Por Carlos Monteiro*
Depois das portas abertas e fechadas e a saída definitiva daquele tapete maltrapilho e maltratado para não mais voltar, guardado em algum lugar do passado, obsoleto objeto adjeto a tantas lembranças que já são brumas. Após a limpeza das gavetas atulhadas de quinquilharias, tralhas, cacarecos, fundos falsos das ilusões perdidas. Pilhas e baterias, já sem carga, que não alimentam mais nenhum prazer e já não guarnecem aquele deleite noturno, nos alvos sudários imaculados, novos sugadores da agonia notívaga, noctâmbula paixão.
Se abrem as janelas para a vida. Se expandem na esperança que o Sol bata na janela, lateral, do quarto de dormir. Aquela abertura por onde os primeiros raios do Astro-Rei invadem o espaço. Ventanas surpreendentes, não importa o tamanho e formato que tenham.
Escuta menina, as fenestras do peito confessam, desafogam-se. A velha janela onde tantas vezes ficou o Santo Antônio no parapeito, beiral de esperança inextinguível, virado, coitado, de cabeça para baixo ou de ponta-cabeça como preferires. Muitas vezes tentastes afogá-lo num copo d’água a fim de conseguires mais rapidamente teus desejos principescos, ginetes níveos, que sacrilégio com o querido Antônio. Quanta penitência ao divino sacrossanto casamenteiro.
É a vida que passa diante da janela, o tempo que, na pasmaceira da morosamente paquidérmica existência, atravessa o portal em luz. As janelas são espelhos d’alma. São uma espécie de alfândega do que vai dentro ou fora, portais sem porta, passagens secretas de amanheceres absolutos, entardeceres soturnos e anoiteceres taciturnos. As passagens são franqueadas conforme a carga que é depositada no balcão, peitoril de esperanças.
A janela se retroilumina, absorve, é moto-contínuo de paixões, esperança que não se perde jamais. Na janela ficam os poetas em busca da musa-esperança, ficam as meninas namoradeiras, brejeiras e seus leques que espantam todos os males da existência. Ficam os apaixonados, fixando olhar na Lua que invade o espaço como se fora um mar de prata. Lá está o romantismo das serenatas, aquelas que ‘falam’ de amor, que versam ao coração repleto de ternura, verdades tão esperadas e esperançosas. Nas janelas estão as ‘Rapunzeis’, altivo castelo, estão as violetas impávidas, os gerânios que a fazem casa de boneca.
Onde está a claraboia? Talvez no olhar brando da luz que emanas em teus pensamentos mais profundos e puros, toda a tua razão de existência, escotilhas em mar aberto, índigo olhar.
As janelas arejam, enobrecem, desanuviam. Esperanças se fazem na janela, sem venezianas, sem cortinas, abertas, vastas, plenas.
Espelhos d’alma, liberam toda a toxidade existente!
*Carlos Monteiro, 61, é cronista, jornalista, fotógrafo e publicitário carioca. Flamenguista e portolense roxo, mas, acima de tudo, um apaixonado pela Cidade Maravilhosa.
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