Por Naiara Cardoso Gomide da Costa Alamy*
Em meio ao sentimento de derrota que tem se manifestado de forma corriqueira e ordinária na vida brasileira, desde as primeiras semanas de março deste ano, quando foi necessária a instituição da denominada quarentena, assistimos de forma apática ao aumento da violência em âmbito doméstico.
Neste último domingo, dia 16 de agosto, a sociedade se choca quando o noticiário anuncia a autorização de aborto numa criança de 10 anos vítima de violência sexual praticada por seu tio. Dois assuntos considerados delicados e que para muita gente ainda se traduzem como tabus: a violência doméstica e o abuso sexual infantil.
O mais curioso é que a ocorrência do fato se deu em meio à campanha Agosto Lilás e próximo aos 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. A Agosto Lilás destaca os 14 anos da Lei Maria da Penha cujo objetivo é conscientizar a população sobre a relevância da prevenção e do enfrentamento da violência contra a mulher, que pode ser física, psicológica, sexual, moral e até patrimonial. Com os trinta anos completados em 13 de julho do ECA ainda se busca uma nova perspectiva para meninos e meninas passarem a ser vistos como “sujeitos de direitos”.
Pois bem, a vítima é uma criança do sexo feminino que tem estabelecido em seu favor uma rede de proteção legal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei Maria da Penha, que tem a finalidade de proporcionar seu desenvolvimento pleno. Mas, antes disso, é necessário considerar que a Constituição Federal garante a essa criança segurança no seu desenvolvimento, inclusive elege a família a instituição de proteção e cuidado entre os entes que a compõem, cabendo aos mais velhos a obrigação de cuidar dos mais novos.
Esse dever de cuidado e proteção nasce da solidariedade entre os membros do grupo familiar. A solidariedade então se apresenta como princípio base da família brasileira. É preciso cuidado quando se fala de solidariedade porque seu significado se amolda às mais variadas situações, sendo necessário defini-lo exatamente para que não reste banalizada.
De forma resumida pode-se apontar três dimensões da solidariedade: uma moral, uma ética e outra jurídica. A primeira situa-se na esfera íntima do sujeito, a segunda encontra-se exteriorizada na coletividade e a terceira, com força obrigatória, localizada na lei.
Quando nos deparamos com uma criança de 10 anos grávida de seu tio percebemos que as três dimensões de solidariedade foram ofendidas. Todos falhamos. Pessoa, família, sociedade, Estado.
A solidariedade, desta forma, precisa integrar a vida das pessoas. Já não é possível mais depender apenas da ação estatal por meio de suas políticas públicas. Elas ainda são indispensáveis e não se pode abrir mão delas. Mas, é necessário mais, fazer mais, responsabilizar mais.
A família tem que ter consciência de seu papel. A sociedade não pode mais se omitir, superar a apatia torna-se dever de cada um do corpo social. As pessoas individualmente consideradas precisam superar o torpor que a grande quantidade de informação causa e participar ativamente, vencendo a incapacidade de indignar-se.
A solução advinda do Poder Judiciário, provocado pelo Ministério Público como representante da sociedade, observou o disposto nas leis infraconstitucionais com amplo lastro constitucional. A solidariedade prevalece sendo justificativa responsável na proteção da criança/menina.
*Naiara Cardoso Gomide da Costa Alamy é advogada, doutoranda em Direito pela UniCEUB, de Brasília
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