Imigrantes de países em colapso econômico buscam no Paraná uma vida nova de oportunidades e de paz
Olga Leiria, de Curitiba
Estamos em constante movimento, nos mudando, procurando uma nova casa, um novo bairro, uma nova cidade. Mas alguns se mudam pelo sofrimento político e econômico de seu países. Homens e mulheres que deixam sua terra natal, suas famílias, seus pertences, para começar uma nova vida e realizar seus sonhos. Viajam milhares de quilômetros para encontrar oportunidades, alegria e paz.
O Brasil sempre foi uma terra de oportunidades para imigrantes. Somos uma nação formada por portugueses, espanhóis, italianos, poloneses, ucranianos, japoneses, judeus, turcos, libaneses, alemães. Mas, nos últimos 10 anos, uma grande quantidade de imigrantes chegaram ao país, e também ao Paraná, vindo de outras terras, entre eles haitianos, sírios e venezuelanos. Em Curitiba, no bairro do Umbará (zona sul), a paróquia de São Pedro dispõe de um espaço destinado ao atendimento deles: a Pastoral do Migrante.
Todas as terças-feiras, a partir das 14h até às 17h, voluntários doam tempo, atenção e carinho para aqueles que chegam apenas com a roupa do corpo e algumas bolsas. Uma pequena janela de dois metros de largura é o início de uma nova vida para os imigrantes que ali procuram ajuda e orientação. Pessoas vão chegando tímidas – a grande maioria mulheres – para pegar suas cestas básicas ou roupas de frio, afinal, muitos vieram de regiões quentes, de clima tropical e não conheciam o frio paranaense.
Olhares tímidos e o silêncio misturam-se com o vento que sussurra nos galhos das árvores no pátio da igreja. Lúcia Bamberg, 48, autônoma, mão de dois filhos e avó de dois netos, chega meia hora antes para arrumar as doações e separar alguns pedidos. Trabalha há 12 anos como voluntária. Começou quando se mudou para o bairro e conheceu o trabalho dos Irmãos Cáritas, procurou a pastoral, informou-se e ficou tocada pelo trabalho.
“Estamos aqui para orientar, repassar as doações e dar uma palavra de ajuda”, diz Bamberg. O trabalho da pastoral é importante para a comunidade estrangeira. Há doações de roupas, calçados, móveis, cobertas, louças e cestas básicas que são mensais e com cadastro. “Observar que chegam aqui sem nada e saem com o que procuravam, isso me faz feliz”, relata a voluntária.
Mas Bamberg não está sozinha, ela conta com a ajuda do esposo, que está junto nessa empreitada há dois anos. Há imigrantes que receberam ajuda e atualmente também ajudam seus conterrâneos. Yoline Michel, 44, mão de um pequeno menino que já nasceu em terras brasileiras, ajuda informando e orientando seus compatriotas haitianos que possuem dificuldade em se comunicar. Conversas altas na língua crioula haitiana, Michel vai orientando os que chegam para preencherem o cadastro e receber uma cesta básica.
Ela está morando em Curitiba há sete anos, o marido trabalha como marceneiro, mas ela está a procura de emprego como muitos. No Haiti trabalhava como vendedora na cidade de Gonaives. O país está em ruínas desde o terremoto no ano de 2010. Não possui saneamento e existe um grande número de doenças que não conseguem ser controladas, porque não existe tratamento local, como malária, cólera e principalmente a AIDS. Seu sonho é conseguir um trabalho e levar o filho para conhecer os avós.
Lúcia Bamberg Yoline Michel
Muitos haitianos vieram para o Brasil, desde 2010, mas ainda é grande o número de entrada no país. “Tenho sonhos, mas não tenho dinheiro”, assim fala o haitiano Urobert Aldajusto, 31, pedreiro. Veio para o Brasil há cinco anos. Aqui casou-se e constituiu uma família. Estava trabalhando no Ceasa, mas foi dispensado por causa da pandemia. Ao falar da terra natal os olhos brilham com um sentimento de saudade.
O que mais deseja é trabalhar, fala muitas vezes de trabalho durante a conversa. Pensa em voltar para sua pátria, mas as passagens são caras demais. São em média 7 mil reais. Está em plena dificuldade, sem emprego e sem poder voltar para seu país.
Atualmente 100 famílias estão cadastradas na Pastoral do Migrante da igreja de São Pedro. Elizete Sant’Anna de Oliveira, 57, trabalha há 20 anos na pastoral, atualmente está na coordenação. Descendente de negro, indígena, português e italiano, diz: “Todos somos descendentes de migrantes que vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor, reinventaram-se e hoje a vida é outra“, ao referir-se aos atuais imigrantes.
Segundo informações da Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho, de janeiro a agosto foi registrada a entrada de 829 migrantes no estado do Paraná. Destes, 416 são venezuelanos, 301 haitianos e 37 cubanos. O estado ajuda com documentação, abrigo, vagas de trabalho, aulas de português.
A venezuelana Emily Lano Elizete de Oliveira
Pandemia e perda de emprego
Chega em uma kombi Emily Del Carmen Lano, 20, grávida de sete meses de uma menina que se chamará Rosnargelys. Veio buscar roupinhas para a bebê e algumas roupas de frio. Ainda na Venezuela recebeu a proposta de uma família em Curitiba para ganhar R$ 350 mensais para cuidar de duas crianças e morar no emprego. Mas não deu certo, foi dispensada no início da pandemia em março e saiu do emprego sem receber um único tostão. O pai da criança a abandonou e ela está sendo amparada pela UAI (Unidade de Acolhimento Institucional Feminino) da prefeitura de Curitiba.
Lano voltará logo para sua terra natal, pois não teve sorte em terra brasileiras. Lá terá o carinho dos pais e de uma irmã, onde crescerá sua menina. A venezuelana Mari Racanelli, 40, está há um ano e meio no Brasil. Veio com duas filhas, esposo e mais oito pessoas conhecidas. Lá trabalhava como vendedora de empréstimos bancários para professores na cidade de Maturin. Com o salário que ganhava comprava somente salsichas e 1 quilo de macarrão.
“Não temos medicamentos, gasolina, internet e ocorre vários apagões de energia”, fala Racanelli. Trabalhava em casa de família, mas foi dispensada por causa da pandemia. Nas terças-feiras ajuda Lúcia na Pastoral separando as roupas e calçados de doação. Apesar da sua situação financeira no Brasil, está muito feliz. Seus olhos brilham de alegria ao falar da Terra Nova, mas sente falta de sua mãe e das arepas de milho.
Segundo informações do Ministério do Trabalho da Venezuela o salário mínimo é de Bs.F 800.000 bolívares venezuelanos, ou seja, US$ 4,6 dólares; em reais, apenas R$ 26. Realmente uma situação econômica muito difícil para todos que vivem lá, com uma hiperinflação.
Solimir e o marido Hugo Munhoz Mari Racanelli com uma das filhas
O salário por uma dúzia de ovos
Uma viagem de oito dias, 8.956 quilômetros percorridos de ônibus e pegando o famoso Trem da Morte em Santa Fé, Bolívia, a família de Solimir Salazer, 45, fez para chegar em Curitiba. Sem mordomia para economizar o máximo que pudessem, dormiram em rodoviárias. Na Venezuela Salazer era professora de contabilidade em uma universidade estadual, mas com a crise conseguia comprar apenas uma dúzia de ovos com o salário que recebia.
“Antigamente nossa economia era muito boa, tínhamos tudo, melhores médicos para saúde e excelente escolas públicas para as crianças, mas a crise do governo Maduro chegou e não temos mais nada”, diz Salazer. Conversou com o marido e venderam os dois carros da família para custear as passagens e rumar para terras tupiniquins. Gastaram US$ 965 dólares para quatro pessoas (ela, marido e dois filhos). Chegaram em março, junto com a pandemia.
A família está feliz na capital paranaense, mas sem trabalho. Ganhou um fogão e uma batedeira e agora está fazendo bolos para vender. Almeja comprar uma casa e buscar sua mãe, de 67 anos, que ficou. Como diz uma estrofe do hino venezuleano, “Glória ao bravo povo”, imigrantes de todas as nações que buscam nosso país, que é “Livre terra de livres irmãos” (Hino da República).
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