Artes, sociologia e filosofia passam a ter apenas uma aula por semana nas escolas estaduais
Nelson Bortolin
Foto em destaque: Professores protestam em frente ao NRE de Curitiba/Divulgação
Uma decisão tomada no final do ano passado pela Secretaria do Estado da Educação do Paraná (Seed) está revoltando professores. O governo decidiu padronizar a grade curricular do ensino médio, reduzindo de duas para uma as aulas semanais de artes, filosofia e sociologia. Por outro lado, foram acrescentadas uma aula a mais de português e matemática, além de criada a disciplina de educação financeira com uma aula na semana.
Os professores estão preocupados com o reflexo da medida na formação dos estudantes e também com os próprios salários, que podem cair pela metade.
“Depois de a gente chegar na sala, fazer a chamada e registrar o conteúdo da aula pelo telefone celular, além de acalmar os alunos, vão sobrar uns 30 minutos por semana para a gente passar o conteúdo”, calcula a professora concursada Carolina Maria Amaral da Silva, que leciona filosofia na Cidade Industrial de Curitiba.
Junto com colegas, ela participou de um protesto na manhã desta sexta-feira (15), no Núcleo de Educação da capital (foto acima). O movimento tenta reverter a decisão do governo de modo que as três disciplinas fiquem com duas aulas semanais nos três anos do Ensino Médio. Os docentes foram recebidos por representantes do órgão. “Ficaram de levar nossa pauta para a Secretaria de Educação e nos dar uma reposta”, conta Carolina.
Outros protestos estão sendo programados nos demais núcleos de educação do Estado.
Carolina não sabe como vai conseguir cumprir o conteúdo programado se o governo não ceder. “Na minha escola, nós usamos seis aulas para avaliações e recuperação por trimestre. Ou seja, 6 das 12 aulas que teremos no período de três meses, serão para essas atividades. Isso se não houver nenhum feriado.”
Com a mudança, diz a docente, não será mais possível fazer exercícios de reflexão com os alunos e nem trabalhar textos específicos para o vestibular. “Sinto que vou ficar em falta com meus alunos e que minha disciplina virou café com leite.”
Carolina tem um padrão de 20 horas semanais na rede estadual e, até o ano passado, costumava pegar mais 20 horas extraordinárias. Com a redução das aulas, não sobrará carga horária suficiente para ela e o outro colega de disciplina na mesma escola. Se quiser manter a remuneração, que pode cair pela metade, a jovem terá de buscar outros colégios. “Isso se a gente encontrar.”
TEMPORÁRIOS
A situação dos professores temporários é ainda pior porque eles só conseguem pegar aulas depois que os concursados fecham seus horários. É o caso do também professor de filosofia Rafael Pires de Melo, que dá aulas em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. Ele é contratado pelo Processo Seletivo Simplificado (PSS) e estima que as maiores escolas do Estado tenham no máximo 10 turmas da disciplina no Ensino Fundamental. Ou seja, terão 10 aulas no máximo de filosofia por semana. Para conseguir as mesmas 30 horas que obteve em 2020, teria de trabalhar em vários locais. E o número de turmas atendidas passaria de 15 para 30.
Com uma média de 40 estudantes por turma, ele passaria de 600 para 1.200 alunos. “Já tive turmas com 53 alunos. Imagina o aumento no número de trabalhos e provas para corrigir. Não tem como manter a qualidade”, conta.
O professor ressalta que o programa de filosofia contempla desde os pensadores pré-socráticos, de 600 anos antes de Cristo, até a contemporaneidade. “No ensino médio nós ensinamos os alunos a interpretarem os textos clássicos. Não tem como trabalhar com essa redução.”
Para Rafael, a decisão faz parte de um projeto ideológico do governo estadual em sintonia com o federal, que vê em todo professor de filosofia ou sociologia um “comunista guerrilheiro”. “Eles têm medo de certos pensadores e de certos assuntos”, critica. Prova disso, na opinião dele, é que o Paraná é um dos Estados que mais abraçaram o projeto de militarização das escolas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Luiz Lauro Bilek, professor de sociologia em Londrina, concorda. “Nossas disciplinas ajudam os alunos a refletirem a respeito de alguns temas naturalizados. E, muitas vezes, fazem os alunos desconstruírem esses temas. O governo não quer a desconstrução de algumas verdades postas na sociedade”, afirma.
Professor da Educação para Jovens e Adultos (EJA), ele não terá corte no número de aulas já que a carga horária das disciplinas já é menor que na educação regular. No caso da filosofia, segundo ele, são apenas 67 aulas por ano contra 80 das demais escolas.
MOVIMENTO NACIONAL
Professora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mônica Ribeiro é contra o corte das disciplinas e a padronização curricular feita pelo governo do Estado. “A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) assegura às escolas elaborarem suas próprias grades”, justifica. E a decisão é grave porque, segundo ela, foi feita à revelia da sociedade. “Nem professores, nem alunos foram ouvidos.”
A docente liderou a elaboração de um documento do Movimento Nacional de Defesa do Ensino Médio, com 50 entidades de educação e pesquisa, contrário à medida e tem esperança que o governo possa voltar atrás. “Os professores estão organizados e criaram um coletivo de humanidades. Agora depende do governo do Estado compreender que está errado e abrir o diálogo.”
A professora também se opõe à hierarquização das diferentes disciplinas. “Aprender artes, filosofia e sociologia é tão importante quanto aprender química, matemática e português.”
Ela ressalta que uma aula semanal, de 45 ou 60 minutos, é pouco para se ensinar qualquer conteúdo. “Imagine a quantidade de conhecimento acumulado por séculos nessas áreas. É direito dos estudantes terem acesso a esse conhecimento.”
Mônica alega ainda que, além da formação propriamente dita, o estudante de ensino médio da escola pública ficará em desvantagem em relação aos das escolas particulares na disputa por vagas nas universidades. “No vestibular, são cobrados conteúdos de filosofia e sociologia. Então, se coloca mais um prejuízo para o aluno da escola pública.”
A Lume pediu um posicionamento da Seed, mas não recebeu retorno até o momento.
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