Com luz própria ou não de Marcelo Belinati, maior clã político londrinense tem desafio de emplacar terceira geração

Fábio Galão

Foto em destaque: Isaac Fontana

A reeleição em primeiro turno de Marcelo Belinati (PP) para a prefeitura de Londrina com quase 70% dos votos, no último dia 15, apenas comprovou o que há muito já se sabe: o sobrenome Belinati é o mais poderoso da história política londrinense. A partir da primeira vitória do tio de Marcelo, Antonio Belinati, na disputa para prefeito de 1976, a família venceu cinco vezes a corrida para o Executivo municipal – três com Antonio Belinati (ganhou também em 1988 e 1996) e duas com Marcelo (2016 e 2020). Vale lembrar que o tio também foi o vencedor em 2008, mas foi impedido pela Justiça Eleitoral de tomar posse.

Nesses mais de 40 anos, outros Belinati também exerceram cargos eletivos, como o filho do ex-prefeito, Antonio Carlos Belinati (que foi deputado estadual), a ex-esposa Emília (ex-vice-governadora), o irmão José Belinati Filho e o sobrinho Marcos Belinati (ambos ex-vereadores), o que levou à criação do termo “belinatismo“. Segundo nome mais bem sucedido do clã, Marcelo tem uma posição reticente sobre o legado político do tio, e os que acompanham a política londrinense se dividem entre os que acham que ele é uma mera continuidade do belinatismo e os que consideram que já conseguiu traçar um caminho próprio.

O jornalista José Maschio, o primeiro que fez reportagens sobre os escândalos de corrupção no último mandato de Antonio Belinati (1997-2000), pertence ao primeiro grupo. “Para entender a força política dos Belinati, em primeiro lugar, temos que avaliar dois fatores fundamentais. Um é a característica da cidade, que é extremamente conservadora e reacionária e tem uma população de bairro muito desinformada. O segundo ponto é a capacidade do Belinati tio de fazer campanha política em Londrina. Ele consegue ganhar o voto dos pobres e ter apoio da elite”, argumenta.

“O Marcelo é o jeito moderno de fazer política, ‘afável’, mas é a continuação do tio. Isso aliado ao populismo e à sabedoria do tio, porque nunca existiu em Londrina alguém com a genialidade política do Belinati, claro, no sentido da política que é praticada no Brasil. Na época, todo dia saindo matéria minha na Folha de S.Paulo sobre corrupção na Sercomtel e outros problemas, ele me atendia sempre, tratava bem. Imagine na periferia como ele é, então. O sobrinho é a ‘versão Nutella’ do tio (risos)”, compara Maschio.

“No Sindicato dos Jornalistas, nós temos uma briga sobre o Flores do Campo e outras ocupações, o déficit habitacional, e o Belinati sobrinho nunca deixou de nos receber, formou-se até um grupo de trabalho, mas é desgastante porque ao mesmo tempo em que ele posa de bom samaritano, que vai resolver as coisas, vêm os técnicos e sabotam qualquer perspectiva. É um exemplo de como o belinatismo manipula a consciência coletiva.”

O cientista político Elve Cenci, por outro lado, acredita que Marcelo já conseguiu se dissociar da imagem do tio. “Nas eleições passadas, especialmente em 2012, ele tinha pouco mais de 40% das intenções de voto e para passar de 50% ele precisava conquistar um público que não era dele nem dessa tradição belinatista. Ele trabalhava com uma certa ambiguidade, para algumas regiões da cidade ele era Belinati, para outros era Marcelo. Os trejeitos durante a propaganda eleitoral deixavam muito evidente como ele estava próximo do estereótipo do tio, mas ao mesmo tempo ele precisava se desvincular para ganhar esses votos adicionais. Fez uma ampla composição política, mas acabou perdendo para o (Alexandre) Kireeff”, relata.

“Na eleição passada, veio com uma nova configuração, ainda tentando herdar votos, já que havia um vazio no belinatismo, mas enfatizando com mais força ‘o Marcelo’, talvez até mais que o nome Belinati, e ao mesmo tempo fazendo composições externas, sem ficar refém do velho belinatismo. Na reeleição, isso nem apareceu mais. O belinatismo se refletiu em vários momentos, na transferência de votos, no populismo durante a campanha, isso se manteve, mas na forma de fazer política ele foi se distanciando”, aponta o cientista político.

Cenci acredita que a reeleição esmagadora de Marcelo Belinati pode ser creditada a outros fatores além do sobrenome famoso: a vantagem competitiva proporcionada pela exposição durante quatro anos de quem já exerce mandato; a percepção do eleitorado de que a administração da crise da covid-19 foi “equilibrada”; a ausência de grandes escândalos de corrupção no executivo nos últimos anos; e, principalmente, uma gestão estratégica para o processo eleitoral: o IPTU foi reajustado logo no primeiro ano de mandato, o que diluiu o desgaste político ao longo do quadriênio e gerou caixa para obras, inauguradas na reta final. “O último fator é que os adversários adotaram uma estratégia equivocada de centrar tudo no IPTU”, complementa.

Legado

Se há dúvida se Marcelo Belinati dá continuidade ou não ao legado do tio, também há questionamentos sobre a terceira geração do maior clã político da história de Londrina. Elve Cenci cita que já houve dificuldades na transição para a segunda geração, já que o filho do patriarca, Antonio Carlos Belinati, não conseguiu dar continuidade à sua carreira política. O próprio Marcelo não era a principal esperança do tio.

“O Marcelo se desvinculou do tio, que nunca o teve como sonho de consumo. Ninguém ouve falar que ele foi conversar com o tio, pedir conselhos. Eu noto inclusive um ressentimento por parte de algumas figuras históricas do belinatismo, de que o Marcelo não abre espaço para eles. Uma vez, ele me disse: ‘Eu sou o Marcelo, o Antonio é o Antonio’. Mas, apesar de nem tanto quanto o tio, ele é mais claro e há uma estrutura mais racional de pensamento, ele ainda conserva características populistas, e todo populista não faz herdeiros e não tem legado. O que ele vai fazer agora é traçar a próxima estratégia, voltar a ser deputado federal ou tentar voos mais altos, como senador ou vice-governador”, diz Cenci.

“Mas ele tem o mesmo problema do tio: a área de abrangência dele acaba em Tamarana. Quando foi deputado estadual, o Antonio Belinati não tinha nenhum protagonismo na Assembleia Legislativa. Isso tem a ver com a fragilidade de nossas lideranças no âmbito estadual. Londrina normalmente não consegue emplacar secretários, vice-governadores, senadores. A cidade não consegue ter protagonismo no estado, capilaridade e estender tentáculos para ter influência sobre outras cidades”, argumenta o cientista político.

O primeiro nome a despontar na terceira geração belinatista é o vereador Gui Belinati, neto de Antonio, mas ele não conseguiu se reeleger para a próxima legislatura: ficou como suplente. Entretanto, José Maschio lembra que o sobrenome Belinati voltou a ter força mesmo depois de ser considerado morto politicamente devido ao escândalo AMA/Comurb e à cassação de Antonio Belinati, no ano 2000.

“O grupo político que era o principal adversário do Belinati, do (ex-deputado federal Luiz Carlos) Hauly, dos tucanos, ficou todo agora ao lado do sobrinho. Todos que ajudaram a cassar o Belinati hoje são belinatistas, de uma forma ou de outra, o pessoal do MDB e do PSDB. Só sobrou o PT, desgastado pelo quadro nacional, como oposição, e ainda muito fragilizado por essas características da cidade que eu falei”, diz o jornalista.

Maschio acredita que, apesar do fracasso de Gui Belinati nesta eleição, uma terceira geração belinatista deve surgir. “O Belinati sempre tentou colocar parentes na política. A dinastia Belinati não vai tão acabar tão cedo, a reeleição do Marcelo mostra claramente isso. E também pela incompetência das esquerdas, que não se unem nem em Londrina. Se os partidos à esquerda tivessem se unido numa frente única em Londrina, eu creio que teriam feito mais votos para prefeito, não o suficiente para se eleger, mas teriam uma bancada na Câmara para fazer oposição, o que não aconteceu. E por essa capacidade do belinatismo de abrir as asas para todos os lugares, houve talvez um entendimento do pessoal da extrema direita de que não ia dar (para vencer a eleição para o Executivo) e se abrigaram todos sob o guarda-chuva do belinatismo. A Jessicão (vereadora eleita, apoiadora do presidente Jair Bolsonaro) está no PP, partido do prefeito”, finaliza Maschio.

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