A enfermeira Natália Gaiofatto viveu o medo da Covid-19 na pele e aposta na empatia para conscientizar pacientes e amigos sobre o lado bom da vida

Por Mariana Guerin, jornalista e confeiteira em Londrina. Adoça a vida com quitutes e palavras

Todo mundo tem uma história para contar. Foi o que eu disse para a Natália quando a convidei para ser personagem desta singela coluna, que nasceu despretensiosa em meio ao isolamento da pandemia e que mudou minha vida para sempre. Eu conheço a Natália desde pequena. Ela é filha de um casal de amigos que cresceu com meu pai numa colônia italiana no interior de São Paulo. Como aconteceu com a minha família paterna, os avós da Natália imigraram na década de 1950 para o Brasil em busca de uma vida melhor. Sua avó era prima da minha avó então somos praticamente da mesma família.

Natália Tatiana Gaiofatto, 33 anos, nasceu em Assis, mas viveu a vida toda em Pedrinhas Paulista. Formada em enfermagem pela Unimar, de Marília, ela atua na unidade básica de saúde do município há dez anos. Casada e mãe do Atílio, de 5 anos, e da Tarsila, 3, ela confessa que a rotina de esposa, mãe e profissional é uma “loucura”. “Ser mãe de dois, mulher, dona de casa e trabalhar fora é missão para poucos”, brinca.

Atuando na saúde pública, ela se vê na linha de frente no combate ao novo coronavírus e, infelizmente, não saiu ilesa. Logo no início da pandemia, Natália sentiu-se mal durante uma manhã de trabalho. Foi para casa almoçar e não encontrou forças para retornar ao posto de saúde. Seguindo os protocolos, ela realizou o exame para saber se estava com Covid-19 e o resultado deu positivo. Foram duas semanas de isolamento em casa, sem poder abraçar os filhos. Em um vídeo gravado pela prefeitura da cidade para conscientizar a população sobre a importância do uso da máscara, de higienizar as mãos e manter o distanciamento social, a enfermeira levou todo mundo às lágrimas com seu depoimento.

Natália Gaiofatto. Fotos: Arquivo Pessoal

Ela confessou que o medo de ser responsável pela contaminação de outras pessoas, incluindo os filhos, o marido e os pais, com quem convivia, foi o sentimento que mais prevaleceu nos dias de resguardo. Apenas ela, o pai e a irmã mais velha se contaminaram, mas enfrentaram sintomas leves e hoje estão plenamente recuperados. Ver aquele vídeo me tocou e decidi contar sua história.

Natália é caçula de três irmãos, com quem construiu uma “relação muito boa”. “Cada um com sua vida e suas particularidades. Somos muito abertos a opiniões e temos um bom diálogo. Não podemos estar tão próximos em função da correria e das prioridades, mas sou muito grata por tê-los em minha vida”, descreve.

Desde pequenos os três irmãos ajudaram os pais na lanchonete da família. Foram os famosos lanches do Aldo que custearam os estudos dos filhos. “Sempre falo que não curti a adolescência como gostaria. Queria voltar no tempo. Quando abrimos um comércio, eu tinha sete anos. Lá fizemos uma história de 14 anos trabalhando duro para todos concluirmos a tão sonhada faculdade. De lá que saía o sustento e o investimento dos estudos. Demos um duro danado de segunda a segunda, então só restou trabalhar. Mas olho para trás e tenho um baita orgulho da nossa caminhada.”

A perseverança foi o aprendizado que ficou daquela época. “Confesso que algumas vezes chorei. Queria ir para alguma festa, até mesmo ir na missa, mas não era possível porque a falta de um de nós já dificultava o andamento da lanchonete. Cada um executava uma função.”

Mas também foi na adolescência que ela conheceu seu primeiro e único namorado. “Algo que aconteceu na juventude e que levo para a vida foi meu início de namoro em 2000. Meu único namorado e companheiro até hoje.”

Natália casou-se cedo. Muito sonhadora, a vontade de ser mãe sempre existiu, mas se pudesse voltar no tempo, ela teria decidido diferente. “Sou tão grata a Deus por eles terem me escolhido como mãe. Mas, com sinceridade, não casaria e não teria filhos. Ter filhos é sofrido demais. A preocupação não acaba nunca, mesmo eles estando cheios de saúde”, declara.

Mas esse sentimento dúbio vem de muito amor. “Vivemos em uma época em que pai e mãe precisam trabalhar. Me culpo por não poder me dedicar como gostaria na criação deles e casamento é renúncia e dedicação. Não me arrependo. Sou muito feliz e grata, mas acredito que essa decisão de casar e ser mãe jovem seja por conta de não ter aproveitado a juventude como eu gostaria: paquerando, viajando. Sei lá, vivendo a vida. Não que isso não seja possível após o casamento e filhos, mas se torna ainda mais difícil”, avalia a enfermeira que, no momento, sonha com a casa própria.

Quando está sem os filhos, sobra um tempo para se dedicar a outras coisas que gosta, como estudar. “Gosto de ler sobre tudo, aprender. Queria ser uma eterna universitária. Também gosto bastante de escutar músicas e algumas vezes me desligar e simplesmente não pensar em nada.”

Morando e trabalhando em Pedrinhas Paulista, Natália tem a ajuda dos pais para cuidar das crianças já que o marido, que é agricultor, cultiva terras no Mato Grosso do Sul e passa muitos dias longe de casa. A decisão de permanecer na pequena cidade onde cresceu é justamente em função dos filhos. “A cidade é maravilhosa, aconchegante e, sem dúvidas, excelente para se viver. Minha história é aqui.”

Mas a rotina não é nada fácil. “Precisa ter foco no que quer, porque a vontade de desistir é grande. Parar de trabalhar para cuidar dos filhos, ao mesmo tempo pensar que deu duro para conseguir se formar e conquistar tudo. Então vamos seguindo em frente. Reclamar não resolve então sempre digo: força na peruca e fé”, ensina a enfermeira, ao mesmo que tempo em que exalta o apoio da mãe. “Ela que me socorre. Não sei o que seria de mim sem ela.”

Como muitas mulheres que se dividem em múltiplas funções dentro da família, Natália relata que o casamento sofre com as inúmeras tarefas, pois os filhos são prioridade. “Quando ‘sobra’ tempo é para eles. Procuro aproveitar ao máximo apesar do cansaço. Sou sortuda por ter um marido parceiro. Desde o início já nos condicionamos a um ajudar o outro, até porque se um tá cansado o outro também está, então cada um faz uma coisa e se ajuda. Não sei o que seria sem meus apoios porque na hora do sufoco é a família que me ajuda a segurar o rojão.”

Com mais de mil seguidores em seu Instagram, Natália usa o espaço para promover mensagens sobre autoconhecimento e prevenção de doenças, além de postar momentos descontraídos em família. Mas ela nunca teve a intenção de se tornar uma influencer. “Na verdade, sempre fui curiosa em tudo então o que acho que é bacana e me acrescenta penso que pode ajudar alguém também. Isso pode ser em qualquer assunto. Acho que as redes sociais precisam ser usadas de forma saudável e é isso que tento fazer. Levar informação, força, encorajamento e, claro, um pouco de diversão, que adoro.”

Quando a enfermagem me escolheu, sempre tive comigo que queria trabalhar com gente. Confesso que hoje essa escolha não é nada fácil, ainda mais quando estamos em uma cidade tão pequena. Minha profissão é um tanto quanto difícil por lidar com a doença e cada dia que passa aumenta mais o número de pessoas que necessitam de atendimento, mesmo que seja apenas para falar de seus problemas e angústias”, comenta Natália, que se diz privilegiada em poder ajudar. “Tenho comigo que essa é minha missão. Tem dias que são bastante difíceis, querendo ou não absorvemos muitas coisas mesmo sem querer e acabamos sentindo as dores e sofrimentos e sentimos muito, principalmente quando o sucesso não é alcançado.”

Ela lembra que já levou muita sobrecarga para casa, mas aprendeu a separar as situações de trabalho e de família. “Peço muita sabedoria e discernimento a Deus para ao menos filtrar o que é prioritário, mas confesso que não é nada fácil porque eu me entrego e faço tudo o que posso pelos meus pacientes. Muitas vezes me pego até mesmo à noite mandando mensagem para saber como o paciente está. Me coloco à disposição porque a cidade é pequena e somos todos conhecidos.”

Quando os pensamentos vêm e ela questiona suas escolhas, Natália se reconforta na máxima de que a felicidade é uma questão de espírito. “Sempre tem aqueles dias que me pergunto por que não investi em Arquitetura, já que sempre gostei de desenhar. Mas logo olho ao meu redor e vejo que tem muita gente precisando de mim, mesmo que seja para poder emprestar meus ouvidos.”

Espero poder ajudar muitas pessoas ainda. Ter Covid-19 foi um momento da minha vida que me trouxe muito aprendizado. Foi muito difícil, mas saí ainda mais forte e com mais certeza de que não somos nada nessa vida. Que hoje estamos aqui e amanhã podemos partir em um piscar de olhos. Meus filhos foram minha fortaleza o tempo todo e com certeza minha maior motivação. Tudo é por eles e para eles.”

Na simplicidade da sua história, Natália me ensinou sobre empatia e a sempre tentar enxergar o bem mesmo nos momentos mais escuros da vida: “Cada escolha uma oportunidade, cada queda um aprendizado, cada atitude uma consequência”, aconselha a enfermeira.

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