Aos 15 anos, Marina Maria foi violentada por sete homens em uma festa; caso voltou à tona após divulgação de conversas entre envolvidos
Cecília França
“Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete/ Esse é o número de contagem que me fez perder a mente/ A essência que eu tinha e tudo que eu tinha guardado/ Durante a noite tudo voltou, flashes claros me fizeram lembrar/ Coloquei a mão na minha vagina e comecei a chorar“. Com estes versos a poeta Marina Maria, 22, inicia um vídeo, um relato visceral do estupro coletivo que sofreu há oito anos, quando tinha apenas 15, durante uma festa em Londrina.
O caso voltou à tona nas redes sociais nos últimos dias, após o resgate de comentários agressivos e violentos que teriam partido de alguns dos estupradores e outras pessoas, inclusive mulheres. Uma forte mobilização cresce nas redes pedindo justiça por Marina Mar (ou Preta Mar), como também é chamada.
“Estupro mesmo sou ‘mo’ safado“; “Azar no amor? Sorte no estupro“; “Ninguém mandou ser gorda estourada” foram algumas das frases criminosas expostas por diversos perfis nas redes sociais. O “Slam Voz das Minas e LGBTQ+/PR” (campeonato de poesia falada no qual Marina compete), a Frente Feminista de Londrina e o coletivo Tendência Autônoma Feminista foram alguns dos que compartilharam. Anielle Franco, irmã da vereadora Marielle Franco, também repostou o banner da campanha nesta terça.
Enquanto a #JusticaPorPretaMar ganha força no mundo virtual, Marina espera por uma justiça real que ainda não veio. Na época ela registrou queixa e fez exame de corpo delito, mas não sabe o destino do processo. Soube apenas que o organizador da festa teria pago uma multa para o Estado.
“Eu nem sei mais o que dizer sobre isso. Só espero que todo mundo que fez isso comigo pague, que eles tenham entendimento que não se trata de cultura do cancelamento, eles estão diminuindo uma luta feminista ao cancelamento. Eu sou uma sobrevivente que está tentando ter voz e justiça por oito anos“, diz Marina à Lume.
O crime aconteceu na primeira festa em que Marina foi na adolescência. Como estava dopada, tem flashes das cenas envolvendo vários homens. A dor deixou marcas psicológicas e físicas.
“Desenvolvi crises de ansiedade, por conta das ridicularizações. Fiquei dois anos sem sair de casa, tinha vergonha de sair, de ser vista. Para você ter noção, minha mãe teve que voltar a andar comigo de ônibus, porque eu tinha medo. Além disso também tenho uma questão física, descobri uma dilaceração no meu útero que provavelmente foi em decorrência disso, e que pode virar um câncer. Eu nunca mais vou ter minha vida normal”, conta ela.
Marina é poeta. Em vídeos, recita e canta suas próprias letras. Ela conta que começou a escrever no final de 2013, quando descobriu o Slam. “Quem me deu força mesmo para fazer tudo que estou fazendo hoje foi o ‘Slam Voz das Minas e LGBTQ+/PR’. Estou há oito anos tentando dar voz a isso”.
O apoio público de mulheres (e alguns homens) tem sido uma injeção de ânimo na luta de Marina, que enxerga no sistema patriarcal a causa da banalização da violência contra as mulheres. Ela pede união contra esse sistema.
“As mulheres têm que entender que somos as únicas que podem derrubar esse sistema machista, misógino e racista. Porque se depender dos homens a gente nunca vai ter justiça, eles sempre vão ser omissos quando toca no privilégio deles”, opina. “Só quero justiça para mim, para minha história, para todas as mulheres que tenham história para contar. Que as pessoas não banalizem mais o estupro, que as pessoas falem sobre apologia ao estupro”, finaliza.
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