Volta do atacante ao Santos mesmo após condenação por estupro na Itália gera onda de indignação

Fábio Galão, especial para a Lume

O assunto mais comentado no futebol brasileiro desde o último fim de semana não é nenhum golaço ou erro de arbitragem. No último sábado (10), o Santos anunciou o retorno do atacante Robinho, um dos maiores ídolos dentro de campo da história recente do clube. Entretanto, a contratação vem sendo amplamente criticada nas redes sociais, pela imprensa e por grande parte dos torcedores porque o jogador foi condenado em 2017 pela Justiça da Itália a nove anos de prisão por participação em um estupro coletivo em 2013, quando jogava no país europeu pelo Milan. Embora a defesa alegue que foi uma condenação em primeira instância e tenha apresentado recurso, o fato de Robinho ainda ter mercado nos grandes clubes brasileiros criou um debate sobre a moral relativa no mundo do futebol.

Nas redes sociais, vários torcedores santistas minimizaram a condenação ou simplesmente ignoraram o assunto – atitude também tomada por pessoas ligadas ao clube. O presidente do Santos, Orlando Rollo, disse em entrevista que o processo não teve ainda trânsito em julgado. “Quem somos nós para atirar pedra no Robinho? Atire a primeira pedra quem nunca pecou”, afirmou o cartola. O técnico Cuca, que também foi condenado por estupro quando era jogador, disse que Robinho é “bem-vindo”. Ao marcar dois gols pelo Santos contra o Grêmio, o atacante Marinho comemorou fazendo “pedaladas” no ar, marca registrada do novo contratado. E Neymar, revelado pelo Santos e atualmente no Paris Saint-Germain, escreveu em redes sociais que seu “ídolo está de volta”.

Por outro lado, o Movimento Bancada das Sereias, que representa torcedoras do Santos, divulgou uma nota criticando a contratação e lembrando que a volta do atacante entra em contradição com as iniciativas recentes de responsabilidade social do clube paulista, que incluíram campanhas de enfrentamento à violência contra a mulher. “Nós ficamos e estamos chateadas com isso tudo. Infelizmente, o que o Santos manifesta nas postagens sobre as mulheres não condiz com as atitudes (da diretoria do clube). Não são todos os torcedores homens, mas uma grande parte deles também nos apoia e diz não aceitar essa contratação”, disse Kelly Gomes, integrante da Bancada das Sereias, em entrevista à Lume.

Arte publicada pelo clube paulista no último sábado (10) para anunciar o retorno do jogador – Foto: Reprodução/Santos FC

Renata Mendonça, integrante do Dibradoras, que reúne jornalistas que produzem conteúdo sobre esportes, lembrou que desde 2017 o grupo abordava a necessidade de falar sobre a condenação de Robinho, mas apenas recentemente o assunto ganhou mais repercussão “porque as mulheres começam a ter mais voz no esporte e aí os gritos delas ecoam um pouco mais”.

“Infelizmente, a notícia (da volta de Robinho) não me surpreendeu. O futebol sempre relevou casos de violência contra a mulher. Se o jogador faz gols, não importa o que ele faz fora de campo. E mesmo com a repercussão, que inclusive existia antes mesmo da contratação, com torcedoras repudiando o retorno dele, isso não impediu o Santos de anunciá-lo sem mencionar uma palavra sobre o processo a que ele responde na Itália. Isso diz muito sobre a forma como o clube e como muitos torcedores veem crimes contra as mulheres: é como se fossem irrelevantes”, apontou Renata.

Treze coletivos de torcedoras enviaram ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) uma notícia de infração disciplinar para que o registro de Robinho na Confederação Brasileira de Futebol (CBF) seja anulado. Até o fechamento dessa reportagem, a corte não havia se pronunciado sobre o assunto.

Cultura machista

A violência sexual praticada por atletas não acontece apenas no Brasil e no futebol. O atacante Cristiano Ronaldo, um dos maiores jogadores de futebol do mundo, e o ex-jogador de basquete Kobe Bryant, morto em um acidente de helicóptero este ano, fizeram acordos financeiros para se livrar de acusações de estupro. Ambos não perderam patrocínios nem prestígio no mundo do esporte por causa disso. O pugilista Mike Tyson foi condenado e ficou três anos preso pelo mesmo crime, e depois voltou a ganhar milhões por luta disputada.

No Brasil, episódios envolvendo jogadores de futebol ganham maior repercussão porque se trata do esporte mais popular e porque o país é um dos líderes mundiais de violência contra a mulher. Com frequência surgem notícias de atletas acusados de agressão contra esposas e namoradas. Ainda assim, seguem assinando contratos milionários com grandes clubes.

“O brasileiro é um povo que adora reproduzir o discurso de ‘bandido bom é bandido morto’, mas que tolera facilmente crimes contra as mulheres. É o único crime em que a vítima é mais questionada e julgada que o agressor. Não acho que um jogador que comete um crime não merece uma segunda chance, mas a forma como se ignora essas violências contra as mulheres é preocupante”, alertou Renata Mendonça.

“A gente precisa debater esse problema no contexto do futebol, um esporte que tem uma cultura machista que chancela muitos desses comportamentos violentos contra as mulheres. Que nos coloca como objetos a serem ostentados, quase como ‘prêmios’ quando o jogador é bem-sucedido. Quando ele consegue subir na carreira, ele consegue dinheiro, carro de luxo, mulheres, não é isso que se prega? Todo esse contexto favorece a ideia de inferioridade da mulher, que é o princípio que explica as violências que sofremos. O estupro é uma relação de poder. O homem não estupra para ter prazer, ele estupra para reforçar sua relação de poder sobre a mulher. A agressão acontece pelo mesmo motivo, para reiterar uma autoridade, uma posição de poder.”

O caso mais emblemático de violência contra a mulher praticada por um jogador de futebol no Brasil foi o do goleiro Bruno. Ele foi condenado a 22 anos e três meses de prisão por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver da modelo paranaense Eliza Samudio, além de cárcere privado e sequestro de Eliza e do filho deles, Bruninho. Após conseguir progressão de pena, Bruno foi contratado este ano pelo Rio Branco-AC, o que fez a técnica do time feminino do clube acreano, Rose Costa, pedir demissão.

À época, houve quem falasse da necessidade de dar uma “segunda chance” ao goleiro, mas Renata Mendonça acredita que esse discurso “na maioria das vezes é hipócrita”. “Curiosamente, só vale para jogador de futebol. A gente não vê os clubes contratando outras pessoas condenadas por algum crime para outras áreas do futebol. Não há uma preocupação deles em dar segunda chance para ex-presidiários, pessoas que buscam uma oportunidade de trabalho. Aí, quando é com um jogador que eles querem contratar, o discurso aparece. É no mínimo incoerente”, criticou a jornalista.

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