Treinos remotos são paliativos no período sem treinamentos presenciais e competições devido à Covid-19
Fábio Galão – especial para a Lume
Além do luto por centenas de milhares de mortes em todo o mundo, a pandemia de Covid-19 gerou um impacto econômico e na vida da maioria das pessoas que faz com que muita gente encare 2020 como um ano perdido. E como fica a situação para quem não tem tempo a perder? No esporte de base, em que um ano faz muita diferença por questões físicas, técnicas e emocionais, a indefinição pode ser decisiva para quem tem o sonho de construir uma carreira de atleta.
Nos projetos e equipes de Londrina que mantêm programas de formação, os efeitos da pandemia são grandes. Gilberto Miranda, coordenador do projeto local de atletismo (que completa 20 anos em 2020), relata que a equipe trabalha hoje com cerca de 60 atletas na base, das categorias sub-12 a sub-20. Esses jovens, assim como os atletas do sub-23 e adulto, são monitorados em treinamentos realizados de forma virtual. As principais competições foram todas adiadas para o período de agosto a dezembro.
“Esse momento acaba fazendo com que toda a equipe técnica se desdobre: por incrível que pareça, o treinamento remoto exige mais tempo que os treinos convencionais, porque cada menino tem uma realidade na sua casa e precisa de um treinamento específico, por conta da estrutura que ele tem na residência ou perto, algum lugar onde possa treinar”, aponta o coordenador. Já os programas do projeto em escolas, nos quais vinham sendo atendidas mais de 500 crianças, estão parados devido à interrupção das aulas.
“Na base, a perda de um ano faz uma diferença tremenda. Por isso nós do projeto, desde o início da pandemia, resolvemos manter as atividades de forma online para que o prejuízo seja o menor possível. Na formação de um atleta sub-18, sub-20, já são quatro, cinco anos de treinamento, então a gente não pode deixar de forma alguma o atleta parado durante uma temporada inteira. Mas prejuízo técnico, vai haver para todos, para todas as equipes. Eu acho que aqueles que pararam menos vão ser beneficiados nos próximos passos, em competições e até mesmo na temporada 2021”, projeta o treinador.
Miranda conta que a equipe conseguiu manter por enquanto todas as parcerias, como em academias, laboratórios, consultórios médicos e um colégio particular, mas houve um contingenciamento de 20% da verba recebida pela prefeitura de Londrina, por meio do Fundo Especial de Incentivo a Projetos Esportivos (Feipe). “Isso deu um baque grande, a gente teve que reestruturar tudo”, explica. Por isso, a equipe segue em busca de recursos – recentemente, foi aprovada em um projeto de incentivo do governo do Estado, o Proesporte.
Enfrentando o desânimo
O basquete de Londrina, administrado pela Associação Pé Vermelho de Esportes (APVE), também foi atingido pelo contingenciamento das verbas do Feipe. “Teve o primeiro edital no começo do ano, quando houve falhas e vários projetos foram considerados inabilitados. Quando saiu o segundo edital, a verba já foi cortada para 75%, contingenciada pela prefeitura em virtude da pandemia, o que é normal, recomendado de acordo com o que estava acontecendo”, relata Marival Antonio Mazzio Júnior, técnico do time feminino de basquete.
“Nesse segundo edital, nosso basquete masculino adulto conseguiu ser aprovado, mas nossos outros projetos erraram uma situação sobre tempo de duração, então, foram reprovados novamente. E agora, quando abriram o terceiro edital, nós conseguimos ser aprovados a partir de agosto, só que daí cortaram para 50% o valor do projeto. Isso atrapalhou principalmente a questão das comissões técnicas e dos próprios atletas que recebem bolsa-auxílio em virtude dessa verba”, explica. O time masculino adulto também sofreu congelamento da verba do patrocinador máster – os repasses devem ser retomados em agosto.
A APVE tem em torno de 60 atletas de base no feminino e cerca de 80 no masculino, de oito a 18 anos de idade. Em treinamento remoto, viram uma série de competições importantes serem canceladas. “Acabamos de receber a confirmação do cancelamento dos Jogos da Juventude do Paraná por parte do governo do Estado, competição até 18 anos. Logo no começo de abril, já haviam sido cancelados os Jogos Escolares do Paraná (sub-17). Os Jogos Abertos do Paraná e os Jogos Escolares da Juventude, que são o campeonato brasileiro escolar, também foram cancelados. Agora, o que resta são os jogos da federação, estamos esperando a liberação por parte do governo do Estado e das prefeituras”, diz Mazzio, que também é presidente da Federação Paranaense de Basketball.
Ele destaca que, mesmo com os treinos remotos e desafios online que estão sendo promovidos pelas equipes, há perdas irreversíveis porque os atletas vão estourando os limites de idade para participar das competições de base, o que aumenta o desânimo. “Quando você fala que vai ficar só um mês parado, como a gente pensava que seria lá em março, o pessoal se preocupa em manter a parte física. Mas chegou o segundo mês (de paralisação das atividades) e deu uma desanimada. Agora que nós estamos passando do quarto mês, muitos atletas estão realmente bem desanimados, não estão fazendo mais nada, já estão ganhando muito peso. Eles têm que fazer as atividades todas em casa, e isso afeta a parte emocional e a parte física. Está ocorrendo muita desistência”, lamenta. “É missão do técnico e dos pais que realmente querem que eles continuem no esporte tentar incentivar, dar uma motivada.”
Luciane Maria de Oliveira Bernardi, coordenadora pedagógica do projeto de Ginástica Rítmica (GR) da Unopar, conta que, além de manter a motivação das atletas, outro desafio durante os treinos remotos (também adotados pela equipe) é a perda dos ganhos do treinamento presencial, mais significativos para meninas mais novas – a base do projeto tem cerca de 70 crianças de cinco a nove anos de idade.
“A criança, como sabemos, precisa de alguns toques, o contato gera uma ação no sistema nervoso periférico que leva ao sistema nervoso central e rapidamente a criança aprende. Quando só estamos falando por vídeo, não tem esse toque, momento de correção, o que dificulta o aprendizado da criança. É preciso o contato, o comentário mais carinhoso, ‘dar parabéns’, todo esse sistema psicológico faz diferença”, explica a professora. Além da base, a equipe tem crianças também nos polos, que estão parados devido à pandemia.
A GR de Londrina, que tem mais de 40 anos, manteve o apoio da Unopar. Para 2021, Bernardi projeta onde será necessário trabalhar mais para recuperar o tempo perdido. “A maior dificuldade é a mudança da base para o intermediário, porque as meninas estão mais distantes e fica difícil ver a evolução de cada uma delas. Quando estão no ginásio, nós fazemos uma análise diária das meninas, e por isso em 2021, como hoje a análise é remota, vai ser mais desafiador para não errar nas escolhas”, aponta a coordenadora.
Independentemente se vão se tornar profissionais ou não, a manutenção do esporte na vida de crianças e adolescentes é importante por propor caminhos, especialmente para os que vêm de situações socioeconômicas difíceis. “No geral, nossos esportes mudam a vida dos jovens na questão social. Veja que a GR traz uma vida, formação corporal e social mais saudável. São crianças que têm disciplina, que têm metas, têm um estilo de vida muito bem vindo para a vida delas. São modalidades esportivas em que vejo um impacto positivo no sentido de torná-las cidadãs, saudáveis e bem instruídas”, argumenta Bernardi.

A adaptação de um sonho
Giovanna Aparecida Venâncio, de 18 anos, da base da equipe de atletismo de Londrina, compete nas provas de arremesso de peso e lançamento de disco. Como os outros atletas do projeto, precisou se adaptar durante a pandemia. “Eu notei uma grande dificuldade sobre os treinos mais pela falta de equipamento, porque quando tínhamos os treinos presenciais, a gente tinha tudo, todos os materiais, e agora a gente tem que se virar com o que tem em casa, às vezes, fazendo equipamentos caseiros com material reciclável. Ainda mais por minhas provas serem provas de impacto, foi bem difícil, e também pela falta de espaço, a gente não consegue se locomover melhor e isso acaba dificultando muito”, descreve a atleta.
“A pandemia trouxe um grande prejuízo para os meus treinos, para minha carreira, porque a gente acaba perdendo muito da técnica não tendo o treinador por perto, alguém te observando, falando o que está errado, o que está certo, o que você precisa melhorar, nos treinos presenciais toda hora tem alguém ali te observando, te ajudando, te ensinando. Em casa, a gente tem que tentar se ajustar em cima do que a gente aprendeu e em cima do que a gente ainda lembra, porque tem coisa que a gente acaba esquecendo”, lamenta.
Giovanna mora com a mãe, o padrasto e o filho dele. “O único que trabalha em casa é meu padrasto, que é marceneiro, e meu ‘irmão’ o ajuda. Minha mãe era diarista, mas teve que parar porque teve uma doença que demorou muito para curar. Hoje, ela está bem, mas não pode se esforçar muito. Com a ajuda de custo que recebo, eu ajudo comprando algumas coisas que faltam, como comida, ajudo também a pagar algumas contas e, quando precisa, comprar alguns remédios. Minha mãe tenta obter uma renda fazendo tapetes de crochê”, explica a atleta.
“A gente está tomando os devidos cuidados, se protegendo, usando máscara, lavando as mãos… Graças a Deus, ninguém da minha família foi infectado ainda pelo novo coronavírus, nem outras pessoas que conheço, nem mesmo vizinhos, não sabemos de ninguém que pegou.”
Entre as competições de que Giovanna participaria este ano e foram canceladas ou adiadas, estavam o Troféu Brasil, o Campeonato Brasileiro sub-20 e o Paranaense. Apesar dos treinos atípicos e da interrupção dos torneios, ela acredita que será possível compensar depois.
“Com certeza tem prejuízo, mas pessoalmente está começando a ser compensado porque a gente está voltando aos poucos, principalmente (com treinos) em academias, já que o que eu mais faço exige força, exige muita técnica. É difícil, mas eu acho que a gente consegue compensar tudo depois. Isso vai depender também da competição, a gente vai ver o que vai dar lá, se afetou muito, se não chegou a afetar tanto, porque cada um tem o seu jeito”, projeta.
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