Ativistas de Londrina relatam aumento na demanda por ajuda e maior dificuldade na obtenção de apoios; comida mais cara explica parte do problema
Cecília França
Foto em destaque: Isaac Fontana
A alta no preço dos alimentos durante a pandemia tem causado impacto em projetos sociais desenvolvidos na periferia de Londrina. Ao mesmo tempo em que a demanda por alimentos e outros itens básicos vem aumentando o número de apoiadores vem caindo. Uma consequência direta da crise. De acordo com pesquisa mensal coordenada pelo Núcleo de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Nupea), a cesta básica na cidade ficou R$ 65 mais cara de março até outubro.
O valor corresponde a um aumento de 15,8% no período. Em março, uma cesta para um adulto custava R$ 412,64; em outubro, R$ 478; para uma família de quatro pessoas o valor subiu de R$ 1.238 para R$ 1.434. Para efeitos de comparação, no mesmo período do ano passado o preço da cesta em Londrina caiu 13%. A pesquisa mensal é coordenada por economistas da Universidade Tecnológica Federal (UTFPR) e da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Nove dos 13 produtos pesquisados acumulam aumento nesses oito meses, com destaque para o óleo (alta de 79%), o arroz (+65%), o tomate (+36%) e a carne (+19%). Os índices consideram os valores médios encontrados em 11 supermercados de todas as regiões da cidade. A pesquisa tem como base produtos considerados básicos para a sobrevivência de um adulto durante um mês, a chamada “ração mínima”, estabelecida por decreto federal em 1938.
Em supermercados e outros estabelecimentos encontramos variadas composições de cestas básicas, não necessariamente iguais à pesquisada. As doadas por projetos sociais também se adaptam às necessidades de quem vai receber. Normalmente não incluem produtos perecíveis como pão, frutas e legumes. Carne, quando há, normalmente é de frango. Muitas somam produtos de higiene e limpeza, dentre os quais também houve aumento de preço.

Enquanto cresce a demanda, há diminuição no número de doações para projetos sociais. Rita de Cássia Lemos, da Associação Amigas do Vista Bela (Amvibe), diz que “com R$ 70 a gente compra só uma cestinha básica do básico”, sendo que com o mesmo valor se conseguia comprar muito mais há alguns meses. A AMVIBE assiste famílias da região há vários anos e, durante a pandemia, conseguiu garantir o isolamento de dezenas delas, suprindo suas necessidades básicas.
“Em relação ao leite subiu demais, o arroz, o óleo, o feijão, até mesmo o sal, que a gente julga ser um item mais barato. Mesmo o fubá, são itens que ainda estão bastante caros e aí quando uma família precisa de uma assistência maior, uma porção numerosa, complica”, detalha. De acordo com ela, pessoas que no início da pandemia conseguiam contribuir, agora não têm conseguido.
“Aquilo que o pessoal não gastava na cesta para sua família eles conseguiam nos passar, por doação, porque a maioria dos doadores são pessoas trabalhadoras, não são empresários, não são estruturados. São pessoas que têm um bom coração, então dão aquilo que podem, aí pelo aumento do preço diminui as doações”, explica.

Carlos Enrique Santana, coordenador do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH) – que, durante a pandemia, se uniu a outros movimentos para formar o Movimento Solidário Covid-19 – concorda.
“Muito impacto (a alta de preços), pois trabalhamos direto com famílias vulneráveis e por conta deste aumento temos que contar com menos apoio e aumenta ainda mais o número de famílias necessitadas”, conta.
Lua Gomes, do Conexões Londrina, vê os preços dos alimentos como um dos fatores que têm dificultado a atuação junto aos mais pobres. “Não é só a alta dos preços, mas também a redução de poder de compra. O auxílio (emergencial) reduziu, desemprego aumentou, as contas que tinham postergação estão sendo pagas agora – como luz, água, impostos, cartões de crédito. O estado só postergou os problemas que estávamos para perpassar”, afirma.
Segundo Lua, existem casos de pessoas que ajudavam o projeto no início da pandemia e agora estão na lista para receber ajuda. “Não vejo soluções que magicamente possam ser efetivas, porque essa condição é histórica e estrutural. Isso é fato e latente. Infelizmente, a pandemia chegou e abriu as cortinas para as mazelas de uma sociedade”, diz.
Impactos maior entre os mais pobres
O impacto da inflação dos alimentos é maior entre as famílias mais pobres. O coordenador da pesquisa do Nupea, economista Marcos Rambalducci, exemplifica: “Uma família com duas crianças e renda de dois salário mínimos (R$ 2.090) precisaria em janeiro gastar R$ 1.152,57 (em alimentos básicos), o equivalente a 55,1% de sua renda total. Esta mesma cesta em outubro custaria R$ 1.484 ou 71% de sua renda total. Portanto, a inflação dos alimentos consumiu 15,9% de sua renda”, detalha.
Na mesma composição, uma família com renda de 10 salários mínimos (R$ 10.450) gastou em janeiro os mesmos R$ 1.152,57, o que corresponde a apenas 11% de sua renda. Em outubro, já com o custo de R$ 1.484, a cesta consumiria 14,2% de sua renda, ou 3,2% a mais.
“O impacto da inflação foi 5 vezes maior para quem ganha 2 salários mínimos do que para quem ganha 10 salários mínimos”, conclui Rambalducci.
O economista explica que dois fatores estão pressionando o preço dos alimentos: o aumento do consumo em razão do aumento de transferência de renda às famílias com maior vulnerabilidade por meio do auxilio emergencial e também a desvalorização do real frente ao dólar.
“Qualquer alteração nestas variáveis provocará uma reação. No caso do auxilio, seu corte pela metade e maior controle sobre quem realmente o vai receber provocará, mantidas todas as variáveis fixas, uma redução na pressão de alta dos alimentos”. O auxílio emergencial será pago até dezembro, mas desde setembro teve seu valor reduzido pela metade.
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