Para ativistas, morte do jovem com um tiro, durante uma festa, representa o genocídio da juventude negra e periférica; evento terá transmissão online

Cecília França

Um ato marcado para esta terça-feira (16) pede justiça por Matheus Evangelista, morto com um tiro durante ação da Guarda Municipal de Londrina em 11 de março de 2018. A manifestação está marcada para as 17h30 no bairro Jerônimo Nogueira, Zona Norte, onde Matheus morreu aos 18 anos quando participava de uma festa; Para evitar aglomerações, haverá transmissão online. O ato é organizado por diversos coletivos sociais e pela família do jovem.

Na semana passada, quando a morte de Matheus completou três anos, o julgamento do ex-Guarda Municipal Fernando Neves, acusado de desferir o tiro fatal, foi novamente adiado. Inicialmente marcado para ocorrer amanhã (17), foi transferido para 3 de agosto por causa da pandemia. O pedido partiu da defesa de Neves.

Grupos sociais estão mobilizados em torno do clamor por justiça, dentre eles, o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (CMPIR) o Slam Voz das Minas e LGBTQ+/PR, Coletivo Marielle Franco e Levante PR. Para Fiama Heloísa, presidente do CMPIR, o caso de Matheus não é isolado, mas se insere num contexto de violência do Estado que tem nos jovens negros os maiores alvos.

“A gente vem acompanhando cada vez mais esses jovens negros da periferia sendo mortos pelos agentes de segurança do Estado. O Matheus era um jovem negro, estava se divertindo numa festa, só que ele nunca mais voltou para casa. Os policiais quebraram o protocolo, colocaram o corpo dele na viatura para tentar socorro, mas é muito estranho mexerem na cena desse crime. Então a gente percebe que, infelizmente, esse não é um caso isolado, não é um caso único. Infelizmente também é uma questão nacional”, afirma.

A notícia do adiamento do julgamento do ex-GM acusado do crime foi recebida com pesar. “A gente entende que o momento de pandemia que a gente vive não é fácil, só que a história do Matheus, esse crime, a gente espera por um desfecho por parte da Justiça há três anos. E a gente vê como as coisas vem se arrastando mesmo. O ex-GM já está aguardando o julgamento em liberdade. A sensação que vai ficando é de injustiça”, diz Fiama.

Para representantes do Slam Voz das Mina e LGBTQ+/PR, o caso de Matheus representa luta contra o Estado e contra o genocídio do povo preto e da periferia.

“É uma luta constante! Temos integrantes do Slam que já passaram por essa mesma dor. Sabemos que a família vai carregar essa cicatriz aberta para o resto da vida, e sem justiça faz essa dor se tornar dez vezes pior”, dizem à Lume. Para eles, apesar de a morte não ser um caso isolado, a luta é, sim, de um pequeno grupo.

“Mais uma vez nos encontramos sendo minoria, porque se não fosse um caso isolado, pelo menos boa parte da cidade estava com a gente buscando por essas respostas e por justiça”, afirmam. O grupo enxerga o novo adiamento do julgamento com tristeza e revolta. “Notamos a incompetência e até mesmo a falta de importância que a justiça dá a esses casos”.

De Matheus a Marielle

No último fim de semana, integrantes do Levante PR instalaram faixas e cartazes pela cidade cobrando justiça por Marielle Franco e Matheus Evangelista. Para os ativistas, a ligação entre os dois casos vai além da simbologia.

“Possuem uma ligação simbólica, por terem acontecido na mesma semana, mas também uma ligação material, são os corpos negros os maiores alvos do braço armado do Estado, são os alvos das milícias que dominam a periferia e tornam as comunidades reféns de poderes paramilitares. Na nossa visão, a violência policial é reflexo da estrutura genocida e racista da sociedade brasileira”, explicam.

O Coletivo Marielle Franco também vai integrar o ato hoje e correlaciona os dois assassinatos. “Ambos eram corpos negros e moradores de periferia”, destaca Paula Teodoro, integrante do coletivo.

“A segurança pública vê nesses jovens negros e periféricos um alvo e, de acordo com o Atlas da Violência de 2018, os negros foram 75,7% das vítimas de homicídio (no país). Esse cenário tão desigual se agrava quando a gente constata que a taxa de homicídio da população não negra nos últimos 10 anos diminuiu 12%, enquanto que para a população negra houve aumento de 11,5%”, completa a militante.

O clamor por justiça ecoa entre todos os participantes do ato de hoje. “Esperamos que o processo judicial seja devidamente analisado e que essa cultura até então perpetuada de que todo corpo negro é um suspeito padrão deixe de ser impune, assim como as abordagens violentas na periferia”, finaliza Paula.

“A gente espera que esse crime seja respondido à altura, que quem cometeu o crime pague com a máxima condenação possível, que todos os agravantes sejam levados em conta, porque a gente espera que sirva de exemplo para reflexão mesmo, principalmente dentro das forças de segurança que a gente tem. Que sirva também como momento de reflexão como sociedade sobre o que estamos fazendo com a juventude negra, periférica. Quantas vidas mais precisarão ser interrompidas?”, questiona Fiama.

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