Da roça para o The Voice Brasil: Vinícius Zanin combina sua criatividade multiprofissional e sua voz para espalhar otimismo por meio da música nas redes sociais durante a pandemia
Por Mariana Guerin, jornalista e confeiteira em Londrina. Adoça a vida com quitutes e palavras
“A arte sempre foi a minha âncora maior. O que me prende é a beleza e o caos que a arte pode gerar nas nossas mentes, corações e almas.” Quem conhece o cantor paranaense Vinícius Zanin, 37 anos, sabe que essa frase define exatamente o que ele veio fazer neste planeta: nos presentear com seu talento, não só nos momentos felizes mas, principalmente, nas tristezas, quando sua voz doce acalenta os corações ao som do blues.
Desde que o mundo passou a viver sob as incertezas da pandemia do novo coronavírus, Vinícius usou suas redes sociais para falar sobre as dificuldades do isolamento social, sobre cultura, sobre saudade, sobre família e amizade, sobre amor. E entre lives madrugadas adentro e vídeos de covers caseiros mas conceituais, produzidos por ele com a ajuda de poucos amigos e familiares, ele conseguiu manter sua música viva enquanto aguarda o retorno aos palcos. E ele garante que não tem sido nada fácil esperar.
“Eu penso que a pandemia está sendo a coisa mais imprevisível e avassaladora que escolheu a nossa geração para acontecer. Eu odeio esse vírus e tudo que ele roubou de nós. Terei que fazer anos de terapia para perdoá-lo. E talvez não consiga”, confessa o cantor. “A quarentena, que eu particularmente estou seguindo rigidamente, tem sido muito difícil. Um horror. Eu sinto falta de tudo. Eu sinto falta de todos. Eu sinto falta da vida.”

“Os vídeos vieram para me ajudar a não pirar, ainda mais, com toda essa situação. Nada nunca vai substituir o palco e o público, nada. Mas enquanto ainda não podemos nos ver, vai com o que tem. Eu produzo 90% do trabalho todo sozinho. Conto com a ajuda de alguns amigos, irmãos, aqui e ali. Que me socorrem. Porque eu tive que aprender tudo a ‘toque de caixa’ de uma hora para a outra”, explica o cantor que atualmente canta nas bandas Folk’n Folks e Acústico Blues Trio, ambas de Londrina.
Apesar da experiência de videomaker se mostrar interessante, ele garante que não vai sentir a mínima falta da programação pandêmica. “Quero muito que tudo isso vire apenas uma página longa e lúgubre dos livros de história que vamos mostrar aos nossos netos. Odeio tudo que é relacionado a essa pandemia. Faço porque é preciso. Porque perdemos tudo. E quando acabar vou fazer questão de esquecer.”
Essa saudade da vida disfarçada pela criatividade do artista só mostra o quanto o menino criado no campo nasceu para ganhar a cidade grande com sua arte. “Desde sempre eu fui o ‘ponto fora da curva’ da família.”
Vinícius Eduardo Zanin da Silva nasceu em Rolândia, mas cresceu no sítio. “Até os meus cinco anos morava em uma cidade, que talvez seja uma das menores do Brasil, chamada Miraselva. Mas vivia na roça. Andando a cavalo, tirando leite, criando galinhas, porcos e carneiros. Isso até a mais tenra adolescência. Totalmente isolado da civilização. Até porque naquela época nem se sabia que um dia existiria a tal internet. Na cidade tinha apenas uma linha telefônica. E um posto telefônico onde a pessoa tinha que ir até ele quando e se alguém resolvesse se comunicar com alguém de lá. E a cidade inteira ficava sabendo”, recorda.
“Depois nós mudamos para Rolândia. Eu, meu pai, minha mãe e minhas duas irmãs. Lembro que mesmo assim, passávamos a semana na cidade, mas na sexta-feira, assim que saímos da escola já voltávamos para o sítio.”

Para Vinícius, tanta overdose de natureza o tornou o cara urbano que é hoje. “Às vezes todo esse passado rural nem parece que foi nessa vida”, brinca. “Minha família mantém vivo esse hábito, mas eu, por gostar mesmo do ritmo frenético da cidade, acabei me desligando desse lado. O que, com o tempo, se tornou uma ótima qualidade, porque assim vivemos uma troca de aprendizados. Eu com eles e eles comigo. De cinco, hoje somos uma família de 12. Cheia de sobrinhos, netos e cada um somando a esse caldeirão de diferenças.”
Vivendo na roça até os 15 anos, a vontade de experimentar as possibilidades da cidade levou o jovem a se apaixonar por Londrina. “Por ser a maior cidade próxima era ela onde eu via e vivia as coisas que sempre povoaram a minha imaginação. Cinemas, teatros, centro comercial, biblioteca, calçadão. Era tudo tão mágico e grandioso. E sempre era uma viagem. A emoção de ir dirigindo a primeira vez para Londrina, Meu Deus, inesquecível”, lembra.
“Entrar pela primeira vez no Teatro Ouro Verde, onde mal sabia eu que iria me apresentar tantas e lindas vezes. O Cine ComTour, que mal sabia eu escreveria um livro sobre o diretor dele. O terminal de ônibus no bosque, ao lado da biblioteca. O Cine Villa Rica. Até os shoppings. Me lembro do frisson causado com a abertura do Shopping Catuaí”, cita o cantor, que além de se dedicar à música, sempre gostou de estudar e coleciona graduações: direito, jornalismo, filosofia, cinema e teatro.
“Não existe nada nesse mundo que se possa sequer almejar sem o estudo. Por isso eu defendo a educação e, principalmente, o acesso à educação de qualidade com a minha alma. O conhecimento é o ponto de partida para qualquer conquista na vida de um ser humano. Só através da educação é que podemos ter fé num mundo melhor. Nada mais.”
Como ama estudar, Vinícius sempre soube que faria mais de uma graduação, “porque a sala de aula, assim como o palco, para mim é um habitat.” E por um ano de sua vida ele chegou a deixar a música em segundo plano e estudou para ser diplomata. “A carreira diplomática veio me seduzir nessa esteira. Na ânsia que eu sempre tive de abraçar o mundo. De poder levar arte, cultura e educação, principalmente, a quem carece disso tudo. E ainda tenho esse sonho. Talvez não mais com a diplomacia, mas com outros meios.”
“Eu sempre amei a leitura. Sempre amei estudar. Tanto que acabei fazendo duas graduações, uma pós e dois cursos técnicos profissionalizantes. Mas a arte sempre foi a minha âncora maior. O que me prende é a beleza e o caos que a arte pode gerar nas nossa mentes, corações e almas. E, principalmente, a música, que foi a que me levou e a que me leva até hoje até onde os meus olhos não podem alcançar.”
A adolescência, quando ele dividia a rotina no sítio com o sonho da cidade grande, teve seus bons e maus momentos, sob tantos olhares e aspectos. “Do primeiro filme assistido no cinema aos bullings sofridos na escola”, diz. “Meus pais sempre consciente e inconscientemente nos deram boas lições. A mim e às minhas irmãs. Os exemplos de honestidade, caráter, vontade, tudo da maneira deles. Mas eu acho que nunca vou esquecer a primeira competição artística na escola que eu ganhei. Cantei com o meu pai e tiramos o primeiro lugar. O prêmio, na época, foi um rádio-relógio despertador. Eu ostentava aquele rádio como se eu tivesse ganhado o Oscar. E foi mesmo. Eu ganhei o Oscar. E foi lindo.”
Por conta dos muitos anos na jornada musical, Vinicíus diz não se lembrar da primeira música que cantou. “Até porque a minha mais primária memória de vida sou eu cantando alguma coisa em algum lugar. Mas eu me lembro com muito carinho das modas sertanejas que o meu pai me ensinou e eu nunca esquecerei.”
“Mas teve um outro debut que pra mim foi muito importante. Quando eu cantei Georgia, do Ray Charles, para uma plateia lotada em um festival. E o público me recebeu aos prantos ao final da canção. Chorava eu e choravam eles. Foi um chororô danado. Aí eu pensei: ‘Ufa! Eu consegui!’ Foi muito especial.”
E se tem uma coisa que ele aprendeu com a música é que artista não tem horas vagas. “A gente trabalha 24 horas por dia, 365 dias por ano. A gente nunca desliga. Até mesmo quando estamos sem trabalho estamos pensando em trabalho. E eu aprendi a amar essa loucura. Essa adrenalina. Essa jornada.”
Então, ele está sempre ligado: música, livros, áudios, vídeos, produções. “E é muita informação mesmo. Às vezes tenho medo que a minha cabeça não dê conta. Mas aí eu vou assistir a um filme, ouvir um disco ou ler um livro para relaxar e olha o trabalho aí outra vez.”
Para Vinícius, a arte é realmente um sacerdócio. “Eu sempre penso isso: ninguém escolhe voluntariamente esse ofício. A arte é que te escolhe. Que te toma e quando você vê, já está completamente arrebatado e viciado. É uma cachaça. É uma droga. E que, infelizmente, não exclui a rebordosa.”
Sobreviver, segundo ele, é a maior dificuldade de todo artista no Brasil. “A gente luta para sobreviver. Para conseguirmos ter espaço no mercado. Para conseguirmos levantar os nossos projetos. Para conseguir levar arte aos mais diversos lugares. Meu corpo e minha voz são meus principais instrumentos de trabalho. E então é preciso sobreviver.”
Sua participação no reality The Voice Brasil foi um sonho fundamental na estrutura da sua caminhada. “Foi um pilar. Onde eu pude parar, refletir e perceber que a arte é a minha vida. Que eu sou um produto de todas essas experiências agregadoras de conhecimento. Mas, principalmente, que eu sou um ser de arte. E daí o fardo foi ficando um pouquinho menos pesado.”
Ele reforça a máxima que diz que “brasileiro não gosta de artista, gosta de famosos”. “Isso é tão real. Eu não consigo enxergar em um futuro próximo nenhuma mudança acerca dessas circunstâncias. Mas o elementar disso tudo é que ainda assim existe um público. Existem outros seres humanos que se conectam com a nossa existência. E é por eles e para eles que precisamos continuar lutando. Enquanto houver uma alma que se enterneça com a arte, já valeu a pena.”
Seus gêneros musicais favoritos são o jazz e o blues: “É karma! Só pode ser karma! É mais que amor. É oxigênio”, justifica. E apesar de se conectar “imediatamente e fulminantemente” com a música preta, foi a voz de uma cantora branca inglesa que mudou sua relação com a música para sempre.
“Em 2007 eu estava em Lisboa e na TV começou a passar um clipe que mudou a minha vida. Rehab, da Amy Winehouse. Naquela época eu já era um cantor de blues e nós temos uma sina de ter as nossas referências muito longe de nós. Estética e temporal. Quando eu vi aquela mulher, da minha idade, da minha geração, falando a língua que eu falo, fazendo a música que eu amo e levando aquilo a patamares populares foi arrebatador demais. Eu chorei. Minha vida nunca mais foi a mesma. Eu passei a crer no impossível. Amy me salvou. E continua me salvando. E eu vou amá-la e respeitá-la para o resto da minha existência”, agradece o cantor, que gravou uma série de covers em homenagem à cantora como parte de seus projetos na pandemia.
Sempre de bem com a vida e com um sorriso no rosto e um abraço para dar, o cantor conta que já realizou muitos sonhos: “Já andei de balão, apesar de morrer de medo de altura. Tenho amigos amados e fiéis. Já cantei no Teatro Ouro Verde lotado algumas vezes, mas cada uma especial e única. Já cantei para um mar de gente na rua. Já assisti a um filme dentro da cabine de projeção do Cine ComTour. Já cantei num reality show na maior emissora do país. Já fiz parte de uma companhia de teatro e não vejo a hora de voltar. Já contei e cantei a história do bar mais lendário de Londrina, o Bar Valentino. Já fui à Califórnia e quero voltar. Já fui à Europa, onde quero morar. Já escrevi um livro e quero escrever muitos mais. Já plantei uma árvore e quero plantar mais milhões. Já fui repórter. Já fui vendedor. Já morei em vários lugares e ainda não achei o meu.”
Tamanha intensidade ainda permeia suas vontades futuras: “Acho que só quero jogar uma lente de aumento em tudo que já vivi. Quero mais. Quero maior. Quero o mundo inteiro. Quero estudar mais, trabalhar mais, viajar muito mais. Quero comer todos os sabores. Quero ganhar um Grammy. E o mais importante e que, com certeza, vai apagar toda essa lista, quero viver um grande amor. E ter um filho. Depois, então, que eu conquistar o mundo, viver um grande amor e ter um filho, aí sim. Aí eu estarei pronto para ir ao encontro da fase dois, direto às estrelas”, projeta.
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