Por Sonia Castro Lopes**

(Este texto foi publicado originalmente no Quarentena News)

Foto em destaque: Isaac Fontana

Para o incompetente quarto ministro da educação desse governo execrável, o Enem foi um sucesso. Com 51,5% de ausências só não foi mais exitoso por conta das notícias sobre a pandemia, exageradas em seu entender, e à campanha do #AdiaEnem. Trata-se de uma abstenção recorde, levando-se em conta o índice de candidatos faltosos em 2019 (23,7%). Foi um sucesso para quem?

Para uma minoria branca egressa de escolas privadas que teve oportunidade de assistir aulas remotas com todo conforto e muitas vezes até dispor de professores particulares para tirar as dúvidas que porventura pairassem após as palestras e conferências vistas por meio de seus “notes” e “tablets.” 

Foi um sucesso para os que apostam numa política educacional que exalta a meritocracia como se todos os estudantes partissem de um mesmo patamar em termos de igualdade e oportunidades escolares.

Foi um sucesso para aqueles que acreditam piamente na chegada à universidade como um meio infalível de ascensão social, independentemente do curso “escolhido”, ou melhor, que lhe foi imposto por absoluta falta de opção. 

Na verdade, o Enem foi um desastre para a maioria de população negra, parda, quilombola, indígena, oriunda do ensino público cada vez mais desassistido e sucateado pelos privilégios concedidos a escolas confessionais e filantrópicas que se declaram “sem fins lucrativos”, mas abocanham fatias dos recursos públicos sob a forma de bolsas de estudo ou isenção de impostos.

Não custa lembrar que tais instituições quase conseguiram drenar grande parte dos recursos do Fundeb, não fosse a pressão de diversas entidades, associações docentes e políticos progressistas que lutam em defesa do ensino público. 

Para a ex-presidente do Inep, Maria Inês Fini, o fiasco do Enem já era esperado, fato que se materializou com a abstenção provocada pela decisão infeliz de se manter o exame apesar da crise sanitária. Vários casos de aglomeração foram constatados nesse “Enem da pandemia” em todo o país.  Além disso, muitos estudantes foram impedidos de realizar a prova porque as salas já tinham chegado ao limite máximo de lotação.

O protocolo sanitário adotado pelo MEC acabou por expurgar milhares de candidatos que saíram sem a certeza de que terão nova oportunidade de prestar o exame, haja vista que não obtiveram comprovante de que ali estiveram. 

A “cautela” exigida pelos organizadores da prova ficou por conta da aluna branca usando máscara de “face shield” e acenando para o pai que, com certeza, a levou de automóvel até a UFRJ onde prestou exame, conforme ilustra reportagem de segunda-feira do jornal de maior tiragem no Rio de Janeiro.

*Sonia Castro Lopes é professora da Faculdade de Educação Universidade Federal do Rio de Janeiro

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