Por Carlos Monteiro*
Ah, esses vícios de linguagem: curiosos, grotescos, engraçados e até permissivos. Quando literários são chamados de ‘licença poética’. Os exemplos são maravilhosos:
“…E rir meu riso e derramar meu pranto…”. Vinicius de Moraes é pura poesia em “Soneto da felicidade”, ou Pessoa em “Mensagens”; “…Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal…”. Há coisa mais lindas que os versos de Chico, “…E ali dançaram tanta dança…” – aqui com Vininha e “…Me sorri um sorriso pontual e me beija com a boca de hortelã…”. Caetano em Sampa “encara frente a frente…”. Eles enfatizam, deixam tudo mais forte, mais bonito, mais sonoro.
A questão é que ontem pensava com minha mente: “hoje faz 150 dias que fotografo o amanhecer com minha câmera, o que vejo com meus próprios olhos”. Lembrei Alberto de Oliveira: “Quando com os olhos eu quis ver de perto”. Mais uma licença, mais poesia.

Continuei absorto, eu comigo mesmo. Lembrei do amigo Pasquale ‘gritando’: Perissologia!
Quando depois que anoiteceu, a noite passou na madrugada e o dia amanheceu, tive a sensação de que gostaria de conviver junto à natureza. Não seria uma escolha opcional, seria uma ideia muito bem idealizada. Encarar de frente aquele momento foi uma surpresa inesperada. Tudo bem, é minha opinião pessoal, mas, não poderia adiar para frente aquela decisão. Pequenos detalhes me impediam, mas, não poderia, tinha mesmo que encarar de frente, descobrir um elo de ligação para tudo.
Não é a conclusão final, não é consenso geral, unanimidade de todos, aliás ou talvez porque, Nelson Rodrigues sempre colocou, muito bem, que a “unanimidade é burra”.
Repeti de novo, para mim mesmo: calma não fique aí subindo para cima e descendo para baixo com esses pensamentos. Parei e pensei com minha cabeça, com toda certeza absoluta, há muitos anos atrás, aprendi, que não se toma decisões apressadamente precipitadas. As consequências podem ser maleficamente ruins. Pode ser um ‘suicídio’ de si mesmo, sempre pode haver outra alternativa melhor. Sempre há. Vemos isso com os olhos. Depois e aí(?), não há como voltar para trás. Às vezes o estrago é tão grande que ficamos cegos dos olhos, surdos dos ouvidos e com a boca muda ou gritando alto, aliás, com a mesma boca que comemos. Um caso sério. A decisão tem que ser de minha livre escolha.
Sintomas indicativos já davam conta que se eu continuasse com aquilo poderia ter um enfarte do coração, uma hemorragia sanguínea ou ficar maluco da cabeça. Não podia abusar demais. Esta pessoa humana estava se excedendo demais, tinha que me manter na mesma calma e paz, planejar antecipadamente detalhes minuciosos, para não cometer erros imprecisos.
Sintomas indicativos já davam conta que se eu continuasse com aquilo poderia ter um enfarte do coração, uma hemorragia sanguínea ou ficar maluco da cabeça. Não podia abusar demais. Esta pessoa humana estava se excedendo demais, tinha que me manter na mesma calma e paz, planejar antecipadamente detalhes minuciosos, para não cometer erros imprecisos.
Novamente outra vez, subi para cima, desci para baixo, entrei para dentro, saí para fora; sinais claros de que estava entrando em pânico apavorado.
E se eu morresse naquele instante, como diria Odorico: “de morte morrida”, como seria? Viajei. Uma multidão de pessoas acompanhando o féretro, alguns de chapéu na cabeça, outros com a careca sem cabelos à mostra. Algum amigo, mais afoito, gritaria com a boca: “vamos bebemorar o morto!”. Caixas de whisky Jack Daniel’s, sanduiches de tender com abacaxi do Cervantes, beliscos da Tasca do Edgar e música do DJ Marlboro – todo trabalhado em Big Boy, para dar o acabamento final. Horas tantas, como sempre diz meu querido Carlos Leonam, com todos já para lá de Marrakesh, Sumatra, Calcutá ou ali na esquina, Nelson Vasconcelos, apoiado por Joaquim Ferreira dos Santos, Zé Mário Pereira, Adriano Espínola, Sylvio Back, João Luís Albuquerque, Chicô Gouvêa, Chantal Brissac, Anna Ramalho, Efer Silas, Chris Castello, Orlando Brito, Evandro Teixeira, Chico Alencar, Bebeth, Mary, Helena de Troia, Affonsinho, Celina, Penélope Charmosa e Gato Félix, pedindo a palavra, num discurso emocionadamente abalado, apoteoticamente inflamado (fica a dica), declamaria, proferindo lindas palavras: “Senhoras e senhores!”: Carlos Monteiro, tenho certeza, compareceu, aqui, pessoalmente contra vontade. Juntamente com suas câmeras fotográficas, objetivas, lentes, tripés e notebook, nunca exigiu monopólio exclusivo das “Alvoradas Cariocas”, nunca ganhou nada grátis – todos os prêmios foram pelo mérito da excelência da competência, a não ser este velório, de primeira linha, oferecido pela Sandra Fernandino. Nunca teve qualquer preconceito intolerante. Suas criações eram sempre novas por quaisquer países do mundo que passasse. Sempre soube dividir, em duas metades, do mesmo tamanho e iguais, seu coração com os amigos, quiçá com os inimigos. Anexou junto sua história como jornalista, publicitário e, principalmente, fotógrafo.
Ruy e Helô leriam trechos de “Carnaval no Fogo” e “A noite dos olhos“, respectivamente na devida ordem aqui posta. Seriam aplaudidos pelos presentes que estariam em pé. Aplaudidos de pé pelas mãos de todos juntos em conjunto uníssono!
Pasquale Cipro, enunciaria várias composições, compostas por vários autores como “auxílio luxuoso” às crônicas e fotografias. Prosseguiria com: “Praxes acadêmicas? Pleonasmos? Vícios literários? Vícios de linguagem? Perissologia? Redundância? Repetição desnecessária? Tautologia? Perífrase? Circunlóquio? Rodeio? Circunlocução? Verborragia? Logorreia?….” em conclusão final ao seu discurso. Caríssimos; todas juntas afogaram nosso querido amigo!
O Pe. Cláudio José Ribeiro, pároco da paróquia de Santa Cecília, complementaria: “amigos inseparáveis e únicos, viúvas do falecido, cachorros caninos e gatos felinos – sim os amigos levariam cães e gatos para o féretro, ficariam junto ao ataúde esquife – aqui presentes, saúdam essa figura, uma goteira no teto incansável na arte dos cliques da fotografia, vá em frete adiante, desligue o elo de ligação, vá na luz brilhante, vá no Sol Astro-Rei!
No epitáfio estaria escrito, impresso, cinzelado à cinzel na pedra: “Aqui jaz Carlos Monteiro; morreu sufocado por pleonasmos; descanse na concórdia da paz!”
P.S.: Esta história foi baseada em fatos reais, a não ser as falas dos amigos que foi ficção inventada. Como diria Odorico Paraguassú de Dias Gomes: “Não tenho amigos pleonásticos”.
*Carlos Monteiro, 61, é cronista, jornalista, fotógrafo e publicitário carioca. Flamenguista e portelense roxo, mas, acima de tudo, um apaixonado pela Cidade Maravilhosa
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