Por Carlos Monteiro*
No país do entrudo, não liberar os ensaios das Escolas de Samba é quase um sacrilégio, afinal, no clima festivo tupiniquim, levamos a vida a base do samba, futebol, cerveja e amanhã seu Zé, se acabarem com seu Carnaval?
O alcaide liberou! Dia primeiro de novembro, véspera do Dia de Finados, ‘tá’ liberado, ‘tá’ tudo liberado, desde que sigam o protocolo: máscara, distanciamento, número reduzido de foliões nas quadras, álcool em gel…vale tudo, só não pode aglomerar, também não pode dançar mulher com homem, todas as variantes possíveis e vice-versa.

Já tinha permitido o horário estendido de funcionamento dos bares, “para evitar a desordem urbana que vinha acontecendo com a restrição”, música ao vivo e as rodas de samba, afinal quem não gosta desse ritmo, bom sujeito não é, ruim da cabeça, doente do pé, ou está em quarentena, isolado para não contaminar ninguém.
Talvez tenha autorizado pensando que os inocentes do Leblon queiram repetir o rolar da festa em plena Dias Ferreira. O personagem que dá nome a rua, Antônio Dias Ferreira, foi médico, presidente do Conselho Municipal e prefeito interino no século XIX. Deve se revirar no túmulo, cada vez que eclode uma briga, a cada momento que o ajuntamento humano se faz maior, a cada barraco viralizado por meio das redes e aplicativos.
E o Carnaval? Associações de blocos dizem “não” acompanhadas, pela marcação do surdo, das escolas de samba: 2021 vai ser igual àquele que passou como canta Zé Keti em “Máscara Negra”; ninguém brinca em fevereiro. Mas quando então?
Em 1912, por ocasião da morte do Barão do Rio Branco, que desde 1902 era ministro das Relações Exteriores, quando faltava exatamente uma semana para os festejos momescos, o Carnaval foi cancelado. Não era a primeira vez; dois episódios, no século anterior – febre amarela e “Carnaval no Inverno”-, já tinham acontecido. Foi transferido para abril, em respeito à memória do Barão. Só esqueceram de combinar com os russos, que no caso eram cariocas. Depois de uma semana enlutado, o povo concluiu que já estava de bom tamanho, afinal havia seguido o féretro em cortejo – mais de um milhão de pessoas – até o cemitério São Francisco Xavier, no bairro do Caju, zona portuária da Cidade
Maravilhosa, prestado as reverências devidas e mantido as bandeiras a meio pau. Esperar um mês e meio não dava. O povo botou o bloco na rua: em fevereiro e em abril. Botou fé e samba no pé. “Com a morte do Barão/Tivemos dois carnavá/Aí que bom, aí que gostoso/Se morresse o Marechá”, cantou!
Em 1919, após um ano da chegada, por cá, da “Gripe Espanhola”, e ela devastar o Rio de Janeiro, o folião carioca saiu em peso às ruas. Evoé Momo! Vamos comemorar, parecia que, da mesma forma que veio, desapareceu. Havia um clima de “foi embora” no ar. Era necessário expurgar os males da epidemia, a atmosfera estava impregnada de sensualidade e erotismo, lança-perfume, confete e serpentina. Nunca houve Carnaval como aquele.
Em 2021, não se sabe se o folguedo será à Zé Keti; “…Na esperança de que/Tirasses essa máscara…/’… Na mesma máscara negra/Que esconde o teu rosto…’/…Que sempre me fez mal/Mal que findou só/Depois do carnaval…”, à Barão do Rio Branco ou à Espanhola, esta última, no bom ou no duplo sentido.
Mas, independentemente do ‘à moda’, ano que vem, ‘tá’ combinado; todo mundo pulando separado, até quarta-feira, não importa quando.
Tô me guardando pra quando o Carnaval chegar!
*Carlos Monteiro, 61, é cronista, jornalista, fotógrafo e publicitário carioca. Flamenguista e portolense roxo, mas, acima de tudo, um apaixonado pela Cidade Maravilhosa. Escreve na Lume às quintas
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