Programa ‘Cumpram-se’ busca fazer valer direitos civis garantidos pelo Supremo Tribunal Federal desde 2011

Cecília França

Foto em destaque: Denise Pimenta

Fazer valer as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que, na última década, avançaram em direitos da população LGBTI+ no Brasil. Esta é a intenção do programa “Cumpram-se as decisões do STF“, lançado recentemente pela Aliança Nacional LGBTI+. A entidade busca o apoio dos Ministérios Públicos, Defensorias Públicas e Secretarias de Segurança de todos os Estados a fim de garantir o acesso a essas decisões.

Dentre os avanços promovidos por decisões do STF, a Aliança cita a equiparação da união estável homoafetiva, em 2011; o direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, em 2013; o direito à adoção de filhos por casais do mesmo sexo, em 2015; o reconhecimento do direito das pessoas transexuais à identidade de gênero, em 2018; o reconhecimento, em 2019, da violência e discriminação LGBTfóbicas como uma forma de racismo punível como tal; o reconhecimento da natureza discriminatória da restrição à doação de sangue por homossexuais e a revogação de leis municipais que proibiam a abordagem de questões de gênero nas escolas, ambas em 2020.

A Aliança vê uma distância entre as decisões que avançaram na garantia de direitos civis à população LGBTI+ e sua compreensão pela sociedade, bem como uma falha no efetivo cumprimento pelo Estado brasileiro. Por meio da sensibilização dos órgãos competentes, a entidade pretende promover mudanças nessa conjuntura.

Reportagem veiculada pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, no mês de setembro, acendeu o alerta da Aliança, ao mostrar que, após um ano de vigência da decisão que criminalizou a LGBTfobia, nove Estados não possuíam informação sobre casos desta forma de discriminação, dois tinham informações inconclusivas, enquanto 15 Estados e o Distrito Federal contabilizavam apenas 161 casos registrados.

Por meio de ofícios encaminhados aos MPs, Defensorias e secretarias estaduais, a Aliança sugere a criação de grupos de trabalho, comissões ou núcleos voltados à população LGBTI+. No Paraná, essas estruturas já existem tanto no MP quanto na Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp).

“O que precisamos é de sensibilização, capacitação e que nos boletins de ocorrência tenha esse marcador (de orientação sexual e identidade de gênero) para que o escrivão na hora de tomar o depoimento possa fazer direitinho, porque, agora, a LGBTfobia é considerada um tipo de racismo e isso não chegou, infelizmente, até as delegacias. Não só no Paraná, mas no Brasil todo”, afirma o presidente da Aliança LGBTI+, Toni Reis.

Ele avalia que a mobilização para implementar na prática leis e decisões deve partir da comunidade diretamente afetada e planeja um encontro presencial para o pós-pandemia. “Já estamos prevendo um seminário em Brasília, assim que liberar a questão da pandemia, para que a gente avalie com os coordenadores estaduais da Aliança e os parceiros, para que a gente discuta essas fórmulas de executar. A gente tem que pegar as boas experiências para verificar por que deu certo. É isso que nós queremos fazer”, explica.

Segundo dados já recebidos pela Aliança, em torno de 15 defensorias estaduais têm algum trabalho direcionado à questão da LGBTIfobia e 12 Ministérios Públicos têm Grupos de Trabalho (GT) voltados para este público. “Vários advogados e advogadas que trabalham em órgãos públicos estão nos apoiando na questão do ‘Cumpram-se’. Vamos fazer uma grande força-tarefa para que, realmente, as decisões do Supremo Tribunal sejam cumpridas nas instâncias inferiores e na sociedade. Para isso, tem que haver denúncias da própria comunidade“, alerta.

“A gente não espera que vai pegar uma certidão e levar transfobia na cara”

No início deste ano, duas mulheres transexuais de Londrina, em processo de retificação de nome, enfrentaram uma situação de transfobia em um cartório da cidade. Durante o atendimento elas foram insistentemente chamadas pelo nome civil, mesmo após dizerem que a atitude lhes causava constrangimento. “A gente teve que escrever o nome dentro de um papel. A partir daí, ela (atendente) passou a nos chamar apenas por aquele nome. Parece que não soa óbvio que pessoas trans estão em busca de mudar o nome justamente porque elas não se identificam. Por que a pessoa ainda insiste em martelar uma questão que é dolorosa para a gente?“, questiona uma das mulheres.

As duas preferiram não se identificar. Elas contam que, mesmo após o episódio, ainda não conseguiram concluir o processo de retificação, que acabou pausado por conta da pandemia. O caso de transfobia também não vai entrar para as estatísticas, já que elas não formalizaram denúncia, apenas manifestações em redes sociais, publicadas por uma amiga que as acompanhava. Porém, caso a situação se repita quando voltarem ao local, elas acreditam que terão que buscar seus direitos.

“Caso se repita, é mais um momento para a gente ver que tem que gritar, senão não escutam, não fazem nada, não se preocupam em mudar”, diz. Para elas, situações de preconceito mostram o quanto a sociedade tem dificuldade em entender as necessidades das pessoas trans.

“Já é difícil a gente sair na rua e ser quem somos, existir ali, ser respeitada como queremos ser. As pessoas já olham para a gente tendo aquele pré-julgamento, acham que a gente tem que ser tratada de uma forma que elas acham que deve ser. Não é assim. Falta empatia ainda”, lamenta a outra mulher.

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