Por Carlos Monteiro*
Depois da crônica “Aforismos Gastronômicos”, nosso querido Romildo Guerrante, por meio das Cartas Modernas, suscitou a seguinte afirmação em um tom de reprovação: “Experimente ‘sopa no mel’ e depois me conte de onde pode ter saído essa esdrúxula expressão para significar algo muito bom…”. Realmente, não havia raciocinado a respeito; se ainda fosse mel na sopa… O contrário, realmente é algo bem exótico, estranho que causa uma certa repulsa. Isso para ser delicado com meus amados onze fiéis leitores.
Não me dei por vencido. Minha metade curiosa se juntou com a outra perguntadora e ambas foram ao mestre, cujo nome também nos faz pensar; Luís da Câmara Cascudo. Sem trocadilhos infames, o mais cascudo e maior folclorista brasileiro, grande historiador, antropólogo, jornalista, professor universitário e advogado. Ele havia de nos responder em seu alfarrábio “Locuções Tradicionais no Brasil” publicada pela Editora Global em 2008.
Batata! Lá estava na página 251: “Sopa não é o caldo contemporâneo, incompreensível para o entendimento da frase, mas uma fatia de pão torrado umedecida n’água em que fervem carnes e hortaliças. Sobre esse pedaço de pão molhado em líquido de cocção, constituindo a sopa antiga, a presença do mel duplicaria os valores do sabor e da nutrição. Era a ‘Sopa no mel’.“. Ah, agora ficou claro, não é tão ruim assim, aliás, deve ser até bem gostoso. Qualquer dia desses, meu id magro com delírios glutões, preparará tal iguaria e meu superego contido relatará, aos comensais, qual foi a experiência degustativa.
Passei a folhear a obra do genial demopsicólogo. Trabalho de pesquisa incrível. Livro cujo teor nos faz mergulhar em um voo de térmicas, flutuando em cada expressão.
Separei algumas daquelas mais intrigantes. A maioria passa a ter sentido a partir da explicação.
Três delas são mais comuns e na maioria das vezes já foram comentadas e explicadas: “cor de burro quando foge”, “fulano é cuspido e escarrado cicrano” e “quem não tem cão caça com gato”. O aclaramento é bem simples, todas foram modificadas com o transcorrer do tempo e acabaram perdendo o sentido lógico. Na verdade, as expressões originais são: “corro de burro quando foge”, pois, ele costuma estar bem bravo. “Esculpido em Carrara”. Carrara é um tipo de mármore, extraído nas minas da cidade homônima, na Toscana, muito acetinado, é fácil de ser moldado, sendo utilizado, principalmente, para esculturas. Por sua maciez, a imagem e semelhança são muito próximas ao retratado. “Quem não tem cão caça como um gato”. Quer dizer que, se não há o canino para ajudar a desentocar a presa, o caçador precisará se esgueirar com astúcia para atingir o objetivo.
Nos tempos da monarquia o que era ter “o Rei na barriga”? Quando as rainhas engravidavam, traziam em seu ventre o futuro Rei, príncipe herdeiro. Elas passavam a ser tratadas com mais deferência e atenção ainda, diria eu, como Rainhas [outra expressão corriqueira para se referir àquela que merece todos os mimos]. Atualmente descreve os egocêntricos de plantão. E como hão por cá. Para os que apreciam a “água que passarinho não bebe”, saibam quem foi “aquela que matou o guarda”. Segundo Alberto Campos de Moraes em “Inconfidências da Real Família no Brasil”, teria sido dona Canjebrina [um dos nomes dados a pinga, cachaça, aguardente…], mulher cuja ocupação era atender El Rei D. João V. Certo dia, Canjebrina, embriagada, teria matado um dos principais guardas de Sua Alteza Real. Tal fato nunca ficou provado. Juntando ‘lé’ com ‘cré’, é a cana de má qualidade e maus antecedentes.
Afinal que é a “Maria que vai com as outras”? Seria ela a retratada na música, imortalizada por Marlene, composta por Luís Antônio e J. Júnior, “Lata D’água? Não, era Dona Maria I, bisavó de Pedro II, avó de Pedro I e mãe de D. João VI. Após subitamente enlouquecer, foi afastada do trono e declarada incapaz, ficando isolada em uma cela do Convento do Carmo, contíguo ao Paço Imperial. Saía, vez por outra, para caminhar pelas ruas do Rio, respirar ar puro que, com toda certeza, era bem melhor que o atual, sempre sob olhares vigilantes de um enorme séquito de damas de companhia. O povo, que nada tinha para fazer, ao ver tal cortejo, da rainha e suas acompanhantes, passar, exclamava: “lá se vai Dona Maria com as outras”. Hoje em dia, a locução tem sido muito utilizada para exprimir referência a pessoas que se deixam levar de forma fácil e leviana. Como cresceu exponencialmente esse grupo.
Como são muitas as expressões, não podemos ir “a toque de caixa”, para que todos possam entender a “patavina” e a conversa não torne um “nhenhenhém” danado, continuaremos “dando tratos à bola” amanhã.
(continua amanhã)
*Carlos Monteiro, 61, é cronista, jornalista, fotógrafo e publicitário carioca. Flamenguista e portolense roxo, mas, acima de tudo, um apaixonado pela Cidade Maravilhosa.
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