada, assassinada. E assim, as manifestações surtiram efeitos. Corporações inteiras de policiais foram desmanteladas; diversos estados mudaram regras de abordagem, proibindo o uso de técnicas violentas usualmente utilizadas pela polícia – como a técnica de sufocamento que matou Floyd. Agora, surpreendentemente, até o Presidente Trump, tamanha a força das manifestações, se rendeu, dizendo-se contra a violência da polícia e que irá alterar as tais técnicas de abordagem.

Seja pequena ou não, forçada ou não, a mudança está ocorrendo. E só assim, com o constrangimento dos governantes, é que a base se transformará.

Contudo, essa mudança não atingiu as terras tupiniquins. Enquanto se discute a alteração da política policial nos EUA, aqui novos casos de violência policial surgem, como o espancamento de um jovem na zona norte de São Paulo, a morte de um adolescente por policiais fora de serviço, outros casos de espancamento de homens periféricos, tortura no meio da rua, com câmeras registrando cada ação dos policiais e escancarando que a técnica usual da polícia, quando contra pessoas pretas, pobres e faveladas, é a violência e o abuso. A realidade da atividade policial nas favelas e comunidades é essa que está sendo escancarada. Violência constante e ininterrupta. Mas repita-se, nas favelas, pois a mesma Polícia Militar que tortura jovens nas calçadas do Jaçanã, quando chamada em um condomínio de luxo de São Paulo escuta toda sorte de insultos e xingamentos calada, sem esboçar qualquer reação, afinal o criminoso não é preto, não é pobre, não é o inimigo que ele, policial, comumente combate. Enquanto nas favelas os policiais muitas vezes se identificam com símbolos de cães de caça, grandes e brutais, no Alphaville mais parecem um pet, um bichinho fofo que não quer encrenca com ninguém.

O racismo e a violência policial perfazem o tecido que dá corpo à Polícia Militar nos moldes que foi criada, originada na Ditadura Militar, sempre pronta para aniquilar os inimigos e manter os interesses – principalmente o patrimônio – da Elite branca. Esse é motor da Polícia Militar: espancar, torturar e aniquilar um inimigo eleito – antes eram os comunistas, hoje são os pretos e pobres (que na cabeça dos policiais são todos criminosos).

Esse é um problema nacional e sistêmico, enraizado em cada autoridade da Polícia, em cada soldado, em cada aula do curso de preparação e a cada discurso dos políticos que “representam” seus interesses.

Mesmo assim, mesmo diante de todas as manifestações mundiais, das conquistas norte-americanas e de escancarada para toda a mídia o modus operandi da Polícia nas comunidades e favelas, Secretários de segurança Pública, representando os interesses do seu governo – diga-se, do seu Governador – insistem em dizer que não, que são apenas alguns maus policiais que destoam da corporação, algumas “maçãs podres”.

E assim, caminha o Brasil. Todo dia um espancamento novo, uma tortura nova, uma morte nova. Todo dia um Evaldo, uma Ághata, um João Pedro. Todo dia policiais se acham no direito de entrar em favelas e comunidades como se fossem espaços sem lei e sem humanidade, prontos para aniquilar seu inimigo – inimigo da Elite, na verdade.

Resta questionar, então: o que falta acontecer para o brasileiro se insurgir contra esse tipo de absurdo? Se insurgir mesmo. O que falta para São Paulo queimar como Mineápolis? O que será necessário para que a mobilização popular constranja os governantes a tomarem atitudes diante de tantas barbaridades? Quando nossa paralisia se transformará em gasolina para o incêndio do cansaço?

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