Benefício tirou 15 milhões de brasileiros da pobreza, mas redução em setembro e encerramento no fim do ano geram preocupação
Fábio Galão
Em setembro, o governo federal começou os pagamentos da segunda fase do auxílio emergencial, chamado residual, com parcelas no valor de R$ 300. Na primeira fase, quando o benefício era chamado de auxílio emergencial pleno, foram pagas parcelas de R$ 600. Principal medida do governo Jair Bolsonaro para mitigar os estragos econômicos da pandemia de covid-19 no Brasil, o auxílio foi o principal responsável pela melhora na avaliação do presidente e deve impedir que a recessão brasileira seja ainda maior em 2020.
No Paraná, segundo a Caixa Econômica Federal, foram pagos R$ 10,1 bilhões até o início de outubro, o equivalente a 4,5% do total desembolsado pelo governo – porcentagem próxima da participação do estado na economia e na população brasileiras, respectivamente 6,4% e 5,5%.
Uma pesquisa da área de estudos sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social) apontou que o auxílio emergencial pleno fez com que 15 milhões de brasileiros deixassem a faixa da pobreza (renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo) entre 2019 e agosto deste ano. As taxas de redução foram maiores no Nordeste (-30,4%) e Norte (-27,5%) do país, regiões com os maiores índices de pobreza e onde, consequentemente, o benefício fez mais diferença.
Entretanto, com o auxílio agora caindo à metade e chegando ao fim em dezembro, o clima de incerteza se faz mais presente. Marcelo Neri, diretor do FGV Social, aponta que o benefício “foi uma anestesia contra as dores da pandemia”, cujos “efeitos” estão perto de passar.
“Ao fim do auxílio, 15 milhões de pessoas voltarão à pobreza, sendo conservador e supondo que não haverá muitas cicatrizes no mercado de trabalho. É uma situação meio inusitada, em que se tem um choque bastante adverso, que é a pandemia, o Banco Mundial falou em 150 milhões de pessoas entrando na pobreza no mundo e no Brasil a gente observou redução. Quando olhamos os dados, vemos uma forte deterioração no mercado de trabalho, que é em geral a principal renda das pessoas, e o que explica esse paradoxo é o auxílio”, detalha o professor.
“O auxílio vai custar em nove meses, contando a vigência total, R$ 322 bilhões, o equivalente a nove anos de Bolsa Família. É um grande efeito em todos os sentidos: a renda que foi incorporada às famílias, principalmente as mais pobres. Eu diria que é quase uma doação de recursos, mais do que um fluxo de renda, ele não é sustentável nesse sentido. Outro paradoxo: a economia brasileira teve um desempenho muito ruim nesse período, mas não em relação a outros países, ficou no segundo trimestre do ano no número 22, junto com a Alemanha, mais ou menos na mediana de 48 países. O Brasil estava geralmente na rabeira desses indicadores. Mas o fato é que a generosidade que a gente teve com o auxílio foi um ponto fora da curva”, descreve Neri.
Ao mesmo tempo em que prega não ser possível continuar pagando o auxílio, o governo ainda debate a formatação de um novo programa, o Renda Cidadã, que precisa conciliar proteção social com o ajuste fiscal defendido pela equipe econômica. “Quando o auxílio emergencial foi instituído, estava todo mundo meio tonto pela pandemia, um evento de grandes proporções. Agora, acho que o mercado está mais atento a isso. Estamos com o cobertor curto. O governo precisa achar o caminho do meio, alguma coisa que seja sustentável, porque ao mesmo tempo você tem o teto de gastos e a necessidade de assistência social. Estamos de fato numa situação bastante delicada de qualquer lado que se olhe”, complementa o diretor do FGV Social.

Contando a vigência total, governo terá desembolsado R$ 322 bilhões com o auxílio – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Dias de incerteza
A família de Luana Maria de Almeida Pereira, diarista de Londrina, recebeu cinco parcelas de auxílio emergencial pleno, o que ajudou diante da perda de renda desde o início da pandemia. “Como eu sou faxineira, não estava trabalhando, voltei só nessa semana. Fiquei seis meses sem trabalhar. O meu esposo trabalha, faz bicos, não é registrado. Então, graças à renda dele, a gente conseguiu se manter, e o auxílio ajudou bastante. Eu não precisei me cadastrar para receber o auxílio, foi automático, como já tinha o Bolsa Família (de R$ 300), eles bloquearam e passaram a me pagar o auxílio”, relata.
Mãe de dois filhos, Luana manifesta receio com o valor do benefício caindo agora. “Eu estava acostumada a receber um valor do governo e me virar com o restante, mas com a pandemia os preços aumentaram. Eu vou voltar a receber os meus R$ 300, mas com isso não vou conseguir mais comprar o que eu comprava, esse valor não vai mais suprir as necessidades que supria antes, porque o preço de tudo aumentou. A gente vai estar com um custo de vida muito mais alto e recebendo muito menos. Vai ser um impacto muito grande”, lamenta a diarista, que também não tem perspectiva de voltar tão cedo ao padrão de renda que tinha antes da pandemia. Das três famílias cujas casas limpava quinzenalmente, apenas uma voltou a solicitar o serviço.
“As outras duas ainda não quiseram voltar. Eu liguei para elas essa semana e falaram que não ainda, até porque têm criança pequena em casa, realmente é perigoso, eu me locomovo de ônibus, o risco é grande. Falaram que provavelmente só vão voltar quando o cotidiano da gente voltar 100% ao normal”, explica Luana.
Também beneficiária do Bolsa Família, Kelly Cristina Mariano, autônoma moradora do conjunto Violim, zona norte de Londrina, também utilizou a diferença com o auxílio emergencial pleno para atenuar a perda de renda da família.
“A gente trabalha por conta, com venda de doces, e o auxílio acabou cobrindo todas as despesas básicas, compras que eu fazia, água, luz, internet, que não pode faltar por conta de criança na escola, a minha filha usa para estudar. Essas contas eu consegui pagar com o dinheiro do auxílio”, relata.
“Reduzindo o valor, vai ficar bem complicado, porque as contas não abaixaram, continuam vindo. Vai ser o mínimo para sobreviver. Eu não perdi renda a ponto de zerar, mas as vendas caíram muito. A gente vendia durante a noite, nas lanchonetes, em pizzarias, só que aí esses lugares foram todos fechados. Ficamos enlouquecidos, preocupados. Mesmo quando reabriram esses lugares, não recuperamos tudo, porque tem um limite de frequentadores, eles não podem mais encher a casa. Nunca paramos de vender, porque meu marido foi vender em pista de posto de combustível, mas não é a mesma coisa, a redução foi grande. Foi mais da metade”, aponta Kelly.
A autônoma se preocupa porque não acredita que o movimento de vendas será recuperado antes do fim do ano. “Acho que vai demorar muito para as coisas voltarem ao normal, a gente não sabe até quando vai durar essa pandemia. Não sei o que vai acontecer”, afirma.
Para Carlos Enrique Santana, representante do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH) no Paraná, a retomada pós-pandemia será longa e tortuosa. “Nem R$ 600 de auxílio emergencial davam conta da alimentação de uma família, imagine R$ 300. A minha perspectiva é de um 2021 de muitas dificuldades”, projeta.
“Nós estamos vivendo no Brasil de novo aquela situação do Betinho. Já estão criando de novo o Natal Sem Fome. Nós, brasileiros, que tínhamos saído disso. Muitas pessoas estavam empregadas, agora estão perdendo o emprego porque as empresas não conseguem se levantar. A situação econômica do Brasil está a caminho de piorar muito. Eu conheço pessoas que estão desempregadas há dois anos e que saem todo dia para procurar trabalho. Nunca voltam empregadas, mas estão se arriscando, pegando ônibus lotado.”
Deixe uma resposta