Por Carlos Monteiro*
O maior cronista brasileiro de todos os tempos teria feito 108 anos ontem (12). Há trinta, bateu asas e voou para os pomares celestiais. Metamórfico, é passarinho ou borboleta amarela no firmamento.
O ‘Poeminho do Contra’, de Mario Quintana, bem que poderia ter como fonte de inspiração Rubem Braga. Amante incondicional da natureza, Rubem morava numa cobertura no 22° andar na rua Barão da Torre, no bairro carioca de Ipanema, cercado de peixes, pássaros, que criava soltos, flores, uma horta para lá de aromática, um pomar, com pitangueiras e jabuticabeiras, de dar inveja a muitos sitiantes, onde eram colhidas pequenas frutas. Um verdadeiro ‘Jardim Suspenso de Ipanema’ que lhe rendeu o apelido, dado por Paulo Mendes Campos, de ‘o único lavrador de Ipanema’.
Menino irrequieto, capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, ganhou o mundo, mas a pequena Cachoeiro estava lá em seu coração. Irmão dos proprietários do jornal Correio do Sul, Armando de Carvalho Braga e Jerônimo Braga, foi no Correio que, aos 15 anos, em 11 de agosto de 1928 iniciou sua majestosa carreira, transformando a crônica em literatura. Na “Carta do Rio”, Rubem mandava notícias do mundo de lá enquanto residia em Niterói, estado do Rio de Janeiro. Ao se transferir para a cidade de Belo Horizonte, nas Gerais, com o intuito de concluir o curso de Direito iniciado no Rio – profissão que nunca exerceu –, a coluna passa a ser chamada de “Cartas de Minas”. Se tivesse andado cedo pelos quatro cantos do mundo, teria mudado seu nome com o romantismo objetivo que lhe era peculiar.
Em 1932, cobriu a Revolução Constitucionalista, deflagrada em São Paulo para os “Diários Associados”; foi preso. Ali começava, de fato, sua carreira como jornalista. Optou pelo jornalismo abandonando o Direito, o que, convenhamos, foi sua melhor decisão. Escreveu crônicas para “O Jornal”. Em fins de 1933, foi para o “Diário de São Paulo” como cronista e repórter trabalhando com Mário de Andrade – não se deram muito bem, afinal, ‘dois bicudos não se beijam’. Convidado por Antônio de Alcântara Machado, chamado a dirigir o “Diário da Noite”, no Rio de Janeiro, continua suas crônicas diárias. Mais tarde foi morar na capital pernambucana passando a escrever para o “Diário de Pernambuco” na última página de crônicas policiais, se desentendeu com Assis Chateaubriand, quem nunca? No Recife, criou e fundou o jornal “Folha do Povo” em oposição à Getulio Vargas, apoiando a ANL – Aliança Nacional Libertadora. A “Folha do Povo” teve suas máquinas lacradas e redação cerrada quatro meses após a instalação durante o processo de repressão à Intentona Comunista. Foi perseguido e preso diversas vezes.

Passou por periódicos de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, exercendo as atribuições de editorialista, repórter, redator, e, principalmente, cronista.
Em 1936, lançou “O Conde e o Passarinho”, seu primeiro livro de crônicas e em 1938, fundou, junto com Azevedo Amaral e Samuel Wainer, a revista “Diretrizes” que, por ordem do governo Vargas, foi tirada de circulação em 1940. Em São Paulo, fundou a revista “Problemas”. Muitos foram seus empreendimentos jornalísticos.
Durante a Segunda Guerra Mundial, atuou como correspondente de guerra junto à Força Expedicionária Brasileira – FEB pelo Diário Carioca, na cidade italiana de Monte Castelo, na Itália. Lá viveu os horrores da guerra ao lado de outros correspondentes como Thassilo Mitke, da “Agência Nacional”, Egydio Squeff, do “O Globo” e, em especial, do jornalista Joel Silveira, de quem se tornou grande amigo.
A experiência se transformou em livro: “Crônicas de Guerra – Com a FEB na Itália”, publicado em 1964. As crônicas não eram focadas nos acontecimentos e fatos ‘faustosos’ do conflito, mas sim no nada romântico e glamuroso dia a dia da tropa, ficou conhecido como ‘jornalismo de autor’, estilo que nutriu sua elaboração de suas narrativas futuras.
Já em 1947, foi para Paris como correspondente do Globo e, mais tarde, em 1950, do Correio da Manhã. Foi nomeado Chefe do Escritório Comercial do Brasil em Santiago, Chile. Nos anos 1960, foi nomeado por Jânio Quadros e Affonso Arinos, que ocupava o Itamaraty, Embaixador do Brasil no Marrocos, ocupando o cargo até 1963. Passou pelos principais veículos de mídia do país.
Morou com ninguém mais ninguém menos que Graciliano Ramos numa pensão no Catete, bairro da Zona Sul carioca, numa casa no Posto 6 em “Ai de ti, Copacabana” e, finalmente, na cobertura-oásis da Barão da Torre. Seu relacionamento com Zora Seljan, militante do Partido Comunista, foi interrompido por sua paixão por Bluma Wainer, então casada com Samuel Wainer – tal história veio à tona com a publicação de sua biografia em 2007. Aliás, o amor que Samuel nutria pelo “Correio da Manhã” era tão imenso que ‘perdeu’ duas esposas para cronistas; Bluma e Danuza Leão, que também o traiu, desta feita com Antônio Maria. Danuza confidenciou ao biógrafo, jornalista e cronista Joaquim Ferreira dos Santos, que se apaixonou por Maria porque “ele a ouvia”.
Rubem foi um dos maiores, se não o maior – só comparado ao Bruxo do Cosme Velho – cronistas brasileiros de todos os tempos. Suas crônicas continham uma leveza ímpar, uma poesia sem par e um lirismo pertencente às deusas. Tinha um lado, assim como Sérgio Porto, absolutamente irônico e bem-humorado, com pitadas de acidez ferrenha quando se tratava de combater governos autoritários, injustiça social e falta de liberdades. Teria matéria-prima farta e aos borbotões atualmente. Foram mais de quinze mil – que inveja branca eu tenho – se dedicou exclusivamente a ela, que o tornou ambos muito populares.

Suas sutilezas eram de uma genialidade de olhos postos, via plectro no simples bater de asas de uma borboleta amarela avistada no Centro da capital carioca: “Era uma borboleta. Passou roçando em meus cabelos, e no primeiro instante pensei que fosse uma bruxa ou qualquer outro desses insetos que fazem vida urbana; mas, como olhasse, vi que era uma borboleta amarela. Era na esquina de Graça Aranha com Araújo Porto Alegre; ela borboleteava junto ao mármore negro do Grande Ponto; depois desceu, passando em face das vitrinas de conservas e uísques; eu vinha na mesma direção; logo estávamos defronte da A.B.I. Entrou um instante no hall, entre duas colunas; seria um jornalista? – pensei com certo tédio”. Faria 108 anos hoje se vivo estivesse. É a borboleta amarela no firmamento, musa da inquietude da ‘síndrome da folha branca’ a inspirar escribas apaixonados, não articulistas como coloca muito bem Mario Prata: “O cronista conta um caso, o articulista explica e defende uma tese.” Rubem contava casos lindos, ensaiava odes líricas, bucólicas, inspiradoras e sedutoras.
Em minhas fotos das Alvoradas Cariocas, me ‘apropriei’ deste trecho como inspiração para as imagens que capto através das lentes de minha câmera: “Acordo cedo e vejo o mar se espreguiçando; o sol acabou de nascer. Vou para a praia; é bom chegar a esta hora em que a areia que o mar lavou ainda está limpinha, sem marca de nenhum pé. A manhã está nítida no ar leve; dou um mergulho e essa água salgada me faz bem, limpa de todas as coisas da noite”.
“E no meio dessa confusão partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste…”
Foi ser borboleta amarela no páramo!
*Carlos Monteiro, 61, é cronista, jornalista, fotógrafo e publicitário carioca. Flamenguista e portolense roxo, mas, acima de tudo, um apaixonado pela Cidade Maravilhosa.
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