Por Carlos Monteiro*

Nas minhas raras e honrosas saídas de casa aos domingos, para ‘visita’ ao supermercado e uma volta, de carro, pela cidade com a progenitora deste que vos escreve, com toda a segurança é claro, me deparei com uma Variant 1.6, sim uma Variant, não um TL. Carro da família, protótipo avó das SUVs atuais com motor na parte traseira, refrigeração à ar e dupla carburação.

Vermelho Montana, como era chamada a cor oficial de fábrica – também conhecida por grená ou vinho – no tempo que as cores automotivas se cifravam muitas, algumas de gosto duvidoso e todas com nomes das linhas de esmaltes para unhas atuais.

As placas eram pretas de colecionador. Inteiraça, reluzente, impecável. Ao volante um orgulhoso motorista, proprietário faceiro, quase ilustre passageiro do tempo. Não era o DeLorean do filme “De Volta para o Futuro” de Robert Zemeckis, com o jovem Michael J. Fox e o não tão jovem Christopher Lloyd, mas o carro parecia ter vindo diretamente dos anos 1970, numa máquina do tempo e saído recentemente de uma das muitas concessionárias existentes, à época, da Volkswagen no Rio de Janeiro, vinda numa jamanta – hoje cegonha, talvez por trazer bebês misto de aço e tecnologia, tudo original – caso contrário não ostentaria a certificação em cintilantes matrículas negras.

Fabricada nos tempos que o Pier de Ipanema, Zona Sul da cidade, fazia sucesso entre a ‘rapeize’ descolada carioca, nos muros se lia “Celacanto provoca maremoto” e “Lerfá-Mú”, as rádios Mundial e Tamoio disputavam horários com seu “Show dos Bairros’, por Oduvaldo Silva, pela manhã e “Passarela do Sucesso” à tarde, respectivamente. Quem não lembra da “música ciclâmen”, seja lá que cor possa representar. Ficávamos gamados pela gatinha cocota, nas normalistas que usavam saias pregadas. O Arpoador era acessível por carro. Não havia melhor plataforma para se assistir uma bela corrida de submarinos, um drive-in sem serviço de bordo bastante seguro. Só não dava para ir de Variant, além de ser o carro da família, pela quantidade de vidros, levava mais de uma hora para embaçar…

Adesivos, como manda o figurino e o manual de práticas para verificação do controle de qualidade, estavam no vidro dianteiro conhecido como para-brisa, aliás sempre me perguntei por que não é para-chuva, para-poeira, para-terra… Havia um indecifrável no janelão lateral, quase um quarto de dormir e dois outros no vidro traseiro. Ambos, me chamaram atenção, mais ainda: um era de um posto Texaco, inexistentes na Cidade Maravilhosa desde os anos 1980 e o outro apregoava em letras garrafais pretas sobre fundo branco: A inveja é uma merda.

Ri bastante, dei uma buzinada simples de aprovação, um aceno com o polegar erguido, para o senhorio-chofer daquela relíquia e fiz uma reflexão nesses tempos de fogueiras das vaidades e briga de egos. Realmente a inveja é uma merda, é a arma dos incompetentes desvairados, dos otários que insistem em diminuir grandes feitos, usada pelos narcisismos dos versos que vão de encontro aos intelectos, que acham feio tudo que não espelhe sua imagem e semelhança.

A inveja, o quinto Pecado Capital, mata, o ciúme corrompe e a incompetência desarvora, levando ao ridículo, ao burlesco caricato. Parece haver um complexo de vira-latas, generalizado, no grupo dos ineptos. Não digo, até, no grupo dos imbecis que são muitos e dominarão o mundo, como bem nos deixou Nelson Rodrigues, mas naquele ‘seleto’ grupo de ineficientes. Tudo que não foi seu feito – e não seria, pois não têm qualquer habilidade para fazê-lo -, deve ser diminuído, reduzido, boicotado, criticado e derrubado, se for preciso à força ou com fake news.

Se o empresário faz sucesso deve ser sonegador, sem escrúpulos ou tem alguma coisa por trás inexplicável; se alguém faz sucesso com as mulheres é gay, mau-caráter, cafajeste ou muito rico, numa misoginia ímpar e sem precedentes. Se a mulher tem o corpo perfeito, fez plásticas e colocou ‘botox’ até em lugares inimagináveis, vão dizer. Se tem o corpo malhado, por ser ‘rato de academia’, toma anabolizantes ‘na veia’. Se tem um bom carro, está roubando; se tem um bom texto, copiou de algum lugar; se escreveu um livro incrível, foi o ghost writer; se tem fotos incríveis, ouve sempre a máxima pérola: “Também, com o equipamento que tem tinha que fotografar mesmo”, como se toda pessoa que tenha um fogão “última geração” se torne um chef renomado.

Fazer sucesso no Brasil é ruim, é péssimo. Ser bem sucedido em um feito específico então… Aquela concorrência sadia, evolutiva, para o bem comum, em terras tupiniquins não há. É bem mais fácil apelar para Esopo em “A Raposa e as Uvas” do que tentar superar. Diminuir feitos de outrem, tentar reivindicar para si o que não lhe pertence, o que não lhe concerne é bem mais banal, mais simples e dá bem menos trabalho.

A inveja é a angústia-solidão de quem vive e a arma da incompetência dos preguiçosos! “A felicidade é uma arma quente”, disse Belchior.

A inveja é uma merda!

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