Com participação recorde na composição da Casa, mulheres acreditam em união da bancada, mas evitam focar em pautas identitárias

Cecília França
Fábio Galão
Nelson Bortolin

A próxima legislatura da Câmara de Vereadores de Londrina será histórica em ao menos um aspecto: a participação inédita das mulheres em sua composição. Sete dos 19 eleitos no último domingo são mulheres, representando 36,84% do quadro. Na atual legislatura, há apenas uma, Daniele Ziober, reeleita pelo Progressistas. A mais votada para o Legislativo também foi uma mulher, Mara Boca Aberta, que somou mais de 6 mil votos.

A maioria das eleitas representa partidos ideologicamente alinhados à direita ou centro, com exceção de Lenir de Assis, única representante do PT. Quatro delas disputaram eleições pela primeira vez. As exceções são Lenir, Daniele e Sônia Gimenez (PSB), que já havia disputado no último pleito municipal. A Lume conversou com todas elas sobre seus planos para a legislatura e seus projetos voltados para as mulheres.

Aos 47 anos, Marly de Fátima Ribeiro, mais conhecida como Mara Boca Aberta, disputou uma eleição pela primeira vez e recebeu 6.192 votos pelo PROS. Ela se diz satisfeita pelo fato de a cidade ter elegido a maior bancada feminina da história. “Nos últimos tempos, temos vivido um processo de empoderamento feminino. A mulher sempre foi capaz, mas ficava mais retraída. Fico muito feliz porque a mulherada se engajou na política.”]

Mara durante a campanha. Foto: Instagram

A vereadora eleita afirma que as mulheres costumavam se colocar “ao lado” dos homens na cena política. “Eu mesma fiquei assim muitos anos”, ressalta ela, que trabalhou para eleger o marido vereador em 2016 e deputado federal em 2018, e também o filho, o Boca Aberta Júnior, que é deputado estadual.

O marido disputou a eleição para prefeito neste domingo, mas saiu derrotado, ficando em segundo lugar. Questionada sobre a importância do Boca Aberta Pai em sua votação, Mara relativiza. Diz que o sucesso dela é o “reconhecimento da população” à família como um todo.

Embora não seja funcionária da Câmara dos Deputados nem da Assembleia Legislativa, ela tem participação ativa no mandato do marido e do filho. “Estou sempre em Brasília e Curitiba. A gente faz esse trabalho interligando os três gabinetes.” No escritório do deputado federal na Avenida Saul Elkind, na Zona Norte, ela realiza trabalho de assistência social. “Atendemos a população mais carente, que precisa de um advogado, de um dentista.”

Em seu mandato, Mara terá como uma das bandeiras o combate à violência contra a mulher. “É uma coisa que me comove muito. Os casos de violência crescem na nossa cidade: mulheres sendo violentadas, agredidas, mortas, espancadas.”

Sobre sua posição no espectro político, diz não ser de esquerda, nem de direita. Para Mara Boca Aberta, esses são rótulos da velha política. “Nós somos o povo. Votamos aquilo que é bom para o povo”, discursa.

O estilo da vereadora eleita não se parece com o do deputado federal. Não se deve esperar que ela faça discursos agressivos em Plenário. “O Boca Aberta é ligado no 220. Sou mais tranquila. Isso não quer dizer que deixo de colocar meu ponto de vista, de falar o que penso. Quero ser respeitada pelas minhas opiniões.”

Flávia Cabral. Foto: Instagram

Terceira vereadora mais votada, a estreante nas urnas Flávia Adriane Sant’Ana Cabral, 47, conquistou 3.923 votos, pelo PTB. Conhecida como professora Flávia Cabral, ela teve sua história, ligada à educação, ressignificada por um câncer que a levou a conhecer outras realidades. Essa experiência está intimamente ligada à decisão de entrar para a política partidária. A professora espera poder extrair o melhor da participação histórica das mulheres na Câmara.

“Uma das características que sempre tive na minha vida é de ser conciliadora. Espero que consiga fazer essa conciliação entre o grupo feminino. Não vamos trabalhar só para as mulheres, mas que consigamos ter esse olhar mais sensível, com sororidade”, diz a futura vereadora.

Educação, saúde e valorização da mulher são pontos apresentados em seu plano de mandato. Pretende lutar pela implementação da educação em tempo integral no município e pela construção de uma casa de apoio para filhos de mães em tratamento oncológico. “Era uma coisa que eu iria desenvolver mesmo sem o mandato”, garante Flávia.

“Eu vi muitas mães que passavam por essas situações, eram abandonadas (pelos parceiros) e, às vezes, o filho ficava com uma vizinha ou uma amiga enquanto ela estava lá. Eu via aquela angústia. Uma das coisas que pus no plano de mandato envolve isso, a gente ter em Londrina um local de acolhimento para criança enquanto a mãe está em tratamento, inclusive com terapia para as crianças, porque a sensação de que a mãe vai morrer impacta muito”, explica.

Flávia já desenvolve, com pacientes oncológicos, o projeto Travessia, que busca, por meio da literatura, amenizar a vivência do tratamento. “Eu amo o que eu faço e quando eu decido fazer alguma coisa é até o final”, afirma.

Sobre a educação integral diz que “os benefícios são inúmeros”. “A primeira questão que a gente pensa é o desenvolvimento cognitivo dessa criança, porque ela vai estar sendo estimulada. Outra coisa, uma mulher que precisa trabalhar e que tem o filho naquele momento na escola, sendo amparado, ela tem uma tranquilidade”, ressalta.

Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Flávia atua como professora de língua e literatura portuguesa e inglesa. Já ocupou todos os cargos que a profissão lhe proporcionava e não pretende se distanciar das salas de aula a partir do ano que vem. “Eu sei trabalhar, mobilizo pessoas, gosto de servir; Passei por todas as esferas no meu trabalho, inclusive vou reservar um dia da semana para continuar atuando como professora”.

Lu Oliveira. Foto: Instagram

Durante nove anos, Lu Oliveira, apareceu diariamente nas televisões dos londrinenses, um ciclo que se encerrou nos primeiros meses deste ano. Após incentivo de amigos ela decidiu, então, levar seu carisma para a aprovação das urnas e sagrou-se a quarta vereadora mais votada, com 3.897 votos pelo PL. Londrinense, Luciana Silva de Oliveira, 43, vê como histórica a participação recorde das mulheres no Legislativo.

“Aí entra algo muito cultural. As mulheres começaram a votar há tão pouco tempo, ainda ocupam menos cargos de liderança, e é muito difícil ser mulher ocupando cargo de liderança tendo família, filhos, a cobrança é muito grande. Isso prova que a população está muito atenta e sensível por aceitar que nós mulheres conseguimos dar conta”, declara.

Lu acredita que a formação da Câmara deve pautar mais propostas focadas nas mulheres, mas não tem isso como bandeira.

“Apesar de acreditar que vereador tem que ficar bem atento a tudo que acontece na cidade, não posso negar que cada um tem uma competência específica. Durante quase 20 anos minha bandeira foi a qualidade de vida, sobre a qual as pessoas ainda têm muitas dúvidas, porque é algo subjetivo. Se a gente tiver políticas públicas que incentivem a prática de esportes, a alimentação saudável, tem reflexo disso nos postos de saúde, no uso de medicamento; população mais saudável dá menos despesa para o município”, explica.

Saúde mental e até mesmo saúde financeira integram o conceito de qualidade de vida que ela defende e pretende implementar por meio de parcerias com instituições e universidades. “Gosto muito de uma política participativa, onde todos juntos podemos decidir o que é melhor para a maioria”, explica.

A ex-apresentadora atribui a um sinal divino sua decisão de candidatura. “Pedi a confirmação para Deus e ele me mostrou em sonho”. Ela firma não ter promessas, mas propostas. “Eu não sou um político, eu estou na política agora. Então eu tenho 4 anos para assumir essa função, essa honra que me deram, e eu espero, do fundo do meu coração, que eu consiga colocar em prática todos os meus desejos, as minhas propostas”, finaliza.

Daniele Ziober, única mulher na atual Legislatura. Foto: Instagram

Única mulher na atual legislatura da Câmara de Londrina, Daniele Ziober Sborgi (PP), 41, foi reeleita e encara “como uma vitória” o aumento na representação feminina no Legislativo londrinense.

“Eu sei das dificuldades de estar sozinha, de ser a única mulher. Agora vai ser o oposto, saímos de uma legislatura com apenas uma vereadora para outra com o maior número de mulheres na Câmara de Londrina. Não estar sozinha diante de uma demanda tão grande, que é o direito da mulher, será um alívio”, afirma. “Vamos continuar trabalhando tanto com a pauta dos direitos dos animais, que é uma bandeira que carrego comigo, quanto a das mulheres. Acho que vai ser uma legislatura melhor que a atual.”

Daniele acredita que a presença de mais representantes fará com que mais pautas sobre direitos da mulher avancem na Câmara de Londrina. “Precisamos levantar a bandeira da igualdade, principalmente de trabalho e direitos, sobrevivência dentro da convivência familiar e conquista de espaços. A mulher tem que estar onde ela quiser e ser ouvida. E também temos que abordar a violência contra a mulher, foi um ano muito difícil nesse aspecto e precisamos avançar”, aponta a vereadora.

Lenir de Assis, de volta à Câmara. Foto: Instagram

Com 51 anos de idade, a socióloga petista Lenir de Assis volta ao Legislativo Municipal, depois de um intervalo de quatro anos, para seu terceiro mandato como vereadora. Ela afirma que a participação das mulheres na política é um caminho sem volta, especialmente nos partidos mais à esquerda. “Cada vez mais vamos ocupar os espaços de discussão e decisão.” A petista considera fundamental aproveitar a nova Legislatura para consolidar a presença feminina na Câmara.

Questionada sobre o encolhimento do PT na cidade (o partido já teve bancada com três vereadores), ela contemporiza. “O partido vem se articulando. Fizemos um bom plano de governo do Scalassara e da Isabel”, afirma em referência à chapa derrotada do PT para a Prefeitura. O advogado Carlos Scalassara, que tinha como candidata a vice a historiadora Isabel Diniz, ficou em sétimo lugar, na disputa, com apenas 2,5% dos votos válidos.

Lenir lembra que o PT esteve presente na Câmara Municipal desde os anos 1990. Somente na Legislatura que termina agora, não conseguiu eleger nenhum vereador. Na eleição anterior, a própria petista ficou em décimo lugar entre os mais votados, mas a sigla não atingiu o quociente eleitoral necessário.

Questionada se corre risco de ficar isolada no Legislativo, ela nega. “Há muitas pautas que podemos trabalhar juntas: políticas públicas de educação, cultura, socióloga, atendimento à população de rua. São pautas que não podem ser apenas da esquerda. Tenho certeza que vou trabalhar com os demais vereadores, principalmente com as mulheres, todos esses assuntos.”

Sobre prioridade na pauta voltada a mulheres, a petista também cita a violência doméstica. “Temos problemas antigos a resolver, como o estabelecimento da Delegacia da Mulher 24 horas.”

Jessicão. Foto: Instagram

Outra eleita pelo Progressistas (PP), Jessica Ramos Moreno, de 27 anos e que teve Jessicão como nome de urna, é apoiadora do presidente Jair Bolsonaro e foi eleita na primeira eleição em que concorreu. “Tivemos uma renovação significativa. É importante porque teremos sete mulheres, sete mães, sete pessoas que vão agir com mais sentimento. Que a Câmara de Londrina possa começar a dar mais orgulho para a população londrinense, o que não vem acontecendo”, diz ela, que vinha trabalhando como assessora parlamentar do deputado federal Filipe Barros (PSL).

Descrevendo a si mesma como “defensora da direita londrinense”, Jessicão explica que seu mandato terá foco nos ideais de “Deus, pátria e família, contra a ideologia de gênero e a doutrinação nas escolas” (ela pretende retomar o projeto Escola Sem Partido) e valorização das escolas cívico-militares. Apesar de ser a primeira candidata declaradamente LBGTI+ a conquistar uma vaga na Câmara de Londrina, ela não tem planos de apresentar projetos relacionados a essa população.

“Não pretendo focar em grupos específicos, em minorias de esquerda. Não vou estar lá para defender o movimento LBGTI+, mas sim a população em geral, patriotas, mães, pais de família”, expõe. Jessicão também não projeta iniciativas específicas voltadas à população feminina. “Acredito que estas sete mulheres não foram eleitas apenas por serem mulheres, mas por meritocracia. E admiro seis das que foram eleitas”, justifica.

Sônia Gimenez; Foto: Instagram

Sonia Maria Nobre Gimenez (PSB), 64, já havia concorrido anteriormente para vereadora, mas foi eleita para a Câmara pela primeira vez. Ela é professora aposentada do Departamento de Química da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e foi superintendente da Administração dos Cemitérios e Serviços Funerários de Londrina (Acesf) durante o mandato de Alexandre Kireeff (2013-2016).

“A expectativa é fazer um trabalho de excelência, com a busca de soluções na área ambiental, na liberação de alvarás e facilitação de trâmites para abertura de novas empresas e geração de empregos. Também pretendemos cobrar o Executivo por melhorias nas estradas rurais, um olhar especial para os distritos, áreas carentes e condições de acessibilidade, independentemente do bairro”, diz a professora.

Outras demandas que Sonia planeja priorizar são melhorar a informatização nas escolas e um novo marco regulatório para lotes urbanos e rurais. A respeito do número recorde de mulheres na próxima legislatura, a vereadora eleita acredita que é uma situação que reflete “uma tendência de mais equilíbrio na representação política”.

“Especificamente sobre as mulheres, temos muitas microempreendedoras que não fazem regularização de seus projetos e achamos que podem ser aplicadas iniciativas para ajudar o empreendedorismo feminino”, planeja.

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