Em entrevista à Lume, o secretário de saúde de Londrina, Felippe Machado, fala sobre os desafios deste 1 ano de pandemia, cobra conscientização da sociedade e diz que a compra de vacinas é a prioridade do município: “Não dá mais para a gente achar que vamos ampliar leitos, que vamos resolver com esse ou aquele medicamento, não dá”

Cecília França

Foto em destaque: O secretário de saúde, Felippe Machado/Isaac Fontana FramePhoto

Em 17 de março de 2020 Londrina registrava seu primeiro caso de covid-19, ainda importado. Desde dezembro do ano anterior, notícias sobre o novo coronavírus vinham da China, mas ninguém imaginava a proporção que isso tomaria. Felippe Machado, à frente da secretaria de saúde de Londrina desde 2017, acompanhava as informações e previsões técnicas: “Os próprios especialistas, numa primeira análise, apontavam que talvez a pandemia durasse três, quatro, em cenários mais pessimistas, 6 meses”.

Após um ano Londrina vive o cenário mais grave, com alta taxa de internação e mudança do perfil dos acometidos, em decorrência das novas cepas do vírus. Com vacinas chegando a conta-gotas pelo Ministério da Saúde, o município se prepara para ingressar em um consórcio de prefeitos e também promove “iniciativas isoladas” para a aquisição do imunizante. “Quando a gente vacinar em massa a população, garantir a proteção, é isso que vai nos trazer o fim da pandemia”.

Confira entrevista completa à Lume.

Há 1 ano Londrina confirmava seu primeiro caso de contaminação pelo novo coronavírus, ainda importado naquele momento. O senhor imaginava que a pandemia duraria tanto tempo? Era possível fazer alguma previsão naquele momento?

Na verdade, ninguém da nossa geração havia vivido nada parecido com uma pandemia. Então, quando nós observamos isso lá em dezembro de 2019, a China começando a enfrentar esse problema e as notícias recorrentes na mídia, todos os dias, a gente não esperava que isso tomaria essa proporção, que iria durar tanto tempo. Os próprios especialistas, numa primeira análise, apontavam que talvez a pandemia durasse três, quatro, em cenários mais pessimistas, seis meses. Mas como eu disse, era uma coisa muito nova para todo mundo, que a gente nunca viveu e passou a aprender dia a dia com essa situação.

O senhor declarou esses dias à imprensa que vivemos o pior momento da pandemia. A quais fatores se deve esse agravamento?

Desde o início da pandemia a gente monitora vários indicadores técnicos, epidemiológicos, científicos, que nos dão o norte, o parâmetro, e todos esses indicadores têm a sua relevância e o seu motivo, mas, sem sombra de dúvida, o que talvez tenha maior impacto nesse contexto é a ocupação hospitalar, é o risco dos leitos estarem todos ocupados e pacientes virem a precisar de assistência e não conseguir. Isso, com certeza, é o mais preocupante. E a afirmação que eu fiz dias atrás sobre o pior da pandemia vem nesse sentido, porque, em que pese nós não tenhamos um um alto número de casos confirmados todos os dias – estamos com uma média de 200, 250 novos casos por dia, e já chegamos a mais de 500 – nós observamos uma alta taxa de ocupação (de leitos), observamos um período de internação mais longo, observamos pacientes jovens sem comorbidades sendo internados e muitos até, infelizmente, vindo a perder a vida. Isso tudo se deve a essas novas variantes. Então nós podemos classificar a doença em dois momentos: o primeiro, do vírus selvagem que surgiu lá na China, e o segundo que começou a partir de fevereiro, que é a mudança de comportamento da doença, sendo muito mais agressiva e não só mais transmissível, como alguns especialistas apontavam lá no início dessa detecção das novas cepas.

O senhor acredita que o município terá que adquirir vacinas, a partir do consórcio que está sendo formado pela Frente Nacional de Prefeitos, a fim de agilizar a vacinação em Londrina? Como avalia a gestão do plano de imunização pelo Ministério da Saúde?

Primeiro quero destacar que o Brasil tem o maior, melhor e mais amplo programa de imunizações do mundo. Ninguém tem a expertise que o Brasil, em especial na saúde pública, tem em vacinar. E a prova disso é que todos os anos nós vacinamos próximo de 100 milhões de brasileiros na campanha da Influenza. Então, o plano nacional de imunização, a gestão dele por parte do Ministério da Saúde, talvez faltou um pouco mais de agressividade, no bom sentido, no tocante a se antecipar à aquisição de vacinas, se cercar dessas possibilidades de acordo com fabricantes internacionais para que a gente pudesse, tão logo essas vacinas – que na oportunidade estavam em desenvolvimento – nós tivéssemos acesso prioritário às vacinas. O Brasil é um país de dimensões continentais e há muita desigualdade em todo o nosso território. Então não dá para a gente comparar uma vacinação no Brasil e em outros países. Então, nesse sentido, na minha avaliação, faltou um pouco mais de articulação e centrar forças para que a gente pudesse ter saído na frente e, consequentemente, isso significaria que nós seríamos, invariavelmente, o primeiro país a por fim na pandemia, justamente por conta da nossa expertise.

Por outro lado, no que diz respeito à aquisição de vacinas por parte do município, desde o início da vacinação no Brasil o prefeito tem buscado todas as alternativas de forma complementar ao Plano Nacional de Vacinação para garantir ao cidadão londrinense a proteção através da vacina, porque nós temos a convicção de que é isso que vai fazer com que a pandemia acabe. Então lá no início de janeiro o prefeito esteve reunido com a diretoria do Instituto Butantan, assinou intenção de compra, depois Londrina foi um dos primeiros municípios a se manifestar no sentido de integrar no consórcio da Frente Nacional de Prefeitos, um dos primeiros municípios a sancionar e encaminhar a lei que autorizada a participação do município, e nós temos buscado também outras iniciativas isoladas para a aquisição de vacinas. Isso é no momento a prioridade número 1 da administração do prefeito Marcelo Belinati para que a gente possa realmente avançar a passos largos na vacinação da nossa população.

O senhor considera a gestão da pandemia seu maior desafio profissional até o momento?

A saúde sempre vai ser a primeira demanda em qualquer administração, seja na esfera municipal, estadual, federal. Então o desafio de ser gestor de saúde, por si só, ele já é bem grande. Mas confesso que nem de longe imaginaria que nessa gestão à frente da secretaria de saúde fosse passar por um cenário da maior crise sanitária do século. Uma crise sem precedentes. Com certeza tem sido o maior desafio meu à frente da gestão, tem requerido muita dedicação, desprendimento, trabalho bastante árduo, não só meu, mas de toda a equipe de saúde da cidade de Londrina. No que depender da gente nós vamos estar aí até o ultimo minuto no front de batalha, nos dedicando realmente para que a gente possa garantir a todo cidadão um sistema de saúde de qualidade, um sistema que atenda seus anseios e é isso que tem sido nossos esforços nesse ano de pandemia.

O senhor tomaria, ou sugeriria, alguma atitude diferente das tomadas ao longo deste 1 ano para contenção da doença em Londrina?

Londrina desde o início da pandemia se mostrou protagonista, não só para o Estado do Paraná, mas em relação ao Brasil no enfrentamento da pandemia, nas medidas tomadas, na articulação, no processo de gestão. Destaco aqui que, diferentemente de outras cidades, nós não fechamos nenhuma unidade de saúde para reorganizar nossa rede assistencial. Nós montamos seis unidades respiratórias, contratamos próximo de mil funcionários para reforçar a rede de saúde, criamos junto à UPA Sabará um centro de triagem, transformamos aquela unidade como referência para causas respiratórias. Fizemos, em parceria com a Universidade Estadual de Londrina (UEL), um convênio onde a prefeitura comprou todos os insumos necessários para exame de detecção do coronavírus (RT-PCR padrão ouro). Quando ainda pouquíssimos exames eram feitos nós já tínhamos acesso a 200 exames por dia. Fomos a primeira cidade do Paraná a adotar o uso obrigatório de máscara, fizemos restrições duras, mas necessárias, na circulação de pessoas lá em março de 2020 para que o sistema de saúde pudesse ser preparado, para que a gente pudesse implementar essa nova dinâmica e, nesse contexto, de lá para cá, 350 leitos novos foram criados para atendimento ao coronavírus. Isso é maior do que o HU tinha, quase um HU e meio foi construído exclusivamente para o enfrentamento da pandemia. A prefeitura de Londrina foi a única a contratar um hospital para ter leitos de UTI para a sua população, o que, com certeza, hoje, nos possibilita ter a maior rede de estrutura de saúde para o enfrentamento da pandemia. Fomos uma das primeiras cidades, em setembro do ano passado, a decretar a lei seca, e atingir realmente aquelas atividades que a gente observou com dados técnicos, estatísticos, que vinham causando grandes aglomerações e, consequentemente, alterando o cenário epidemiológico. Então eu acredito que as medidas que a cidade adotou nesse ano de combate à pandemia foram medidas acertadas e os dados mostram isso. Fizemos um levantamento pela UEL que mostrava realmente que se nós não tivéssemos freado o início da velocidade de transmissão da doença nós teríamos milhares de casos a mais. Na verdade esses 40 mil casos que a gente chega hoje teríamos chegado já sete ou oito meses antes. Então todos esses indicadores apontam que as medidas que foram adotadas pela prefeitura elas se mostraram adequadas, talvez não mudaria nenhuma delas.

Quando poderemos nos declarar livre da pandemia do novo coronavírus?

Acho que essa é a grande pergunta de todo cidadão do mundo. Toda a população mundial, de uma forma ou de outra, deve se perguntar quando a gente vai se ver livre da pandemia, quando a gente vai ter a nossa vida integralmente de volta, fazer as coisas que nós estávamos acostumados. Em especial nós aqui, o povo brasileiro, que é um povo afetivo, que gosta de contato, de estar reunido. Enfim, é uma pergunta que tem dois vieses, o técnico-científico e o de cidadão, de querer logo que tudo isso acabe. Muito provavelmente nós vamos conviver com o coronavírus como aprendemos a conviver com o H1N1, uma doença que vai se tornar endêmica e a gente vai ter que se adaptar, porque ela já se adaptou com os nossos costumes. E a única coisa que vai trazer o fim é realmente a vacinação. Quando a gente vacinar em massa a população, garantir a proteção, é isso que vai nos trazer o fim da pandemia. A gente espera que seja o mais rápido possível. Esperamos que logo a gente tenha acesso a quantidade de vacinas adequadas e possa colocar em prática toda aquela expertise e aquele know-how que eu disse anteriormente em relação à vacinação. Mas até lá, nós temos que nos conscientizar, temos que entender a seriedade do momento e cada um precisa fazer a sua parte. Não dá mais para a gente achar que vamos ampliar leitos, que vamos resolver com esse ou aquele medicamento, não dá. Realmente é hora de cada cidadão fazer a sua parte, ouvir as autoridades de saúde, ouvir as autoridades sanitárias, ouvir a ciência, ouvir a medicina, e colaborar com todo esse processo. Se cada um fizer sua parte individualmente não tenho duvida que a repercussão coletiva vai ser muito boa e, paralelamente, com o avanço da vacinação, nós vamos sair em breve de tudo isso.

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