Dentre as 20 pessoas que foram encaminhadas para abrigos, nove já desistiram; quem não foi segue na rua e tenta reaver pertences levados na operação
Cecília França
Na manhã da última quinta-feira (2), pessoas em situação de rua foram retiradas do espaço onde se abrigavam no Terminal Rodoviário de Londrina em uma operação integrada das Secretarias Municipais de Saúde e Assistência Social. Dentre os que estavam no local no momento da abordagem, cerca de 20 aceitaram vagas em abrigos e os outros, não. Quem não estava presente no momento teve colchões, cobertores e roupas levados por um caminhão da Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização (CMTU) e busca reaver seus pertences.
Dentre os que foram para os abrigos, nove já desistiram das vagas, de acordo com a Assistência. A desocupação da Rodoviária vinha sendo negociada entre município, Ministério Público e Movimento da População de Rua (MNPR) há cerca de quatro meses. No entanto, com a eclosão da pandemia do novo Coronavírus as tratativas foram pausadas. Quem conta é André Luís Barbosa, representante do MNPR em Londrina.
“Há quatro meses, mais ou menos, a gente sabia (da retirada). Conversei na época com o advogado dos condôminos da rodoviária. Falaram que ia demorar uns 45 dias, mas não deu uma semana explodiu a pandemia. Esse projeto foi engavetado”, diz. Com o contexto da pandemia, a Prefeitura criou isolamentos para a população de rua, em parceria com a Arquidiocese, e este passou a ser o foco do MNPR.
“Achei que isso ia acontecer lá por dezembro. Quem ia imaginar que ia ser no dia mais frio do ano”, diz Barbosa. Quinta-feira os termômetros em Londrina registraram 5,1°C. “O que a gente ficou mais indignado não foi a retirada, mas não tem vaga para todo mundo e os pertences que foram retirados“, reclama o militante.

Com vivência de rua, Barbosa sabia que muitos dos abordados não iriam ou não permaneceriam nos abrigos e, da rodoviária, acabariam em locais mais desprotegidos da cidade. Foi o caso do casal Marciano Capoeira e Izabela Soares, que tem passado as noites a céu aberto. “Essa noite a gente acordou e estava meio pingando, eu falei que a gente ia ter que descer lá (na rodoviária) de novo, porque não vai ter outro lugar”, disse Izabela à Lume na última segunda-feira.
“A gente quer um lugar pra ficar. Eu não tenho dinheiro pra pagar aluguel de uma casa e não tem abrigo pra marido e mulher”, reclama Capoeira. Embora a falta de vagas em abrigos seja uma reclamação recorrente, a secretária de Assistência Social, Jacqueline Micali, diz que, em média, sobram 30 vagas diariamente no sistema e que a não permanência das pessoas está ligada ao uso de bebidas e substâncias.
“Estamos trabalhando com os usuários da rodoviária faz tempo. Os que lá permaneciam era devido ao uso de substâncias. Utilizar, voltar para a rodoviária, ficar naquela situação, não é proteção social”, declara. A secretária ressalta que ocupar a rodoviária não é “direito de ir e vir”.
“Só naquele dia tinha 44 pessoas naquele espaço onde tinha vários fatores que colocavam eles em desproteção social. Se acontecesse alguma coisa ali, uma morte entre eles – porque eles brigam bastante – nós seríamos responsabilizados. Mas, acima disso, queremos oferecer dignidade para essas pessoas. E morar onde você tem acesso a mendicância para usar drogas e depois dormir na rodoviária não é papel do poder público deixar que isso aconteça”, defende.
De acordo com a secretária, ações semanais programadas, entre a saúde e a assistência, serão feitas em pontos específicos da cidade onde esta população permanece. “A proteção social perpassa por regras de convivência. Não é só entrar no abrigo, se alimentar, tomar banho, sair de novo, utilizar drogas e voltar para o acolhimento”, finaliza.
A promotora pública dos Direitos Humanos, Susana de Lacerda, também defende a necessidade de responsabilização das pessoas. “Os moradores em situação de rua também precisam respeitar o espaço do outro quando está sendo oferecido um local de acolhida a eles. Foram meses de tratativas e não foram arrancados”, declara.
A questão da permanência
Embora a secretaria atribua à dependência química e aos transtornos mentais a negativa dos moradores em permanecer no abrigos, eles apontam, anonimamente, outros motivos que os desestimulam a ficar nos acolhimentos. “É uma lotação doida, é difícil ficar lá”, diz um. “Monitor é pouca gente, então quem tá na rua tá mandando lá dentro; eles próprios lá ficam oprimidos, que o pessoal ameaça eles, vão lá com faca, ficam batendo nos outros”, relata outro.
“Deu até tiro lá. A polícia bateu nos caras lá dentro. Eu vou ficar num lugar desses? Eu tô com medo! Eu só queria um ligar tranquilo pra mim ficar, pra descansar”, afirma um terceiro. “Eu perdi, por cinco minutos, a vaga, porque a GM me parou porque eu tava sem máscara. Eu acho que tinha que rever isso aí”, sugere outro.
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