Em entrevista à Lume, Magda Hofstaetter fala sobre o impacto da pandemia nas denúncias e a importância de se mudar a cultura para superar o machismo e a violência contra as mulheres
Cecília França
Desde o começo da pandemia imaginava-se qual seria o efeito do isolamento necessário para conter a Covid-19 sobre os índices de violência doméstica. Fechadas em casa com seus agressores, e com acesso dificultado às delegacias, as vítimas teriam maior dificuldade para efetivar denúncias. Dados dos primeiros seis meses do ano comprovaram, em parte, esse temor. Nacionalmente, houve redução nos registros de ocorrências. Em contrapartida, as chamadas para o 190 da Polícia Militar aumentaram 4% e 8,5%, no Brasil e no Paraná, respectivamente.
Os dados foram apresentados ontem pela delegada adjunta da Delegacia da Mulher de Londrina, Magda Hofstaetter, em sessão virtual da Câmara de Vereadores alusiva ao Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, lembrado hoje (25). Em entrevista à Lume, um dia antes, a delegada falou sobre a situação na cidade.
“Assim como aconteceu no cenário nacional, aqui em Londrina também, no início da pandemia houve uma queda no registro de ocorrências, até junho (…) Porém, a gente não pode associar isso à não ocorrência da violência”, alerta. Os dados locais precisam ser solicitados à Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), que nos pediu de 20 a 30 dias para enviá-los.

Londrina faz parte de um privilegiado grupo de 7% de municípios brasileiros onde há Delegacia da Mulher. Para Magda, o serviço especializado favorece a denúncia das vítimas. “É muito diferente ouvir uma mulher vítima de violência doméstica e uma vítima de furto, por exemplo. Então tem que ter essa especialidade, além, claro, de uma atuação mais rígida do Estado em relação a esse tipo de crime”.
Leia entrevista completa.
Desde o início da pandemia cogitava-se a possibilidade de diminuição nas denúncias de violência doméstica pelo fato de as vítimas estarem fechadas em casa com seus agressores. Nacionalmente, isso acabou se comprovando. E em Londrina, qual foi o impacto da pandemia sobre esta situação?
Assim como aconteceu no cenário nacional, aqui em Londrina também, no início da pandemia houve uma queda no registro de ocorrências, até junho. Muito se deu em razão do isolamento, da não circulação em via pública. No cenário nacional, nesse período, aumentou o número de chamadas para o 190, de emergência. Aqui, a Polícia Militar não nos repassou essa situação das chamadas, mas nos primeiros meses também teve uma queda do registro nos boletins por parte da PM e também na lavratura de flagrantes por parte da Polícia Civil, concretizando aquilo que já vinha sendo previsto.
Porém, a gente não pode associar isso à não ocorrência da violência. Ela pode estar acontecendo, pode ter acontecido, mas não chegou ao nosso conhecimento. Porque estando isolada com seu próprio agressor, muitas vezes a vítima não tem acesso a um celular, a um computador, ou qualquer outro meio para realizar essa denúncia. Então, o fato de ter havido queda nos registros não implica, necessariamente, em ter havido queda na violência. Ainda é muito cedo para a gente avaliar, porque, a partir do momento que essas mulheres voltarem a circular em via publica é que a gente vai saber se aquela violência que ela está denunciando aconteceu durante a quarentena ou não.

Um levantamento do site AzMina mostra que apenas 7% das cidades brasileiras têm Delegacia da Mulher. Que diferenças a delegacia especializada oferece que podem proporcionar um ambiente mais acolhedor à mulher vítima de violência?
A gente percebe que muitas mulheres têm vergonha de procurar uma delegacia, o Ministério Público, o Poder Judiciário para relatar uma situação de violência que está passando. Porque essa violência parte de quem ela menos esperaria sofrer qualquer ato, é uma pessoa próxima, é o seu marido. E ainda, culturalmente, a sociedade tende a culpabilizar por esse ato de violência. Se a mulher fala que quer se divorciar, a pergunta que fazem é “O que você fez?”, não o que teria acontecido para chegar a essa situação. Quando uma mulher fala “Eu apanhei”, a sociedade pergunta “O que vc fez para merecer?”, então, ter esse ambiente separado, que não venha a se mesclar com outros tipos de delito encoraja a mulher a buscar a delegacia.
Numa delegacia comum ela vai poder encontrar os vizinhos, parentes, vítimas de outros tipos de delitos, então ela se sente mais segura aqui. Além do que os profissionais que atuam na delegacia especializada passam por um treinamento para melhor acolhimento. É muito diferente ouvir uma mulher vítima de violência doméstica do que uma vítima de furto, por exemplo. Então tem que ter essa especialidade, além, claro, de uma atuação mais rígida do estado em relação a esse tipo de crime. É diferente toda a atuação ao longo do inquérito e da ação penal.
Existe um perfil das mulheres que mais denunciam?
Não. Todas as mulheres estão sujeitas, infelizmente, independente da classe social, etnia. Porque essa violência é um problema de cultura. A violência doméstica é muito complexa, não tem somente a parte criminal, tem também a cultural. Não é também só o Direito Penal que vai resolver esse tipo de violência, é uma mudança de cultura necessária a ser implementada para que a gente consiga extirpar esse sentimento de posse que os homens têm para com as mulheres.
Nós tivemos um caso emblemático este ano, da Sandra Mara Curti, que teve medida protetiva negada pela Justiça e foi morta pelo ex-companheiro dois dias depois. A senhora acha que é dado o devido valor à palavra das mulheres nesses casos, sendo que a violência doméstica nem sempre é de fácil comprovação?
Na Jurisprudência já se entende que a palavra da vítima tem especial relevância nesses casos, já que, muitas vezes, os casos são praticados dentro de quatro paredes quando só estão agressor e vítima. Tanto é que na solicitação de medidas protetivas muitas vezes a vítima já não tem áudios, mensagens de texto, comprovando ameaças – isso já foi apagado. Ainda assim é feito o registro da ocorrência e encaminhado para o Poder Judiciário apreciar. Ao longo do inquérito policial a gente avalia outros elementos, como registros anteriores, testemunhas, então, a própria Jurisprudência já prevê especial valor à palavra da vítima.
Dia 25 de novembro é o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher. Você acha que a gente vai chegar ao ponto de eliminar essa violência por questão de gênero?
Um estudo da ONU mostra que em 2133 a gente consiga, talvez, conquistar a igualdade de gênero dentro da sociedade. Mas parece que quando a gente acha que teve um avanço, a gente acaba retrocedendo. Então, é uma questão bastante difícil, mas que deve ser trabalhada já nas primeiras idades da infância. A criança não nasce machista ou preconceituosa, ela aprende isso. Seja porque ela vê dentro de casa, seja porque ela vê na rua. E se os pais não falam que isso é errado, ela vai continuar reproduzindo. Então, desde cedo já tem que ensinar para a criança menino que eles não são superiores às mulheres e às mulheres que, se acontecer uma situação dessa de violência, elas podem denunciar, não têm que aceitar.
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