Fotojornalista londrinense troca fotos por cestas básicas para alimentar comunidades carentes
da cidade durante a pandemia do Coronavírus
Por Mariana Guerin, jornalista e confeiteira em Londrina. Adoça a vida com quitutes e palavras
“Em muitos momentos da minha vida eu me peguei questionando sobre o tempo em si. Vejo
um pessoal novo já exercendo a profissão sonhada aos 20 anos e eu, aos 29, ainda nem vivo
da profissão que escolhi, olha o tempo perdido. Mas hoje consegui equalizar esse pensamento
de uma maneira que me define demais: cada um vive no seu próprio tempo.” Essa sinceridade
toda, uma disponibilidade ímpar e um sorriso largo são as qualidades que mais chamam
atenção no jovem fotojornalista londrinense Isaac Sitta Fontana.
Integrante do Coletivo Conexões Londrina, recentemente ele vendeu uma série de fotos suas e
todo o dinheiro arrecadado foi destinado à compra de cestas básicas para comunidades
carentes do município. “Conheci o trabalho do coletivo pelo Instagram e achei que como
fotojornalista poderia dar mais visibilidade ao projeto, aliando algo que sempre achei
fundamental na vida de um jornalista ou fotojornalista: participar de um projeto social que
fizesse a diferença para pessoas que não tiveram as oportunidades que eu tive na vida”,
justifica.

Ele já tinha feito uma ação parecida ao lado do amigo fotojornalista Gustavo Carneiro,
idealizador do projeto Cores do Gueto, que atende crianças de bairros mais pobres de
Londrina. “Vendi algumas fotos sobre a pandemia para uma agência de publicidade e o
dinheiro veio de maneira inesperada. Sendo assim, montei algumas cestas, o Gustavo fez
alguns contatos e distribuímos.”
“Após fazer a doação, fiquei pensando de que forma poderia continuar ajudando. Tinha visto
um coletivo de fotógrafos de São Paulo vendendo fotos em um projeto bem legal e decidi fazer
o meu. Anunciei todas as fotos do meu Instagram com três opções de tamanhos e valores e
deu certo. Arrecadei em torno de R$ 2 mil”, explica.
Foi aí que o bichinho do voluntariado picou o fotojornalista, que passou a integrar o Conexões
Londrina. “Estamos desenvolvendo ações em diversos bairros da cidade. Toda semana
recolhemos doações de frutas no Cealon e montamos ‘kits feira’, também realizamos um
brechó solidário, que consiste em levar araras com as roupas para os bairros mais carentes e
deixar as pessoas escolherem as roupas e sapatos que mais gostam. Recebemos doações de
cestas básicas, produtos de higiene pessoal e fazemos a ponte para que cheguem às famílias
necessitadas”, detalha. “É como o Muka, um parceiro que fiz no Conexões, diz: ‘Esse corre é
bicicleta sem freio’. E é mesmo. Faz muito bem se sentir útil de uma forma coletiva, não da
forma singular em que temos costume de levar nossas vidas.”
Uma de suas fotos virou estampa de camiseta, em outro projeto solidário realizado em
Londrina nesse momento de pandemia. Intitulada #artenorole, a ideia desenvolvida pelos
idealizadores do perfil do Instagram Rolê Errado Londrina tem como objetivo transformar obras
de artistas locais em camisetas e repassar 100% do lucro ao autor da obra. “É muito bem
pensado e executado, desde a qualidade das camisetas até a embalagem e o mais importante
é dar uma força para o pessoal que vive de eventos. A ideia é dar um respiro financeiro para
esses artistas”, comenta Isaac.
“Sobre a minha estampa, é uma foto que fiz há muito tempo, uma das primeiras. O engraçado
é que sempre imaginei ela em uma camiseta, então a oportunidade caiu como uma luva. Agora
é torcer para vender bastante, pois o valor que eu arrecadar com as vendas vai todo para o
Coletivo Conexões também.”
Essa empatia transformada por Isaac em ação vem de uma história de vida bem parecida com
a de muitos garotos nascidos na vila. Filho único, ele teve uma infância cheia de altos e
baixos. Aos sete anos, viu seus pais se separarem pela primeira vez. Entre as idas e vindas do
casal, aos 12 escolheu morar com a mãe, com quem vive até hoje. “Ela abriu mão da vida
profissional quando engravidou, então não existia outra hipótese em minha cabeça que não
fosse ficar com ela sempre.”
“Na infância, me vi enquadrado nas mais variadas classes sociais: em um momento da vida ter
um videogame legal e em outro não ter dois reais para o remendo do pneu da bicicleta”,
lembra. “A bicicleta rodava a zona oeste inteira com os amigos lá da vila, época muito boa, de
futebol na rua. O ponto de ônibus era o gol. Não tem criança com infância mais saudável do
que a que mora na vila”, define o jovem, sempre alerta aos “pontos negativos que fazem parte
do dia a dia de uma quebrada”.
Como quase todo menino brasileiro, Isaac, que é são paulino roxo e apaixonado pelo Londrina
Esporte Clube, também queria ser jogador de futebol quando pequeno. “Queria ser goleiro,
queria ser um Rogério Ceni. Também tive um grande interesse pelo basquete e fiz algumas
lutas, como judô e boxe. Mas quando machuquei o joelho, abandonei os sonhos de ser
esportista”, brinca. Entre as suas muitas vontades, a principal é comprar uma casa própria para
a mãe. “Além de ter um videogame do ano, outra coisa que tinha na cabeça era chegar aos 25
anos com a vida financeira estável. Piada né? Mas descobri a profissão que mudou e vai
mudar ainda mais minha vida mais ou menos nessa idade, então, independente da grana,
também considero um sonho realizado.”
Seu primeiro emprego veio num momento de reviravolta em sua história: aos 14 anos, em
busca de uma vida melhor, ele e a mãe mudaram-se para Macapá, no Amapá, a convite de um
tio. Viveram lá por dois anos. “Logo que chegamos em Macapá, meu tio nos ajudou a montar
uma lanchonete. Eu ajudava minha mãe na lanchonete e também trabalhava no chaveiro do
meu tio. Foi um período que me trouxe muita maturidade.”
Alguns anos depois, já de volta a Londrina e mais uma vez com dificuldades financeiras, o
jovem, com então 23 anos, partiu em busca de emprego para ajudar a mãe no sustento da
casa. “Consegui três entrevistas, fui aprovado nas três. Qual era o menor salário? O de boy, na Folha. Mesmo assim era minha melhor opção em se tratando de um possível ambiente
diferente né. Culto, uma parada mais cabeça, que poderia me ajudar a dar um jeito na vida.
Dito e feito. Escolhi a Folha e foi a decisão mais sábia que já tomei em minha vida.”
“Dentro da redação, cheguei no ‘sapatinho’, fui conhecendo o pessoal, me enturmando. Me
identifiquei muito com o pessoal da foto, e por ali ficava, perguntando, conversando, dando
risada. Nem me dei conta. Quando vi estava comprando a câmera de um dos fotógrafos.
Depois disso comecei a ‘brincar’, sem pretensões. A coisa foi tomando forma, o pessoal me
incentivava, mas acho que não botavam fé, pois não é tão simples assim né. Mas eu tinha a
escola da fotografia ali em minhas mãos, e mais, ainda recebia para isso. Vários fotojornalistas
com trabalhos, abordagens, visões e vivências completamente diferentes. Sempre que paro
para pensar nisso meio que não entendo, tenho muita sorte. Então, agarrei a fotografia com
todas as minhas forças, fiz todos os protocolos para me tornar um fotojornalista, o que levou
tempo e deu um trabalhão, e depois disso não parei mais”, relembra.
Sua inspiração para fotografar vem da realidade e também dos colegas de redação. “Tento tirar
o melhor de cada um, a luz de um, a sensibilidade de outro, a frieza e também a compaixão. O
amor pelo jornalismo que a chefe de redação carrega com ela é uma coisa que me faz
acreditar demais no nosso papel perante a sociedade. Não posso deixar de citar o cara que
vem sendo meu pai profissional e que me ajuda com os vários dilemas que vêm à tona em
meio a tudo isso. Minha maior referência com toda certeza é o Ranalli (Sergio Ranalli, editor de
fotografia da Folha de Londrina).”
Estar na redação de um jornal, abriu os olhos do jovem para possibilidades diferentes da que
tinha na vila. “Gasto muito tempo das minhas horas vagas procurando referências na fotografia e vendo jornal. Essa parte do jornal é uma loucura porque sempre achei muito coisa de velho. Acordar vendo jornal e dormir vendo jornal, ainda mais eu, que já passo o dia dentro de um. Também ouço muita música. Música é inspiração demais, ajuda em dias difíceis, anima em dias já felizes, nos traz reflexões. É mais um caminho para entendermos um pouco mais do mundo à nossa volta, diferentes visões, enfim, música é sempre uma boa companhia. Eu, particularmente, vou do rap nacional ao blues. Gosto de músicas que retratem a realidade e as encaro como ‘palestras’. Gosto também das que deixam nossa mente em um estado de êxtase, como o blues”, diz.
Garoto simples, ele confessa que passaria o resto dos dias comendo panquecas – “sem
sombra de dúvidas é meu prato preferido e faço as melhores do mundo” -, e sempre que
consegue, pega a estrada. “Como eu gosto de dirigir na estrada. Talvez por ser filho de pai
viajante. Sempre dou preferência para acampar. Acho que a nossa conexão com a natureza
vem diminuindo dia após dia e convenhamos, há poucas coisas melhores no mundo do que
uma barraca, uma fogueira e um céu cheio de estrelas. Com uma boa companhia é claro.”
Cada vez mais imerso no universo jornalístico, Isaac gosta de ver filmes e séries que fazem
pensar: “Passei boa parte da minha vida sem tempo para pensar, então vivo sempre nessa
vibe de querer mais conhecimento”, comenta o rapaz que não teve uma criação voltada para
os livros, mas entende a importância da leitura para a formação crítica do indivíduo. “Gosto
muito de histórias verídicas, de pessoas e suas histórias de vida, mas ainda tenho muito o que
descobrir.”
Ainda morando com a mãe, com quem tem uma “união indescritível” e sempre em contato com
o pai, “um cara sensacional, que sempre fez e faz o possível para ajudar”, ele fala da importância do relacionamento de quatro anos, que terminou no ano passado. “Sem sombra de dúvidas foi uma das pessoas mais importantes que passaram em minha vida. Nos encontramos em um momento em que eu estava meio perdido e ela foi fundamental para que tudo entrasse nos eixos e eu conseguisse alcançar diversos objetivos que foram essenciais para a minha caminhada”, reconhece.
Ele garante que não há lugar melhor no mundo do que o que ocupa hoje, “cercado de pessoas
que me ajudam, que me dão força. O emprego que me presenteou com a fotografia, com o
fotojornalismo, mas que me ensina diariamente e me torna um cara melhor a cada minuto”.
Como um compositor, compara, a principal razão que o levou a fotografar é externar sua visão
das mais diferentes realidades que compõem nosso dia a dia. “São raras as vezes que saio de
casa sem o equipamento. A fotografia não tem hora, pelo menos não a que é feita na rua. É
justamente nas horas em que você menos espera que rola algum acontecimento ou cena que
pode render um bom material.”
“O simples fato de estar bem comigo mesmo e trabalhando com o que gosto já é o suficiente
para seguir”, declara o fotojornalista, que além de office boy é colaborador de uma agência de
notícias. “Estamos vivendo um momento importantíssimo na história, tenho sorte de já estar
incluso no fotojornalismo durante a pandemia para conseguir produzir. O olhar de cada um vem
junto com tudo que já foi vivenciado, visto e absorvido pela pessoa no decorrer de sua vida. Eu,
particularmente, vejo que minhas fotos caminham sempre para os mais vulneráveis em meio à
pandemia e também buscam fazer críticas e uma reflexão de que tipo de sociedade realmente
somos, do quão mesquinhos, insensíveis e egoístas nos revelamos justamente nos momentos
em que mais precisaríamos estar remando para o mesmo lado”, opina.
Tomando todos os cuidados necessários para trabalhar durante a pandemia, Isaac teve febre e
dores de cabeça e se viu em isolamento, esperando o resultado de um exame para saber se
havia contraído o coronavírus. “Encaro como dever o fato de estar na rua fotografando esse
momento, sabendo da importância dos registros para agora e também para o futuro. É
importante, da mesma forma que o lixeiro que passa em plena pandemia recolher nosso lixo,
dos motoqueiros que estão correndo o dia inteiro, dos caixas de supermercados e dos médicos
que estão praticamente fadados à contaminação diariamente para nos salvar.”
Sobre oportunidades e sonhos, o jovem fotojornalista autodidata crescido “na vila” é categórico:
“Sinceramente, eu acredito muito na minha evolução profissional. Com toda certeza estarei
fotografando, e muito melhor, com muito mais intensidade e conseguindo expor mais ainda
minhas críticas e o mundo visto do meu olhar. Um sonho? Gostaria muito de um dia trabalhar
para uma agência internacional, mas para isso preciso tomar vergonha na cara e aprender
inglês.”
Para conhecer mais sobre esta história de empatia e voluntariado, acesse o Instagram:
@isaac_fontana
@conexoeslondrina
@roleerradolondrina
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