Falta de medidas restritivas, aglomerações, possibilidade da nova cepa e até o fim do auxílio emergencial são apontados como causas
Cecília França
Foto em destaque: reprodução HU
O agravamento da pandemia do novo coronavírus, que levou à adoção de medidas restritivas a partir deste sábado em todo o Estado, parece ter dois aspectos importantes: o aumento de jovens contaminados e o perfil mais agressivo da doença. Segundo o médico Marcos Tanita, coordenador da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Universitário (HU), quase metade dos internados hoje tem menos de 60 anos.
“No início da pandemia a gente tinha um predomínio de pessoas de mais idade, agora está chegando num equilíbrio, quase 50% são pessoas com menos de 60 anos. As que mais morrem ainda são as de mais de 60, porque os jovens têm uma condição de saúde melhor, mas o número de jovens chegando tem sido crescente e, por causa disso, o número de jovens morrendo também está crescendo”, disse ele ontem (26) em coletiva na sede do hospital.
Infectologista no HU, Zuleica Tanno conta que o comprometimento pulmonar dos pacientes hoje é bem maior que no início da pandemia. “Os pacientes que chegavam anteriormente vinham com um comprometimento pulmonar menor, hoje a gente tem pacientes de 20, 30 anos, sem muita comorbidade, com comprometimento de 50%, 70% do pulmão”, relata.
A chegada da nova variante do vírus SARS-CoV-2, identificada inicialmente em Manaus (AM), pode explicar a maior gravidade dos casos, mas ainda está sendo investigada. “Essa cepa de Manaus, inclusive, chama a atenção e a gente não pode fechar os olhos e achar que não vai chegar até nós – se já não chegou….”, diz Zuleica.
Os profissionais e gestores da saúde são unânimes em dizer que a falta de medidas restritivas agravou o cenário pandêmico. “O HU se preparou e continua se preparando, nunca pensei que fôssemos chegar ao momento que chegamos hoje. Acho que a gente não chega ao estado de Manaus, mas se não tomarmos os devidos cuidados agora muito provavelmente vamos ter tempos muito difíceis nas próximas semanas”, completa a infectologista.

O Ministério Público, por meio da promotoria de Saúde, buscou judicialmente o fechamento de atividades não-essenciais em Londrina no último 19, ressaltando que apenas escolas encontram-se fechadas na cidade e as aglomerações em bares e festas continuam acontecendo. No entanto, não obteve retorno ao longo da semana.
A superintendente do HU, Vivian Feijó, também mobilizou os prefeitos de Londrina e região pela adoção de medidas. Em ofício enviado na última quarta-feira (24) a instituição solicitava ação urgente dos gestores, o que acabou sendo executado pelo Estado. Ela descreve o paciente covid como “um doente grave, que exige especialidades”.
“Ontem (25), de forma muito assertiva, o Comitê de Crise foi acionado e o hospital de Ibiporã nos colocou 10 leitos à disposição, mas não tínhamos doentes para mandar para lá, dada a gravidade dos pacientes”, conta.
Motivos sociais
A médica e militante em Londrina da Rede Nacional de Médicos Populares (RNMP), Flora Passini, aponta outros motivos que podem explicar o aumento no número de casos de internação hospitalar na cidade, dentre eles, o fim do Auxílio Emergencial. “O fim do auxílio, que manteve por alguns meses famílias com a possibilidade de realizar isolamento social mais digno, acaba levando uma maior parcela de jovens e adultos a circularem. A exposição ocorre no transporte público, nos serviços formais e informais, nas ruas, etc, aumentando consequentemente a transmissão”, detalha.
Outros motivos apontados pela médica são a redução das medidas de prevenção, como distanciamento social, uso de máscara e lavagem de mãos. As aglomerações frequentes em bares e restaurantes (limitadas agora com o decreto do Estado) foram outros agravantes. “É papel dos governantes instituírem o distanciamento e garantir seu cumprimento, bem como oferecer continuamente educação e meios materiais de realizar uma prevenção adequada”, defende a médica.
Flora destaca que apenas a vacinação em massa nos levará a superar a pandemia. “Para barrarmos a transmissão do vírus, precisamos do maior número de pessoas devidamente imunizadas. Alguns especialistas apontam para números entre um mínimo de 60 a 70% da população. Neste ponto, entra a necessidade de cobrança dos gestores, entidades e população organizada”.
Impacto do interior
Na última quarta-feira, 53% dos pacientes internados com covid no HU eram de Londrina, 22% de Cambé e o restante de outros municípios da região. O hospital sempre foi referência regional e até estadual para alguns tratamentos. Por isso, foi referenciado para a pandemia. A macro região Norte concentra 96 municípios e os casos cresceram na maioria deles.
Os dados apenas de Londrina mostram que a média móvel de novos casos (soma dos novos casos registrados em sete dias dividido por sete) se mantinha acima de 200 até o dia 15 de fevereiro, quando começou a baixar. No entanto, o número de londrinenses internados se manteve praticamente estável, por volta dos 100, atingindo o recorde de 134 na última quarta. A ocupação das enfermarias (dados que incluem todos os internados, independentemente da cidade de residência) ultrapassa 100% e das UTIs se mantém acima de 95%.
A superintendente do HU diz que o hospital invadiu a reserva técnica não apenas de leitos, mas também de equipamentos e medicamentos. “Nós tememos que em algum momento chegue um doente na porta e ele realmente não possa ser atendido. Nossa equipe está orientada, vamos atender nem que seja no chão, mas não queremos chegar na hora de escolher quem vai viver e quem vai morrer. A gente não quer palma, mas o respeito na implantação das medidas”, finaliza.
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