Educadora física, a londrinense Camila Glaciela precisou se reinventar profissionalmente durante a pandemia sem deixar de lado as funções materna e de cuidados com a casa: “me sinto cobrada o tempo inteiro em não errar”
Cecília França
Os impactos da crise sanitária que se instalou no país com a pandemia do novo coronavírus – e da consequente crise econômica – foram mais fortes entre as mulheres. Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrou, em setembro do ano passado, que a queda na renda delas ultrapassava 20% até aquele momento. O efeito maior se justifica pela natureza das funções tradicionalmente desempenhadas pelas mulheres no mercado.
No caso da personal trainer Camila Glaciela, 36, a falta de contato direto com as alunas mudou tudo. As aulas virtuais desenvolvidas na sacada de seu apartamento trouxeram uma série de dificuldades que ela se esforçou para superar. A rotina de profissional, esposa e mãe de dois filhos, que já era corrida, se agravou, exigindo mudanças. Foi aí que ela decidiu investir na costura de mesa posta.
Se antes Camila precisava do contato real para divulgar seu trabalho, hoje essa divulgação se dá quase totalmente no meio virtual, pelas redes sociais – outro território que ela precisou desbravar. Nessa entrevista ela conta como se deu a descoberta desse novo caminho e como controlou a crise emocional decorrente do isolamento. Confira.
A pandemia se instalou em Londrina há cerca de um ano. Qual foi o impacto imediato na sua vida?
Quando tudo começou a insegurança e a falta de informação, ou muita informação desencontrada, me bloqueou muito em relação à segurança dos meus filhos. Eu moro em um apartamento com menos de 80 metros quadrados, então, ficar trancada com eles 24 horas, sem poder descer para a área de lazer, poder sair na rua, foi um choque muito grande, porque eu já via neles, naquele momento, que essa questão da restrição de não poder circular atingiu muito eles. Como mãe, a partir do momento que atingiu meus filhos, me atingiu. Outro ponto que impactou muito na minha vida é que eu trabalho como personal trainer e, de imediato, as academias foram todas fechadas. Eu não podia trabalhar, nem mesmo na rua. Então eu fui perdendo as minhas alunas. Eu fiz a proposta de dar aula a distância e 90% não aceitaram. Então eu me vi sem a renda do meu trabalho, sem poder sair de casa com meus filhos de maneira segura e sem saber para que lado a gente ia correr. Eu tinha medo de tudo, de sair e me contaminar e contaminar minha família.
Como trabalhadora informal, quais adaptações você precisou fazer na sua vida profissional?
De início eu comecei a grava alguns vídeos com algumas sequências de exercícios para mandar às minhas alunas, para não deixar que elas se desmotivassem. E através do exercício eu acreditava que iria auxiliar elas nesse processo da restrição, visando a saúde delas, tanto na parte física quanto mental. Então eu gravava na minha sacada e enviava gratuitamente para todas as minhas alunas. Após um período eu fiquei com alguns atendimentos virtuais, eu dava aulas pela internet. Foi muito difícil porque eu não conseguia corrigir o aluno direito, tinha a oscilação da internet, o barulho dos filhos em volta e tudo mais, complicou bastante. Eu fiquei nessas aulas online de março até dezembro de 2020. Eu tive que me adaptar, tive que aprender muita coisa. E durante a pandemia eu ingressei numa outra área para trabalhar informalmente, comecei a trabalhar com mesa posta, costurar enxoval para mesa. Eu tive que me adaptar na maneira de comprar, comprara muito pela internet os materiais. Na pandemia eu me adaptei com a internet. Eu nunca fui de divulgar meu trabalho como personal nas redes e eu tive que criar, da noite para o dia, um perfil no Instagram. E deu muito certo. Tenho muita visibilidade hoje. Fechada eu aprendi a ver o mundo de outra forma, através da área digital. É uma luta, ainda estou aprendendo, mas eu me adapto todos os dias e acredito que vai dar certo.
Você acredita que o fato de ser mulher te sobrecarrega ainda mais do que seria esperado?
Com certeza eu me sinto mais sobrecarregada porque tenho que dar conta do serviço doméstico, apesar de ter a ajuda do meu marido diariamente, mas eu me sinto cobrada. Tenho que dar conta da minha profissão, não ser esquecida no mercado de trabalho; tinha que dar conta de duas crianças dentro do apartamento, um menino de 7 e outro de 5 anos; dar conta das aulas online dos meninos a tarde toda; e tenho que lembrar de mim, de me cuidar, lembrar que ainda estou aqui e preciso ficar firme. Nós, mulheres, a gente acaba sendo a base de toda a casa, mesmo sem querer, muitas vezes. Porque você é mãe, é a que vai fazer a limpeza, que vai ajudar a trazer o dinheiro para dentro de casa, tem que ser a mulher, a esposa e a melhor profissional possível. Então, já era puxado, hoje ficou pior. Me sinto cobrada o tempo inteiro em não errar, em fazer tudo perfeito, em ajudar muito meus filhos e não deixar eles desanimarem, então isso pesa muito para mim.
Você é uma pessoa vaidosa? Tem sentido dificuldade de manter uma rotina de autocuidado durante esse período?
Eu já fui mais vaidosa, mas depois da chegada dos filhos a gente acaba se esquecendo um pouco, se anulando. Então eu tento manter uma rotina mínima de cuidado com a unha, com os cabelos brancos. Mas no início da pandemia chegou uma hora que eu pensei “eu não vou sair de casa, não tenho que ficar pintando esse cabelo, não tenho que ficar me arrumando”, então eu passava o dia de pijama algumas vezes. Com o passar do tempo, eu parei e pensei no que estava fazendo. Então voltei a me cuidar um pouco mais, cuidar mais da minha aparência. No fim do ano eu procurei tratamentos estéticos para recuperar um pouco a autoestima, que foi se perdendo um pouco durante o ano. Eu tento ao máximo me cuidar, mas ainda não consegui recuperar 100% a minha vaidade.
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