Mãe de três meninas, educadora e mobilizadora, Luana Oliveira é o Conexões Londrina, projeto que é ponte entre recursos e favela em Londrina

Por Mariana Guerin, jornalista e confeiteira em Londrina. Adoça a vida com quitutes e palavras

Lua: satélite que reflete a luz do sol, iluminando a escuridão, dando norte a quem está perdido. Um apelido carinhoso que bem representa a alma da carioca radicada em Londrina há 18 anos, Luana Gomes Maciel Oliveira. Ela iniciou um trabalho de ações comunitárias no município que se tornou fundamental para muitas famílias carentes durante a pandemia do novo coronavírus: o Conexões Londrina.

Formada em gestão de pessoas, ela se juntou com o marido e alguns amigos para trabalhar em parceria com integrantes da Cufa (Central Única das Favelas) e levar melhorias às pessoas em situação de vulnerabilidade. Segundo Luana, o projeto distribui alimentos, nutrição especial a acamados, idosos e crianças, itens de higiene pessoal, produtos de limpeza doméstica – em sua maioria produzidos artesanalmente no próprio projeto -, material para reabilitação física, itens de vestuário, móveis, excedentes de construção e até indicações para serviços de especialistas, como advogados, psicólogos, fisioterapeutas, além de consultas médicas.

“O Conexões nasce de um projeto individual de muitos anos. Já realizava palestras e oficinas em colégios e ações comunitárias bem antes da pandemia. À medida que me comuniquei com amigos pedindo ajuda, doações e caronas, foram aparecendo pessoas para ajudar e resolvemos dar um nome. Sempre uso essa expressão: nós fazemos a ponte para a favela”, comenta a gestora.

Lua (ao centro), em uma das muitas caminhadas pelas periferias de Londrina. Fotos> Isaac Fontana e Arquivo Pessoal

“Costumo dizer que a solidariedade na nossa sociedade tem cinco lugares: quem deveria fazer, o Estado; quem pode ajudar, os que têm dinheiro, como os empresários; quem quer ajudar, que são organizações sociais e pessoas físicas que não vivem no contexto de maior pobreza; as pontes, como o Conexões e outros grupos organizados com esse fim; e a ponta da corda, que é a quebrada”, descreve Luana. “O norte do trabalho é pensar que o que não serviria para nós, não serve para ninguém. Usando esse critério, ajudamos fazendo a ponte”, destaca.

O Conexões Londrina já ajudou mais de 3 mil famílias, distribuindo mais de 12 toneladas de itens de higiene e limpeza, quase 900 botijões de gás, sendo quase 40 comprados com recursos de arrecadações individuais, calcula Luana. “Não temos um número fixo de pessoas no projeto porque a vida muda e as demandas que muitas pessoas atendiam estavam ligadas à condição de isolamento. Mas podemos dizer que temos uns parceiros há mais tempo no processo, fortalecendo muito a corrente.”

“Temos muito o que construir ainda, porque a demanda é bem maior que nossa capacidade de suprir; mas o trabalho não para. As doações cada dia caem mais, apesar da demanda estar em franco crescimento”, lamenta Luana, citando que famílias que contribuíram no primeiro trimestre estão na fila de espera por uma cesta básica. “Isso nos entristece, porém também mobiliza.”

Carioca criada em Caxias, Lua tem um irmão mais velho, Hugo, que é filho apenas do pai dela. “Não fomos criados juntos, mas ele é muito amado.” Ela tem ainda duas irmãs mais novas: Solayne (Sol), 7, e Mariana (Mar), 8. “Sou fruto de uma família bem heterogênea; somos muitos primos e fomos criados como irmãos, próximos e unidos. As reuniões na casa dos meus avós eram infinitas e especiais. Tenho questões que ainda preciso trabalhar dessa fase, que acredito ser normal. Recebi bons exemplos e aprendi muito sobre amor e a vida como um todo”, recorda.

Desde adolescente, Lua é mobilizadora. “Minha casa estava sempre cheia de amigos e eu gosto de juntar pessoas por causas maiores desde sempre. Sempre fui questionadora e luto pelo que acredito e nem sempre isso é bem visto. Podemos dizer que nem sempre fui a filha dos sonhos dos meus pais.”

Ainda na adolescência, ela foi exposta a uma situação de violência que a transformou completamente. “Sofri abuso sexual. Acho que isso marca profundamente a vida de alguém. Faz você repensar seu corpo e a condição de autonomia a ele, num mundo onde a mulher é objetificada e desvalorizada em tantas maneiras”, conta Luana, que também foi mãe solteira três vezes.

“Vivi momentos de vulnerabilidade econômica, social, emocional. Conheci o abandono, a sensação de viver na rua e descobri algo igualmente libertador: a capacidade de resistir”, ensina a gestora que, aos 36 anos, “tem se virado como dá”. “Nesse momento estou fora do mercado formal de trabalho, então faço freelance, dou aulas particulares de reforço, auxilio em pesquisas para tcc’s.”

Como a lua, que é símbolo universal de feminilidade, fertilidade e renovação, Luana casou-se em plena pandemia e com o esposo Matheus cria as três filhas: Cecília, Ísis e Heloísa. “Muitas vezes fico sobrecarregada e sei que eles sentem minha falta, pois as atividades consomem tempo e concentração”, reconhece.

“Em 2018 idealizei um cursinho pré-vestibular comunitário na minha quebrada e coordeno desde então. Faço parte, com muito orgulho, da equipe da Batalha do 5, organizamos batalhas de rimas e eventos de hip-hop na cidade. Minha família me apoia, apesar de me acharem meio exagerada.”

Se a mobilizadora sonha para si o mesmo tanto que sonha para o outro? Claro que sim. “Acho que o sonho primário de todo pobre é a casa própria, né? É bom a perspectiva de ter um teto num país desigual onde a moradia é tratada como luxo.”

“Me sinto realizando um sonho quando meus alunos do cursinho passam no vestibular; quando pessoas que dou uma força para arrumar um trampo ou ganhar autonomia de renda vêm falando sobre como conseguiram contornar a fase ruim; quando alguém que assistiu uma palestra, oficina ou participa de uma atividade socioeducativa comigo me procura para dizer que conseguiu se sentir encorajada ou aprendeu algo na caminhada”, enumera Luana, para quem “realizar sonho sozinho é sem graça”.

“Quero poder curtir momentos com minha família viajando. Sonho com realizações coletivas. Minhas meninas tem uma lista de lugares que querem estar comigo e tomara que eu consiga realizar”, completa.

De tão atarefada, Lua mal tem tempo para fazer atividades que lhe trazem felicidade, como sair para dançar e cozinhar para os amigos. “Estou consumindo audiolivros porque ouço enquanto faço outras coisas. Minhas leituras são filosóficas. Curto quase todo tipo de música e gosto de filmes antigos. Tenho uma extensa lista de filmes que me fazem pensar na vida.”

Ela faz questão de pontuar que sua atuação é ideológica e não um trabalho de voluntariado. “A quebrada não muda se a gente não articula. Meu lance é por necessidade, pelos meus. Voluntariado é quem cruza a cidade, vindo de outra realidade e programa algumas horas do seu dia para ajudar estranhos.”

“Durmo e acordo isso, vivo essa pegada. Costumo dizer que não estou no Conexões. Eu sou o Conexões. O trampo que eu faço aqui vem do que é mais genuíno e profundo. Traduz muito do que eu sou”, define Luana.

Por ser articuladora da Cufa, ela é a coordenadora geral da campanha do Conexões Londrina na pandemia. “Quando tudo isso acabar, a ideia é fomentar e trocar conhecimento, cultura e auxiliar na construção de nossas perspectivas para as quebradas por onde estivermos”, planeja.

Lua com as filhas e o marido

Autonomia financeira é uma ideia importante para a favela, para um contexto de realidade onde a família tradicional é timoneada por mulheres; as mesmas que são expropriadas de direitos e oportunidades mais que os homens, numa sociedade racista, machista, patriarcal, desigual. Mulheres que não criam seus filhos, pois educação presente não é pra todos. Nossa marca traz isso: ancestralidade, essência, caminhos e pontes”, avalia.

Nós por nós e seguimos fortes, porque resistência traz potência”, finaliza Luana, que se diz sinceramente grata a todos que somaram na história do Conexões Londrina. “A maioria dos parceiros que colam com a gente entende a importância do trampo, mas não vivem essa necessidade. E que bom ter tanta gente incrível e engajada por perto.”

“Minha gratidão expressa a cada doador, cada colaborador, liderança ou parceiro que ajudou a organizar em sua quebrada uma ação, cada um dos amigos/voluntários nessa jornada insana e minha família, que atura meu estresse e minha ausência.”

Como ajudar:

Hoje, o Conexões atende mais de 70 localidades em Londrina. O projeto prioriza comida, leite, itens de higiene e limpeza e dinheiro para compor despesas como a produção de produtos de limpeza, como cloro e sabão de álcool, custear medicamentos e subsidiar a campanha como um todo. Para ajudar, ligue para (43) 99145-2732 ou (43) 99115-3182. Acompanhe também o Instagram @conexoeslondrina e a página Conexões Londrina no Facebook.

3 respostas para “‘Resistência traz potência’”

  1. Matéria muito bem organizada e escrita. Lua fazendo a diferença nas periferias da Pequena Londres… Parabéns a vocês!

    1. Grata pela visita, Sol.

  2. Que matéria incrível e super bem escrita! Adorei, a história da Lua é linda.

Deixe uma resposta

Descubra mais sobre Lume Rede de Jornalistas

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading