Por Régis Moreira*
Estou tolo de tanta tela
Obeso de tanta informação
Pixelaram meu mundo
Virei escravo tecnológico
Com a ponta dos dedos
Mando e desmando
Curto e descurto
Compro e cancelo
Ligo… ligo… ligo…
Difícil desligar
Cadê a tecla off?
Minha cozinha virou programa de TV
Campo político das panelas
Das solidões interativas
Buscam, acessam, dão meet…
Será que zapearam minha subjetividade?
Não sei, mas já levei pedrada por lá
Recebi delicadezas também, vai…
Ouvi aquela canção
Liguei pro meu amor
Falei com a mãe
Vi aquele filme
Combinei aquela festa on-line
Adentrei madrugadas
Nas lives da Tereza Cristina…
Me deliciei com a voz da Silvia Borba!
Cansei do remoto e do virtual
Exauri de tela…
Não aguento mais tanto genocício
E tanta notícia ruim
Desliguei a TV!
(como se a culpa fosse só dela)
Liguei o rádio
Boletim Coronavírus????
Ah, não, quero pensar em outra coisa agora…
Outra coisa?
Pensar em quê?
Se só consigo sentir
A dor da morte de tantas vidas
O descaso
O luto…
Ops, peralá, com licença
Vou pagar uma conta aqui
Pronto, já acessei meu bankline
Não consegui pagar a conta
Perdi a senha
Se não consegui pagar
Imagina quem tá precisando receber…
Nossa, que caos…
A arte dos anos 70 e 80 voltaram com força profética
Meu tesão agora é risco de vida, viu Cazuza
De novo virou risco de vida
O amor de telepatia
Feito Rita Lee no final de 70
Mas eu quero é rolar com você
Declamo essas linhas agora
Neste mundo virtual
Zoom, jtsi, meet…
Sei lá qual ferramenta
Editará minha imaginação.
Ai, minha conexão tá travando
Vc me ouvir
Hummmm sua imagem tá bem embaçada
Vamos fazer uma chama no whats
Que por aqui tá péssimo
Oi, o que? Dá pra repetir…
Falhou bem na hora que vc estava falando
Não sei se entendi
Vamos mudar de plataforma?
Pensei que fosse dor de ouvido
Era dor de fone
Teletrabalho
Home-office!?!?
EAD????
Não sei se peço um i-food, pelo ipad
I, I, I…
Ai ai…
Wi-fi…
Eu quero é o we
Nós todos num abraço coletivo
Em praça pública batendo panelas e tamborins
Sambando fantasiados
Num êxtase coletivo
Carnavalizando a vida
A vida…
Ai, a vida…
A vida é muito mais que tecnologia dura
Eu não aguento mais as máquinas
Briguei com elas
Mas depois fiz as pazes, né
Meu hardware tá quase lotado
Ihhhh, a capacidade de armazenamento tá por um fio
Igual minha coluna
Tô com uma dor no cóccix
Acho que não sentei direito
Ou será a cadeira?
Certeza que é infobesidade!
Deitei e acordei com o celular na minha cara
Tava meditando pela página do Tecendo
Redes, redes, redes…
Hackearam minha solidão!
Não posso me esquecer que amanhã
Tenho que tomar um pouco de sol
Já que a vacina está longe
Está acessível
Está?
Acessível?
Pra quando?
Quantos ainda irão morrer
Até que ela chegue
E tem quem afirme
Orgulhoso de sua ignorância
Que não vai se imunizar
(que não vai se humanizar)
Bem, vou anotar na minha agenda
Escritinho bem aqui:
Amanhã bem cedo vou tomar sol!
Será que vai fazer sol amanhã?
Deixa eu ver aqui no clima tempo…
Ai gente, caí…
*Régis Moreira, Comunicólogo Social e Gerontólogo, doutor pela ECA (USP) em Ciências da Comunicação, docente do Depto de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde atua como pesquisador na área de comunicação, envelhecimento e gênero. Pesquisador do Observatório Nacional de Políticas Públicas e Educação em Saúde.