Coordenadora do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, a mineira Ludmila Siqueira tem como missão tornar a agenda ambiental mais inclusiva e equitativa
A oportunidade de viver por dois anos numa vila na Amazônia durante a infância foi determinante para que a mineira Ludmila Pugliese de Siqueira, 44 anos, nascida em São João del Rei, escolhesse o curso de biologia quando chegou a hora do vestibular. E depois de anos de dedicação à profissão, um casamento, dois filhos e um cachorro, hoje ela coordena o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, lançado pela iniciativa privada em 2009 e que já cadastrou mais de 86,3 mil hectares em áreas restauradas no Brasil. A meta do pacto, que possui 18 unidades em dez estados brasileiros, é viabilizar a recuperação de 15 milhões de hectares até o ano de 2050, mas com metas e monitoramento dos resultados anuais.
“Sem dúvida, minha vida mudou bastante com a entrada na faculdade de ciências biológicas, que talvez tenha sido muito em busca da sensação de natureza e liberdade que tanto me marcaram a infância. A diversidade de amigos, a possibilidade de contato com a natureza, as aulas de campo e olhar teórico para algo tão especial, como as paisagens e biomas, me transformaram”, confessa a mãe do Hugo, de 11 anos, e da Helena, de 8.

“Lembro-me da primeira viagem a campo com a turma da faculdade, em que fomos para o Núcleo de Picinguaba, em Ubatuba. Era a matéria de elementos de ecologia, oferecida por ninguém menos que Fábio Scarano (engenheiro florestal referência em restauração). Ao entrarmos na mata pela primeira vez, ele perguntou o que enxergávamos ali. O olhar treinado e a forma que ele comentou o que viu, e que obviamente eu não tinha visto, me fez enxergar a floresta, a ecologia e a profissão de uma outra maneira”, conta a bióloga, que a partir dessa experiência teve a certeza de que queria estudar ecologia. “Quase fui fazer biologia marinha por causa da praia, devo confessar.”
Logo depois desta viagem ao litoral paulista, Ludmila iniciou um estágio na área de ecologia vegetal, “com a querida amiga e professora doutora Dalva de Mattos”. Durante o estágio, ela verificou os efeitos da fragmentação florestal na Reserva Biológica de Poço das Antas. “Dessa época trago meus grandes amigos e toda minha base técnica e profissional.”
“Depois disso, e em função das observações dos efeitos da fragmentação, resolvi trabalhar com o processo contrário à perda de áreas naturais.” Assim, ela foi parar na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba, onde cursou mestrado com o professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, referência na área de restauração no Brasil.
“Ricardo dispensa comentários, mas, pessoalmente, tenho que agradecer os ensinamentos, a confiança e todas as portas que ele me abriu. Ricardo, além de ser tecnicamente excelente, tem um pragmatismo, uma vontade de fazer e uma generosidade ímpar no meio acadêmico”, opina. “Na Esalq, ganhei um título e um companheiro para vida, Fabiano, com quem vivo desde então.”
Depois do nascimento dos filhos, Ludmila decidiu trabalhar como consultora ambiental. “Com a rede de contatos que tinha, após ter trabalhado em organizações não-governamentais (ongs), como o Instituto BioAtlântica e o SOS Mata Atlântica, consegui me inserir em diversas iniciativas interessantes. Tive a oportunidade de atuar no apoio à criação do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) da Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg), com o Ministério do Meio Ambiente e ongs internacionais. Posteriormente, fui convidada a ser secretária do movimento conhecido como Pacto pela Restauração da Mata Atlântica pelo coordenador do movimento na época, o engenheiro florestal Beto Mesquita. Atuei quatro anos como secretária executiva e durante esse tempo pude fortalecer as bases e trilhar o caminho para a coordenação do movimento, na qual estou à frente há dois anos”, conta Ludmila.
Segundo ela, seu foco atuando como coordenadora do pacto é catalisar as ações de restauração atuando nas esferas estratégica, financeira, política e de governança do movimento. “Eu aprendi durante esse tempo que estou no pacto que esse papel deve estar associado a ações em diferentes escalas e por isso busco apoiar as operações no campo, junto a parceiros locais, como os membros e as unidades regionais do pacto. Por outro lado, é importante criar sinergia com as outras áreas e movimentos e por isso tenho apoiado a criação e fortalecimento de novas redes subnacionais e nacionais, como a Aliança pela Amazônia e a Rede do Cerrado, bem com a Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (Sobre) e Rede Brasileira de Restauração Ecológica (Rebre).”

Além da governança, Ludmila atua na diversidade, equidade nos projetos e inciativas de restauração nas diferentes redes e, inclusive, na Sociedade Internacional de Restauração (SER), fazendo parte de um grupo de trabalho que tem como missão tornar a agenda ambiental mais inclusiva e equitativa.
Para a coordenadora, existe ainda uma falsa dicotomia entre natureza e produção, “a mesma que define o papel da mulher e do homem, do explorado e explorador e outras relações de poder, que se origina há milênios da necessidade que tivemos de nos distanciar do natural, como se este fosse menor ou tivesse menor valor do que o trabalho ou produção”.
“É interessante notar que esse é o modelo de produção e (super) exploração que nos levou ao momento e crise que passamos agora, com a pandemia e a emergência climática. E, por mais que isso seja comprovado cientificamente, existe a cultura do negacionismo instalada e fomentada por uma elite que se acredita inatingível por esses problemas”, avalia.
“Vale destacar que estamos na mesma gaia e que a pandemia vai passar, mas mudança climática é permanente. É preciso combater esse discurso e prática perversos, que prejudicam muitos e favorecem um pequeno número de pessoas que estão estão, estrategicamente, semeando a mentira e desinformação”, completa.
Conforme a bióloga, sem dúvida, o caminho para a preservação ambiental passa pela “educação, cultura e informação em todas as esferas, iniciando com a educação ambiental, com formação cidadã e num grande pacto social”. “Eu acredito mais na força do amor do que da dor (leis e políticas), mas elas também são necessárias e importante para dar as regras e direcionar.”
Para a bióloga, que em 2019, depois de 17 anos fora das salas de aula, iniciou um doutorado, o futuro da pesquisa no Brasil carece, por um lado, de investimento e reconhecimento e, de outro, possui um capital social bastante diverso, criativo e resistente. “Acredito que com isso seremos resilientes e que venceremos as adversidades.”
Filha de um geólogo e uma professora de português e francês, “que abriu mão da carreira para cuidar da família”, Ludmila é a terceira de quatro irmãos, duas mulheres e dois homens. “Por estar no meio, acho que desenvolvi a habilidade de fazer o ‘meio de campo’ e a governança do bom convívio”, brinca.
“Meus pais são muito religiosos e fomos criados dentro de um ambiente de afeto e cuidado, onde se priorizava a educação e o respeito. Os momentos de refeições eram cercados de conversas e resenha. Em função da profissão do meu pai, mudamos de cidade muitas vezes. De Minas, fomos para o Rio e da lá para uma vila na Amazônia, chamada Balbina, onde ficamos por apenas dois anos. Minhas melhores lembranças de infância são dessa época, onde tivemos a oportunidade de tomar banho de igarapé, estar com pessoas de origens diferentes, morar em uma casa com quintal. Uma sensação de liberdade, diversidade e natureza que certamente influenciaram minha vida.”
Ludmila passou a adolescência no Rio de Janeiro, com muitos amigos do condomínio e da escola, muita praia, muita conversa e jogos. “Não gostava muito de estudar, entre os meus irmãos fui a que mais dei trabalho. Por outro lado, sempre fui criativa e um tanto desafiadora”, confessa a bióloga, que gostava de músicas que iam de Chico Buarque, Clube da Esquina, Secos e Molhados, iniciados em casa, a Rush, Hood Gurus e Men at Work, que conheceu com os amigos cariocas. “Não fui muito namoradeira, meu pai era muito bravo. Mas gostava muito de sair, dançar e cinema.”
Durante a pandemia, Ludmila, que já trabalhava em casa, precisou incorporar as aulas dos filhos à rotina da profissão e dos cuidados com a família e a casa. “O convívio e aprendizado são intensos e desafiadores. Todos crescemos, com amor e paciência seguimos.”
“A vida tá puxada demais, então quase não temos momentos de folga. Quando sobra um tempinho, gosto de ler e ouvir podcasts. Tenho feito muito isso enquanto arrumo a casa e lavo louça. Eu amo correr e, quando consigo correr na rua, escuto músicas diversas. Já na esteira aproveito para ver série do Netflix”, diz.
“Ultimamente, com a pandemia, estamos aproveitando nossa casa. Fazemos festas temáticas quase todo final de semana, seguida de filme e lanche em família. Só os quatro. Mais recentemente completamos a família com um labrador chocolate, chamado de Bonk”, conta.
Aos 44 anos, com marido, filhos, cachorro, doutorado e a restauração da Mata Atlântica para cuidar, Ludmila se considera privilegiada. “Por todas as oportunidades e encontros que tive eu sou muito grata. Sempre temos sonhos de viajar mais, ler mais, correr, me dedicar mais a família etc. Por isso meu sonho é ter equilíbrio e sabedoria para seguir fazendo o meu melhor”, pondera a pesquisadora, que tem como lema de vida a frase do famosofilósofo alemão Friedrich Nietzsche: “Torna-te quem tu és”.
*Mariana Guerin é jornalista e confeiteira em Londrina. Adoça a vida com quitutes e palavras.
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