Outros 37 mil trabalhadores tiveram contratos suspensos ou reduções de jornadas e salários
Cecília França
*Atualizada em 30/09, após revisão dos dados de julho do Caged
Desde o início da pandemia, no mês de março, até o final de julho, Londrina fechou 6.627 vagas de emprego com carteira assinada. Os dados são os mais recentes do Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Comércio e serviços foram os setores mais afetados. O grande número de desligamentos se concentra no mês de abril, com saldo negativo de 3.867 vagas. O período coincide com o primeiro fechamento do setor produtivo, decretado pela prefeitura entre 20 de março e 20 de abril, em função da pandemia do novo Coronavírus. O primeiro caso na cidade foi confirmado em 17 de março.
De março a julho foram 19.494 admissões e 26.121 demissões na cidade. Apenas agropecuária e construção mantiveram saldo positivo, de 17 e 24 vagas, respectivamente. Todos os outros setores fecharam com queda (veja abaixo). Serviços teve o saldo mais negativo: 3.379 vagas a menos, com grande concentração nos segmentos de alojamento e alimentação (-1.415), entre os mais afetados pelo isolamento social decorrente da pandemia. Na sequência, aparece o setor comercial com a maior perda de vagas: -2.083.

O diretor presidente do Sindecolon (Sindicato dos Empregados no Comércio de Londrina), José Lima do Nascimento, lamenta que os sindicatos não mais participem obrigatoriamente das homologações das rescisões de contrato de trabalho – mudança imposta pela Reforma Trabalhista de 2017, no governo Temer. De acordo com ele, isso dificulta o controle sobre possíveis prejuízos para os trabalhadores.
“Em função da pandemia, empresas pequenas e médias, de poucos recursos, acabam tendo que encerrar suas atividades. O sindicato patronal me informou que muitas empresas fecharam, além do que se previa. A gente tem uma preocupação muito grande, estamos exercendo um controle em cima dessas situações, mesmo porque os empregadores podem tirar vantagem em cima da legislação, que permite que eles façam essa negociação direto com os empregados. Os trabalhadores acabam no prejuízo”, alerta.
Os setores comercial e de serviços também lideram entre os que mais optaram por suspender contratos de trabalho ou realizar acordos de redução de jornadas e salários. Essas possibilidades estão previstas no chamado Benefício Emergencial, pacote apresentado pelo governo federal com a proposta de manutenção de empregos durante a pandemia. Os acordos possibilitam a redução de até 70% da jornada com redução salarial. O valor pago ao trabalhador pelo governo equivale a uma fração do seguro-desemprego a que ele teria direito caso fosse demitido, variando de R$ 261,25 a R$ 1.813,03.
De abril até 9 de setembro (último dado atualizado pelo Ministério da Economia), foram firmados 67.310 acordos em Londrina, envolvendo mais de 37 mil trabalhadores e 6,6 mil empresas. Os dados levam à compreensão de que muitos empregados celebraram mais de um acordo com a mesma empresa.

O diretor presidente do Sindelocon entende que as medidas apresentadas pelo governo federal foram necessárias e deram um pouco mais de segurança para os trabalhadores. “Alguma coisa teria que ser feita, senão haveria uma liberação em massa dos trabalhadores, acho que o prejuízo seria maior. Deu um pouco de segurança para o empregador e acaba passando para o empregado”, avalia.
Quanto à recuperação dos setores antes do fim do ano, época das tradicionais contratações de temporários, Lima diz ter “esperança”.
“A gente espera que ocorra os empregos extras. Temos esperança que a situação da pandemia tenda a baixar e quando chegar dezembro os extras tenham oportunidades. Esperamos que seja um número bastante elevado em função, inclusive, das dispensas que houveram agora”.
Tendência nacional
Marcos Rambalducci, consultor econômico da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Londrina (Acil), lembra que praticamente 70% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro é calcado nos setores de comércio e de serviços. “Em qualquer crise, quando tiver afunilamento da renda, esses setores vão sofrer. O ruim é que também são os últimos a responderem de maneira positiva. A economia precisa entrar em um ciclo virtuoso para as pessoas começarem a comprar e as empresas retomarem as contratações”, explica.
Rambalducci acredita, no entanto, que os dados de agosto do Caged, a serem divulgados em 15 dias, já devem indicar números melhores para os dois setores, uma vez que construção civil e indústria já registraram saldos positivos em julho, de 142 e 161 admissões, respectivamente. Outro indicador considerado positivo por ele é que municípios da região também já começam a esboçar melhoras.
Em abril, a Acil fez uma análise, a pedido da Prefeitura de Londrina, sobre os cenários econômicos possíveis para 2020. O primeiro previa uma queda de 5% no PIB; o segundo, de quase 7% e o terceiro de 9%. “Está se consolidando o primeiro cenário, o menos ruim”, acredita Rambalducci. “As pessoas que ficaram enclausuradas agora querem ir para o comércio, comprar, rodar. Se você tem uma expectativa positiva de emprego, acaba sendo uma profecia. Evidentemente não pode imaginar que vai bater os números do ano passado, mas vai ser menos impactante do que poderia prever lá em abril”, avalia.
“Tento fazer bicos quando aparece”
Daiany da Silva Nascimento, 37, espera conseguir uma recolocação no mercado de trabalho antes do fim das parcelas do seguro-desemprego. Antes do desligamento definitivo do pub onde trabalhava como cozinheira chefe, ela teve o contrato suspenso por 30 dias, enquanto o empregador aguardava o desenrolar da pandemia. A despensa definitiva ocorreu em junho.
“No começo de março deram férias coletivas por 20 dias. Depois a gente voltou e já entrou com suspensão de um mês. Nesse mesmo mês voltou de novo porque tinha uma outra casa do mesmo grupo que a gente trabalhava. Trabalhamos um mês, não foi pra frente, aí dispensaram todo mundo mesmo. Em Londrina foram umas 15 pessoas”, conta.

No momento, Daiany sustenta a casa onde vive os três filhos com o seguro-desemprego. “Tento fazer bico quando aparece, mas também está muito difícil, porque caiu geral. Meu filho mais velho que começou a trabalhar e me dá uma mão”. Com o novo fechamento dos bares por 14 dias, iniciado na última sexta-feira, Daiany prevê que os ‘bicos’ também desapareçam.
A cozinheira aposta em sua experiência para conseguir uma recolocação em qualquer área do mercado antes do fim das parcelas do seguro. “Farmácia, posto de gasolina, está tudo lá em cima, e os preços (dos alimentos) elevaram demais. O salário não subiu, o benefício não subiu, como que o povo vai viver?”, questiona.
Queda no poder de compra
O economista Flávio Oliveira dos Santos diz que o desemprego ainda não está refletindo significativamente na economia em virtude do Auxílio Emergencial. O pagamento do benefício segue até dezembro. As parcelas iniciais (até cinco) foram no valor de R$ 600 (montante alcançado após pressão dos parlamentares sobre o governo federal, que previa, inicialmente, o valor de R$ 200). As parcelas seguintes serão de R$ 300.
“Assim que cessar o auxílio teremos uma situação de agravamento, isto porque, com a grande massa de trabalhadores desempregados e sem o auxílio, ocorrerá uma drástica queda no consumo”, explica. “Para piorar, o poder de compra da cesta básica e outros itens foi deteriorado pela alta dos alimentos”.
O economista tem uma avaliação positiva das medidas governamentais implementadas durante a pandemia, mas teme que uma retomada lenta da economia dificulte a manutenção dos programas. “Se a demanda não voltar a crescer, o governo não terá como bancar as medidas implementadas, por falta de arrecadação”.
‘Pensei em virar motorista da Uber para uma renda extra’

Aline Akemi Aoyama, 34, perdeu o trabalho como chefe de caixa no setor de entretenimento no mês de julho. Atualmente, recebe o seguro-desemprego, que fica um pouco abaixo do salário que costumava receber. Até o meio do ano ela era a responsável total pelas contas da casa. Agora, divide os gastos com a mãe, que conseguiu aposentadoria.
“Infelizmente estou sem perspectivas. Essa semana mesmo fui tirar o EAR (referente a “exerce atividade remunerada”) para carteira de motorista, pensei em virar motorista da Uber para uma renda extra, mas conversando com o pessoal parece que não está valendo a pena também”, conta. Aline tem mandado currículos para algumas vagas que considera interessantes, mas as oportunidades estão escassas.
“Devo ter feito umas duas entrevistas só até hoje”.
Desemprego deve aumentar no pós-pandemia, prevê economista do Dieese
O desemprego no Brasil avançou de 12,2% no primeiro trimestre para 13,3% no segundo trimestre deste ano, finalizado em junho, de acordo com os últimos dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O número de pessoas desocupadas, no entanto, teve ligeira queda, de 12,9 milhões para 12,8 milhões. O IBGE não contabiliza pessoas desocupadas que não estejam buscando novo emprego. Por isso, os números oficiais devem subir no pós-pandemia, com o fim dos acordos feitos pelas empresas e do Auxílio Emergencial, prevê Sandro Silva, economista e supervisor técnico do Dieese/PR (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
“O desemprego não aumentou tanto porque, num momento de pandemia, a oferta de empregos é muito baixa e o trabalhador tem medo de se contaminar. Quando voltar a atividade voltar ao normal e as pessoas se sentirem seguras a procurar, a tendência é que o desemprego aumente significativamente”. Silva vê também um efeito danoso que pode advir das políticas lançadas pelo governo federal e precarizar ainda mais as condições de trabalho.
“Acho que talvez tenha a aprovação de uma lei que torne mais fácil a questão da flexibilização de jornada. Até então só era permitida redução de jornada sem redução salarial”, relembra. Silva aponta o histórico recente de precarização do trabalho. A partir da reforma trabalhista de 2017, sindicatos deixaram de participar obrigatoriamente das homologações de rescisões, a contribuição sindical passou a ser facultativa, enfraquecendo os sindicatos, e acordos entre trabalhadores e empresas passaram a suplantar a legislação em determinados temas.
“O histórico do mercado de trabalho é mesmo da precarização. A queda que ocorreu no desemprego foi em função das ocupações informais, tanto dos que trabalham sem carteira assinada quanto por conta própria”. No pós-pandemia a situação pode se agravar. “Com o fim do benefício e a não retomada da economia pode haver uma nova onda de demissões nessas empresa que acessaram os benefícios”.
Silva destaca que a política econômica do governo Bolsonaro também aponta para a precarização. Ele relembra que os benefícios criados para proteger parte dos empregos durante a pandemia não eram a ideia original do governo, que abria a possibilidade, inicialmente, de suspensão de contratos de trabalho por até quatro meses sem compensação alguma. Para ele, as medidas implementadas foram acertadas, mas insuficientes. “O cálculo em cima do seguro-desemprego pode fazer cair muito a renda, além da questão da estabilidade ser muito restrita para os trabalhadores que entraram no programa. Devia tentar garantir uma estabilidade para todo mundo”, finaliza.
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