Gravação foi compartilhada pelo padre Julio Lancellotti, notório apoiador da população de rua em São Paulo; local foi alvo de manifestações na manhã de hoje
Cecília França
Atualizada às 18h50 para inclusão da nota da DPE-PR
Circula nas redes sociais um vídeo em que o dono de um restaurante em Londrina atira dois copos de água pela porta do estabelecimento para expulsar da calçada um senhor em situação de rua. Trata-se de uma gravação curta, de apenas 18 segundos, feita por uma terceira pessoa, que aguardava na porta do restaurante. O caso ganhou intensa repercussão desde ontem, com inúmeros compartilhamentos, inclusive pelo padre Julio Lancellotti, notório apoiador da população de rua em São Paulo.
Na legenda da publicação, Lancellotti escreveu: “Inacreditável. Londrina, Paraná. Retrato do Brasil.” Até o fechamento desta matéria havia mais de 1.600 comentários na postagem. A gravação mostra o senhor recolhendo um pedaço de papelão do chão enquanto reclama da agressão sofrida. É possível ouvir a frase “Não estou pedindo nada para ninguém”. Na manhã de hoje houve uma manifestação na porta do restaurante e uma outra, de entregadores, está programada para as 15h.
No fim da tarde, a Defensoria Pública do Estado (DPE) emitiu nota se posicionando sobre o caso em que diz estar à procura do senhor para “prestar o atendimento necessário”. (Leia a íntegra abaixo) Equipes da Secretaria de Assistência também estão em busca do senhor agredido.
Após a grande repercussão, o dono do restaurante Ghada, Salam Jihad Obeid, se disse injustiçado. À Lume ele afirma ter tentado contato com equipes da Assistência Social e com a Guarda Municipal para retirar o senhor do local.
“Esse senhor faz as necessidades na calça, fica fedido, a gente pede para sair e ele começa a falar alto. O único jeito dele sair é assim. Somos um restaurante. O mau cheiro incomoda”, argumenta. Obeid diz ter chamado a Guarda Municipal pelo fato do senhor não estar fazendo uso de máscara facial. A GM teria ido ao local e “não fez nada”.
Na tarde de ontem equipes da Abordagem Social da Secretaria de Assistência Social conseguiram encaminhar o senhor para um abrigo do município, ele, porém, evadiu do local ainda à noite. Eles já vinham desenvolvendo um trabalho de acompanhamento junto a ele, que tem família em Londrina.
Discriminação
Para o coordenador local do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), Leonardo Aparecido Gomes, a cena registrada em vídeo é uma demonstração de discriminação com a população de rua. “Eu acho que os donos de restaurante e os funcionários se incomodam muito com a população de rua. O que eu vi no vídeo é uma discriminação”.
*A matéria está sendo atualizada conforme surgem novas informações
NOTA
Repercutiu hoje (02 de outubro), em redes sociais e em noticiários regionais, um vídeo em que uma pessoa referida como proprietária de um restaurante de Londrina joga água em um cidadão idoso em situação de rua que estava na calçada, próximo à porta do estabelecimento.
O Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Paraná informa que está buscando maiores elementos para acompanhar o caso e a equipe da sede local da Defensoria Pública está tentando contato com o senhor em situação de rua para prestar atendimento necessário. A atuação conta também com a participação da Defensoria Pública da União e da Ouvidoria Externa da Defensoria.
Por outro lado, importante aproveitar o momento para mais uma vez chamar atenção para as enormes dificuldades e os graves problemas enfrentados pelas pessoas nessas condições. Inexistência de moradia convencional regular, pobreza extrema, vínculos familiares interrompidos ou fragilizados são algumas das características que marcam a precária situação vivenciada pelas dezenas de milhares de pessoas em situação de rua no Brasil. Apesar de alguns avanços normativos, o país ainda ostenta níveis muito elevados de desigualdade social e de graves violações de direitos humanos. Por conseguinte, a dignidade das pessoas mais vulneráveis acaba sofrendo abalos significativos.
Por isso, é urgente cada vez mais discutir, planejar e executar, prioritariamente, projetos de acesso imediato à habitação para as pessoas em situação de rua, de modo a se garantir um local seguro para estruturação e efetivação das demais políticas como acesso à educação, cultura, promoção da saúde, assistência, respeitando sempre sua autonomia para que ela se desenvolva plenamente, em paralelo à redução de suas vulnerabilidades.
Também é preciso uma maior educação e conscientização da sociedade sobre o mundo de dificuldades experimentado pelas pessoas em situação de rua para que o tratamento dispensado e a abordagem comunitária ganhem feições mais humanas.
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