E por que precisamos parar de fazer essa pergunta
Por Adriana Ito*
Vamos ser diretos: as aulas devem voltar, isso é óbvio. A questão é QUANDO elas devem voltar. Em que condições. Ah, mas é isso que estão querendo dizer quando se perguntam SE as aulas devem voltar. Pois é. Querem dizer, mas não dizem. E a sociedade acaba acreditando que as aulas só podem voltar quando o número de casos de covid diminuir bastante.
E cá estamos, em Londrina há quase sete meses aguardando o dia ideal para o retorno, mesmo cientes do prognóstico: o número de casos vai diminuir, as aulas vão voltar, e o número de casos vai aumentar. É o que já ocorreu em Manaus, e até em países como Estados Unidos e França. E isso significa que então as escolas não deveriam ter retomado as atividades presenciais? Não. Isso significa que ninguém se preparou o suficiente para esse retorno.
Voltar às aulas exige investimento
As aulas devem voltar QUANDO? Partindo da premissa de que é impossível anular os riscos de contaminação por covid-19 por completo (nem mesmo com a vacina), as aulas devem voltar quando esse risco diminuir. Então, é preciso agir. Tentar garantir um retorno às escolas com o máximo de segurança possível.
Vai haver distanciamento entre carteiras? Precisaremos de mais quantas salas? Temos espaço suficiente? Quantos alunos manteremos por turma? Também é imprescindível a contratação de quantos professores e que outros profissionais? Investir em quais tecnologias, especificamente? Promover uma série de atividades de conscientização? Identificar e dar uma atenção especial aos alunos do grupo de risco e/ou que moram com alguém do grupo de risco? O que fazer com quem não pode retornar ao presencial nem tem condições de acessar as aulas online?
E como evitar que o aluno traga o vírus para dentro da escola? Cada instituição vai precisar de medidores de temperatura, álcool gel, e o que mais? Fornecer máscaras? Um questionário sobre os sintomas? Mudanças no esquema de entrada para evitar aglomerações?
E a merenda? A educação física? Fortalecer a imunidade de alunos e professores também deve ser uma prioridade. Como é possível trabalhar isso dentro das restrições impostas pela pandemia?
Cada escola, um retorno
Vale ressaltar que a melhor solução para uma escola não necessariamente vai funcionar em outra. Então cada instituição de ensino precisaria fazer seu próprio diagnóstico. Identificar suas demandas e enviá-las às secretarias de educação para estas elaborarem um plano coerente de retorno às atividades presenciais – e cujo conteúdo vá além das “normas técnicas de segurança em saúde e recomendações de ações sociais e pedagógicas” do guia lançado esta semana pelo MEC (Ministério da Educação).
Retorno este, aliás, que pode não ser integral. Pode precisar de revezamento de alunos, de horários reduzidos – e tudo isso será definido a cada semana, em cada escola, de acordo com o nível de contágio em sua comunidade.
Para as famílias que optarem, também pode não haver retorno presencial. E nem por isso essas crianças devem ficar desassistidas. Por isso é necessária também uma estrutura de aulas gravadas e materiais online, atendimentos personalizados com os professores etc.
Quem vai fazer isso? Quem vai fornecer os recursos, fazer as contratações? Se continuarmos nos perguntado “será que as aulas devem voltar?” jamais teremos essas outras respostas.
Onde as aulas presenciais já deram certo
Todas as ideias apresentadas nesse texto não são nada mais do que a reprodução do que já foi feito no Japão. Por lá, 99% das escolas públicas retornaram às aulas presenciais em 1 de junho. E, quatro meses depois, ainda não se vê qualquer menção a aumento de casos resultante desse retorno. Por quê?
Porque o Japão é um mistério. Ninguém até hoje conseguiu explicar como eles conseguiram conter a propagação do coronavírus sem mandar fechar o comércio nem aplicar testes em massa na população.
Ou será porque eles investiram na contratação de 84.900 profissionais para possibilitar esse retorno? Sim, foram 3.100 professores adicionais, 61.200 instrutores (para auxiliar o professor em sala de aula) e 20.600 profissionais de apoio para ajudar a manter o tão “impossível” distanciamento físico entre as crianças.
Sem contar que cada escola pública recebeu entre 1 milhão e 5 milhões de ienes (entre 10 mil e 50 mil dólares) para comprar sanitizantes, medidores de temperaturas e adequar o material didático. E mais 460 bilhões de ienes (cerca de 4,6 bilhões de dólares!) estão sendo investidos em tecnologia, para a implementação de redes de comunicação de última geração nas escolas, oferecer um computador por aluno, e permitir que famílias de baixa renda também tenham acesso ao que eles chamam de “tecnologias de informação e comunicação”.
Escolas particulares têm razão
A grande maioria das escolas particulares já tomou as providências necessárias para retomar o atendimento presencial dos alunos com o menor risco possível. Por isso, com razão pleiteiam o retorno imediato. E essa causa é urgente, pois o aprendizado e a saúde mental dos estudantes vêm sendo bastante comprometidos devido ao confinamento prolongado.
O fato é que as autoridades competentes pouco estão olhando ou fazendo pelas crianças e jovens. Justamente as faixas etárias menos propensas a desenvolver sintomas graves da covid-19 são as que mais estão sofrendo restrições de mobilidade. Crianças menores de 12 anos não podem ir à escola e nem frequentar lojas, supermercados ou shoppings.
Pior: com o pavor gerado pela pandemia, os pequenos estudantes (até então seres adaptáveis e cada vez mais autônomos), agora são vistos como incapazes de manter distanciamento social e usar máscaras – sendo que, no dia a dia, quem tem se comportado assim são os adultos.
As escolas deixaram de ser um refúgio para se tornar centros de disseminação de coronavírus. Então do meio desse breu emergem as escolas particulares, tentando nos lembrar de quando dizíamos que educação era o único caminho para se conquistar um futuro melhor.
E é justamente por pensarem no futuro de seus alunos que essas instituições não deveriam permitir diferentes datas de retorno a escolas particulares e públicas (como já ocorreu em Manaus, no Distrito Federal e vem sendo discutido Brasil afora). Não é o caso de lutar por um retorno ainda mais desigual do que a pandemia já nos impõe. É hora de unir esforços, compartilhar ideias e contribuir para uma volta às aulas com segurança para todos.
Qualquer atitude diferente dessa vai soar como uma tentativa de cuidar das próprias finanças, e não uma genuína preocupação com a formação ética e cidadã de seus alunos. Mas, mesmo em relação às finanças, é bom lembrar que se a escola pública realmente se tornar um centro de disseminação do vírus, a particular também vai sofrer as consequências disso.
Quem é que vai pagar por isso?
Aí você pensa: olha que lindo e utópico e impossível tudo isso. Mas aqui é Brasil. Um país de enormes desigualdades sociais, escolas sucateadas, professores mal pagos, falta de vagas e, consequentemente, péssima qualidade de ensino público. Pois é.
Passamos as últimas décadas assistindo ao sucateamento das escolas públicas como se não nos dissesse respeito. Agora as escolas não têm condições físicas nem de pessoal para lidar com a covid-19 e achamos natural – afinal, nós permitimos que a situação chegasse a esse ponto.
Então nós silenciamos quando o ministro da educação, Milton Ribeiro, anuncia que vai destinar apenas R$ 4.525,86 por escola (para que estas possam adquirir itens de higiene, realizar pequenos reparos, contratar serviços de desinfecção, adequar as salas e melhorar o acesso à internet para alunos e professores), sem mencionar qualquer contratação emergencial, e ainda diz que não é atribuição do MEC se envolver na reabertura de escolas nem resolver a falta de acesso à internet por parte dos estudantes. De quem são essas atribuições, então? Do Estado ou do Município?
De quem é a atribuição de fazer as crianças pararem de pagar pelas nossas omissões? É esse tipo de questionamento que devemos fazer. Todos (até mesmo os alunos!) querem retornar ao presencial. Com segurança. Então vamos parar de perguntar se as aulas devem voltar. Vamos apresentar as condições para que isto seja possível. É melhor lutar pela volta às aulas do que sentar e aguardar, temerosos, por um retorno mal engendrado e que pode ser fatal. Chega de lavar as mãos da forma errada.
*Adriana Ito é jornalista em Londrina
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