Por Paula Vicente e Rafael Colli, integrantes da Comissão de Defesa de Direitos Humanos da OAB/Londrina
Voltamos, caros leitores, depois de um hiato de três meses e uma campanha eleitoral, voltamos a esse espaço que nos enche de orgulho e ânimo para continuarmos lutando.
Para essa nossa coluna de retorno pensamos em vários assuntos sobre os quais poderíamos tratar, muitas coisas aconteceram, afinal, o brasileiro não tem um minuto de paz. Mas, em especial, as mulheres não têm um minuto de paz e, infelizmente, nossa coluna de retorno vai, mais um vez, tratar de violência de gênero.
Na última sexta-feira a Revista Piauí publicou reportagem detalhando episódios de assédio moral e sexual cometidos pelo Diretor de Humor da Rede Globo, Marcius Melhem, contra funcionárias da corporação televisiva, dentre elas a humorista Dani Calabresa.
O caso veio à tona depois de denúncias de algumas vítimas de Marcius, a principal denunciante foi Dani, que enfrenta problemas psicológicos em razão dos assédios sofridos. Inicialmente o caso foi divulgado como assédio moral, apenas, sendo que Melhem foi afastado do cargo de direção que ocupava na empresa sem maiores explicações. A Rede Globo tentou abafar o caso, recomendou terapia ao abusador, e deixou destroçadas suas vítimas, já que os graves fatos que vieram à tona não foram tratados com a devida seriedade.
Para a surpresa de ninguém, o abusador negou as acusações, desacreditou a palavra de suas vítimas e das mais de 40 pessoas que deram seu depoimento à revista, ameaçando Dani e sua advogada de processo judicial. Essa é a clássica resposta daqueles que têm seus comportamentos predatórios, misóginos e criminosos expostos.
O que aconteceu com a Dani acontece com inúmeras mulheres diuturnamente, são assediadas pelos seus chefes, que utilizam seu cargo superior para constrangê-las a relações indesejadas. Quase sempre são disfarçadas de brincadeira, gracinha. As mulheres são ensinadas desde cedo a rir e se esquivarem dessas investidas.
Mas assédio sexual não tem graça e não é piada. Muito menos caso que deve ser resolvido sob panos quentes, nos porões da maior emissora do país.
Essa ideia de que não passou de brincadeira e que as mulheres exageram ao denunciar ou reclamar do comportamento do assediador, ou que faltou senso de humor e jogo de cintura para lidar com a situação, aliada à “solução” dada pela Rede Globo – leia-se “jogar a sujeira para debaixo do tapete” – é a receita perfeita para a perpetuação desse comportamento.
Aliás, comportamentos misóginos como os abusos cometidos pelo humorista sem graça somente são cotidianos porque são normalizados, banalizados e, assim, enraizados na cultura machista que rege a sociedade. E, assim, as mulheres seguem sendo desacreditadas, desmoralizadas e caladas!
Claramente afastar o abusador de suas funções é o mínimo que se espera de uma empresa séria, contudo, ao não prestar esclarecimentos às vítimas sobre o que foi apurado, tentar abafar o caso quando do desligamento do funcionário e, mais, silenciar a voz das mulheres que sofreram é uma violência tal como a acometida pela assediador.
Como falamos inúmeras vezes nessa coluna, voz de mulher importa e deve ser ouvida e respeitada, não parece ter sido esse o caso.
A mulher que levantou sua voz, inicialmente sozinha, ouviu dos responsáveis pelo caso que ela era a única e que, por isso, não poderiam tomar qualquer atitude. Dani precisou que mais cinco pessoas confirmassem seu caso para ser levada a sério. Outra vítimas precisaram aparecer para o caso ser tratado. E tudo isso somente depois de publicada uma matéria por um repórter de tabloide. Caso contrário, Melhem, muito provavelmente, teria conseguido convencer seus chefes e os departamentos responsáveis de que Dani era apenas “mais uma mulher histérica e desequilibrada”.
Mesmo havendo publicidade externa do caso e mesmo havendo uma investigação do programa de compliance da emissora, que concluiu pela demissão do humorista abusador, ainda assim a Rede Globo, num papel medíocre, sujo e rasteiro o dispensou sem maiores explicações, apresentando nota de agradecimento ao trabalho exercido pelo diretor assediador. Quase uma carta de amor.
É assim, para a vítima, minha dúvida, minhas costas e minha frieza; para o agressor, meus agradecimentos e fraterno abraços.
A Rede Globo, que em seu programa de jornalismo e produção de novelas tenta passar uma mensagem de ser uma emissora contextualizada e bem localizada no tempo, ao final não passa de um mero instrumento do patriarcado, uma arma de massacre aos direitos das mulheres e de outras minorias, que prefere manter sua boa relação com um abusador a defender práticas éticas e legais, que dentro de sua estrutura não haja abuso moral ou sexual, que práticas criminosas sejam devidamente apuradas e punidas e que vítimas sejam resguardadas e defendidas.
Se o caso não tivesse sido vazado; se outras mulheres, empoderadas pela atitude de Dani Calabresa, não tivessem corroborado o perfil criminoso e abusador do diretor de humor da Globo e a voz de Dani restasse isolada, nada disso teria acontecido. A sujeira estaria embaixo do tapete e o palhaço a dirigir, livremente, suas vítimas.
Resta, então, as perguntas: Por que uma mulher pode ser assediada, se for a única da empresa? Por que o homem nasce com o direito de abusar das mulheres, desde que seja um “caso isolado”?
E assim seguimos, com palhaços sem graça abusando de corpos femininos e poderosas corporações calando suas vozes.
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