Por meio de ações culturais, como a rede de bibliotecas comunitárias, o rapper Leandro Palmerah transforma realidades no Residencial Vista Bela

Por Mariana Guerin, jornalista e confeiteira em Londrina. Adoça a vida com quitutes e palavras

Um menino preto nascido na periferia, que cresceu na rua, vendo a mãe cuidar do filho do patrão. Um garoto que reprovou na escola e se apegou à música para entender a dura realidade em que vivia. Um homem que se reinventou e decidiu transformar a rotina de muitas crianças pobres por meio da cultura. Essa é a história do rapper, produtor cultural e futuro bibliotecário Leandro Claudino da Silva, o Palmerah.

“Meu apelido vem dos campinhos de futebol. Eu era pequeno quando começaram a me chamar de Palmeirinha por conta do meu time do coração, o Palmeiras. Daí vem o Palmerah”, conta.

Aos 38 anos, Leandro cursa o último ano de biblioteconomia na UEL (Universidade Estadual de Londrina) e atua como produtor cultural no Residencial Vista Bela, na Zona Norte de Londrina há cinco anos. “Meu projeto começou em 2015 em parceria com a CUFA (Central Única das Favelas). Me inseri na comunidade do Vista Bela como morador e iniciei as ações comunitárias com apresentações de teatro de rua, graffiti nos muros, desfile de meninas negras e festas de Natal, Páscoa, entre outras.”

O rapper Leandro Palmerah em casa. Fotos: Arquivo Pessoal

“Hoje faço ações no Marl (Movimento dos Artistas de Rua de Londrina), Ciranda da Cultura e Cense (Centro de Socieducação) 2 com a rede de bibliotecas comunitárias. As bibliotecas são lugares que apresentam recursos informacionais e bens culturais que atendem a toda comunidade”, define.

Desde que iniciou os trabalhos no Vista Bela, Leandro já conseguiu arrecadar recursos via Promic (Programa de Incentivo à Cultura) para a realização das ações culturais na comunidade e a parceria com a CUFA o levou até o Projac, onde ficam os estúdios da Rede Globo no Rio de Janeiro. Lá, ele participou, em 2016, de um encontro que reuniu 30 líderes de bairros periféricos de todo o Brasil para uma troca de experiências na cidade cenográfica da novela I love Paraisópolis.

“A CUFA me apresentou uma nova perspectiva de trabalhar o empreendedorismo social. A grande sacada é ser produtor daquilo que você faz, tirar a ideia do papel e tornar realidade. Empreendedorismo é sangue no olho, é sair da zona de conforto e sentir o chão, preparar o campo. Construir pontes é melhor que construir muros.”

Segundo Leandro, a falta de recursos financeiros para manter os projetos em andamento ainda é a principal dificuldade para seu trabalho como produtor cultural. “Estamos em uma área difícil de transitar. A cultura não é bem vista pelo governo e isso já é um grande obstáculo, mas não um impedimento. A CUFA é a maior organização em atividade social e cultural no mundo”, opina.

Para ele, a arte tem o poder de mudar o mundo. “Um exemplo é o morro do Vidigal, no Rio de Janeiro. Eles têm orgulho de morar lá pois a arte os faz encontrar força e energia. O Grupo Nós do Morro é um teatro que leva vários atores para a Globo e está lá no Vidigal. Entre outros artistas como Viki Muniz e Jorge Ben. Nós somos os que estamos no Vista Bela costurando um roteiro, nos conectando com outras pessoas.”

Essa realidade de periferia lhe é bastante familiar: “Minha infância foi no Cincão e no Jardim Hedy, minha adolescência foi bem humilde. Muita carência de pai e mãe. Minha mãe era empregada doméstica e cuidava do filho do patrão. E eu ficava na rua”, recorda Leandro, que reprovou três vezes a quinta série do ensino fundamental.

“Gostava de jogar futebol. Aprendi a saber perder e a saber ganhar”, reconhece o produtor cultural, que na infância gostava de limpar o jardim da casa de uma vizinha: “Uma vozinha que sempre me dava uns trocados”.

E foi na adolescência que, após ganhar um concurso de rap na Zona Sul de Londrina, sua vida mudou. “Este foi um fato que marcou minha juventude. Passei a acreditar mais na música, no rap. Outro fato marcante foi ouvir Racionais Mcs. Aprendi com as letras, que me influenciaram positivamente em tomar decisões certas e estudar. O discurso era muito pesado mas sincero e me incentivou a ser honesto.”

“Meu interesse pela música começou em 1997, fazendo rima por improviso na rua, de noite, com a molecada. Mas já tinha ouvido Thaide & Dj Hum e Consciência Humana  e logo depois Planet Hemp. Essa mesma música mudou a trajetória da minha vida e me mostrou um mundo de inúmeros caminhos que é o mundo da arte. Me fez refletir sobre o mundo e sobre o ser humano”, completa.

Para Leandro, o rap é o primeiro estilo musical a chegar na periferia, junto ao hip hop, o graffiti e o break. “O hip hop foi a saída. Não havia outra alternativa. Nem a escola foi capaz de segurar, pois a escola era um lugar hostil e sem graça. Já o hip hop tem entretenimento, cores, interação e coletividade”, justifica.

É com a música que Leandro mudou sua realidade e espera mudar também a de dezenas de crianças do Vista Bela. “O rap me diverte, provoca reflexão, remete a compreender que as pessoas não são descartáveis. As outras canções também ensinam, cada uma com seu discurso, mas o rap transmite força e nos faz pensar de uma forma melhor as nossas limitações”, ensina ele, que apresenta há cinco anos, todo sábado, às 17 horas, o programa Planeta Hip Hop, na Rádio UEL.

Prestes a se formar bibliotecário, a rotina do produtor cultural hoje é de trabalho e cuidados com a família e os dois filhos. Nas horas vagas, seu passatempo preferido é ouvir discos de vinil. “Gosto de ouvir Jorge Ben, Zé Ramalho, Chico Science, Alceu Valença e Chico Buarque.” Ele também gosta ver jogos de futebol e séries com temática africana, além de filmes de hip hop e assistir ao jornal.

“Leio de tudo um pouco pois sou bibliotecário e por isso disseminador da informação, mas gosto muito de livros que falam de bibliotecas”, destaca Leandro, que diz ter sido escolhido pela profissão em que está prestes a se formar: “Eu prestei o vestibular para ciências sociais e biblioteconomia pelo Enem. Eu ingressei porque tinha vaga sobrando, mas vi que esse curso era a minha cara. Biblioteca e cultura estão interligadas e eu fui levar a minha história para a universidade e fazer do meu jeito”.

Ele é o único filho da família que conseguiu acessar a universidade e tem o sonho de chegar em casa com o diploma em mãos. “A rede de bibliotecas comunitárias é resultado dessa minha história como universitário.”

Leandro já realizou outros sonhos, como “o de ter uma casa grande para morar e viajar o Brasil”. “Agora tem o da graduação e ainda quero conhecer Nova York, a Meca do hip hop. Espero, com meu trabalho, devolver orgulho ao gueto e dar outro sentido à frase ‘tinha que ser preto’, do Emicida.”

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