Com dois heterônimos, Antonio Rodríguez, de 17 anos, denuncia racismo na poesia e escreve romance sobre adolescentes
Nelson Bortolin
“O Antonio Rodríguez morreu. Agora me chame de Orfeu Negro, pois na veia corre sangue escravo. Aliás, me chame Leão do Tsavo porque valho bem mais que um centavo”. Com esses versos, o jovem Antonio Rodríguez, de 17 anos, apresenta suas duas personas poéticas. “O Leão do Tsavo traz toda a questão política, o racismo. Já com Orfeu Negro eu vou mais pela questão romântica, mais emocional, menos crítica”, conta ele referindo-se aos heterônimos que utiliza.
A cadência da maior parte das poesias, que podem ser lidas no perfil do Instagram a.poetizando.me., é a do rap. Mas Antonio, que é morador de Londrina, se aventura por outros estilos e, inclusive, está escrevendo um romance.
Além dos rappers como Emicida, suas influências são as mais diversas, incluindo Carlos Drummond de Andrade e Pablo Neruda.
O gosto pela leitura do estudante vem da família. Sua avó era uma bibliotecária chilena “sempre imersa no mundo dos livros”. “Minha mãe cresceu numa casa com uma biblioteca enorme e desde cedo me ensinou que eu tinha de ler, não importa o quê. Eu sempre tive contato próximo com os livros”, conta.
Filho da professora de espanhol Perla Rodriguez, ele acredita que, por pertencer à classe média, leva vantagem em relação aos jovens negros da periferia. “Se eu estiver na rua e a polícia tiver de escolher entre me parar – um jovem negro bem vestido – e parar um jovem negro mal vestido e com trejeitos da periferia, não tenho dúvida que vão parar o da periferia.”
Na memória do jovem ainda está viva a lembrança do dia em que sua mãe foi alertada por uma amiga: “Você sabia que o Antonio está andando com um menino estranho, com cara de bandido?”.
Era o filho da faxineira, que um dia foi com a mãe para o trabalho e acompanhou Antonio até o supermercado.
“Naquele momento, eu percebi claramente que ser de classe média traz uma vantagem. Se olhar para aquele menino e olhar para mim, somos iguais em muitas coisas, mas minha roupa, meu jeito de vestir e falar fazem a diferença.”
Antonio acredita que a tecnologia vem colocando o racismo e a luta antirracista em evidência, o que traz perspectivas de um futuro menos desigual entre brancos e negros. E cita uma frase do ator norte-americano Will Smith: “O racismo não está piorando, ele está sendo filmado.” “Hoje você tem milhares de registros do que está acontecendo. Antes, era a palavra do negro contra a do branco. E a palavra do branco numa sociedade racista sempre vai valer mais.”
Com a pandemia, o estudante ganhou tempo para começar a escrever um romance. “Conto a história de dois adolescentes que descobrem o amor. A personagem principal, uma menina, foi assediada na escola. O livro faz esse diálogo: como ela vai viver o amor se as cenas do trauma passam sempre pela cabeça dela?”
Como se vê, Rodríguez se propõe a enfrentar questões estruturais com a ferocidade de um Leão de Tsavo e a doçura de Orfeu. Como arma, tem a palavra.
No vídeo, ele declama o poema Racismo Inverso.
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