Famílias compartilham o que perderam e ganharam com a necessidade de manter os filhos no ensino remoto por conta da pandemia

Mariana Guerin

Batemos a marca de 3 mil mortes diárias por Covid-19 nos últimos dias. Diversas cidades decretaram o fechamento dos serviços não essenciais, no intuito de manter as pessoas em casa para evitar a propagação do coronavírus. Lavar as mãos, usar máscara e manter o distanciamento social nunca foi tão necessário para preservar vidas. Mesmo com o agravamento da pandemia, muitas famílias pedem pela volta às aulas presenciais por diversos motivos particulares de cada núcleo familiar. Mães estão cansadas, professores estão sobrecarregados e crianças estão cada dia mais entediadas. Mas o sentimento que ainda predomina entre eles é o medo.

A analista de comércio exterior Susane Maschietto, 40, tomou uma decisão drástica no início do ano. Ela, que havia iniciado em um novo emprego no final de 2020, precisou abrir mão do cargo para cuidar da filha Isabella, 8, que cursa o terceiro ano do ensino fundamental. A empresa, então, apresentou a possibilidade de mantê-la em homeoffice, mas Susane não sabe por quanto tempo isso irá perdurar. “Nós já vamos para quase um ano de aulas remotas e eu estou vivenciado isso diretamente esse ano porque quem acompanhou a Isa ano passado foi a tia dela, que morava com a gente. Esse ano, como a tia se mudou, eu resolvi que se for preciso eu vou sair do meu serviço para ficar com a Isa porque ela não tem com quem ficar.”

“A gente teve uma mudança total na rotina porque agora eu trabalho em casa, mas só enquanto a empresa permitir. A Isa estudando de um lado, eu trabalhando de outro. Tem hora que dá para ficar meio louca. Eu não quero que ela estude com fone de ouvido porque eu quero prestar atenção no que está acontecendo. Eu vejo que muitos alunos ficam sozinhos em casa e isso não é legal. Se com a mãe perto o aluno se dispersa, imagina sozinho. A gente está sempre uma do ladinho da outra. É bastante barulho, mas nada que não dê para levar.”

Susane diz que tomou essa decisão porque não seria viável financeiramente ter uma pessoa em casa o dia inteiro para cuidar da filha. Outro ponto que pesou foi o risco da pandemia. “Colocar alguém dentro de casa eu acredito que aumentaria o risco de contágio, então eu mesma ficarei com ela”, justifica.

Ela conta que as aulas na escola da filha começaram como híbridas: uma semana na escola e uma semana on-line. “Optei por deixá-la somente on-line porque não me sinto segura de mandá-la à escola. Ela é muito criança ainda para se cuidar da forma que seria correta”, avalia.

Para Susane, a principal dificuldade trazida pela pandemia é a falta de convívio com os amigos e professores. “A Isa reclama demais por não ter contato com eles, ela sente bastante falta de brincar e de ter o contato físico com eles.”

Outra questão é o aproveitamento das aulas, que a mãe julga não ser o mesmo. A falta de interação real provoca mais distrações, mesmo assim, ela garante que a filha tem se saído bem. “Ela gosta de estudar e isso facilita bastante, mas de qualquer forma, perdeu um pouco do interesse que tinha pelos estudos. Antes ela tinha uma ânsia para fazer as tarefas e agora eu tenho que ficar no pé, tenho que ficar lembrando que tem que fazer a tarefa.”

Susane sente que deixá-la em casa nesse momento é a melhor alternativa. “Ela ainda é criança e esse tempo em casa não vai afetar diretamente os estudos. Se fosse um adolescente prestes a fazer vestibular eu acho até que pensaria diferente, mesmo porque seria alguém que conseguiria se cuidar melhor. Eu estou tentando poupar a saúde dela mesmo.”

Para a analista, é preciso paciência e fé de que as coisas vão melhorar. “Não está sendo fácil para ninguém e as crianças sentem demais. No caso da Isa, ela está praticamente presa dentro do apartamento. A gente não tem muito para onde ir. De vez em quando a gente sai para dar uma volta”, diz a mãe, que se considera otimista com o ensino remoto. “Eu acho que está funcionando. Pelo menos ela tem essa oportunidade de estar numa escola particular, ter internet, ter o computador e os materiais. Não dá para falar que tudo está perdido não”.

Falta de interação com colegas e professores é a principal queixa dos pais. Fotos: Pixabay

A advogada Viviane Mendonça Dmitruk, 42, e o engenheiro Bruno Rafael Dmitruk, 40, têm duas filhas adolescentes, Isadora, 16, e Beatriz, 14, em ensino remoto no Colégio Sesi Internacional desde o ano passado. Segundo Viviane, a alternativa adotada pela escola é a aula on-line, por meio de uma plataforma que permite a interação com os alunos, com a utilização de ferramentas de áudio e vídeo, no mesmo horário das aulas presenciais.

“Algumas aulas são gravadas e disponibilizadas para que o aluno tenha acesso ao conteúdo em outro horário. São encaminhados materiais com conteúdo variado, além de atividades, inclusive com trabalhos em equipe”. A mãe não vê grandes prejuízos em relação ao conteúdo, mas se ressente da falta de contato real com os colegas.

“Elas são bastante aplicadas, estão entregando todas as atividades, mas o entusiasmo de ir para a escola está fazendo falta. Penso que não haveria outra proposta pedagógica que pudesse preencher essa lacuna, mas diante do cenário de pandemia não há alternativa melhor do que o ensino à distância”, opina a advogada.

Viviane conta que a família transformou um dos quartos do apartamento em escritório para que as meninas possam estudar. “Colocamos as mesas de estudo e os computadores no mesmo ambiente, inclusive para permitir o nosso trabalho em home office. Elas passaram a dormir no mesmo quarto, o que aumentou a convivência das duas, e conseguimos manter os horários de trabalho e escola sem interferir muito nos horários de sono e outras atividades. Estamos tentando, dentro do possível, manter a rotina.”

Para o pai das meninas o ensino remoto foi a alternativa possível para enfrentar a pandemia. “Em casa tivemos sorte, pois as nossas filhas possuem bastante autonomia, o fato de terem idade de 14 e 16 anos ajudou bastante. Tivemos alterações físicas para transformar um dos quartos em home office e compartilhar o ambiente com as nossas atividades profissionais, que também migraram para casa, é uma rotina possível e até produtiva. É perceptível que a convivência presencial com os colegas faz falta na rotina das crianças”.

Para Beatriz, que cursa o nono ano do ensino fundamental, a experiência do ensino remoto tem sido “relativamente boa, comparada a alguns dos meus colegas”. “Eu tenho facilidade em acompanhar os conteúdos, mas para aqueles que tinham dificuldade no presencial, a situação piorou. É difícil manter a concentração na aula porque a aula na frente do computador não é muito dinâmica, e o ensino remoto também tira um pouco da vontade de estudar”, opina.

Já para Isadora, que cursa o terceiro ano do ensino médio, a rotina de estudos on-line não tem sido nada fácil. “Felizmente o meu colégio encontrou uma boa metodologia e plataforma para que o ensino não fosse comprometido. Eu acredito que não exista uma perda no conteúdo, consigo me organizar bem e realizar todas as atividades, mas reconheço que essa pode não ser a realidade de todos. Para mim, o maior problema é realmente a interação entre os alunos que fica prejudicada.”

O dilema do retorno

A advogada Thalita Tuma, 45, tem um agravante em sua casa: seu filho Gustavo, de 5 anos, é portador de Síndrome de Down e, por isso, faz parte do grupo de risco da Covid-19. “Meu filho mais novo tem a imunidade mais baixa e faz parte de um grupo de risco. Não tenho coragem de fazer com que ele volte à escola. O mais velho, Leonardo, de 11 anos, poderia voltar, mas por conta do irmão, fico em dúvida. Então sempre quando falam que vai retornar, ao mesmo tempo que fico feliz e pensando seriamente na ideia de voltar à escola, eu tenho muito medo e fico na dúvida”, confessa.

Para ela, é difícil manter a atenção dos meninos, que estudam em escolas particulares, nas aulas on-line. “Se meu filho mais velho não tiver acompanhamento ao lado o tempo todo acaba se distraindo com outras coisas. Tem que estar sempre cobrando. Eu trabalho fora e não tenho condições de ficar o dia inteiro olhando se ele realmente está assistindo a aula. Já as aulas do menor são de apenas uma hora. Ele tem participado, mas o grande prejuízo disso é perder o contato presencial com outras crianças, deixar esse convívio, que é muito enriquecedor”, critica.

Para ela, toda a exploração de conteúdo que os filhos poderiam ter dentro da escola está sendo negada. “Não entendo que vai ter o mesmo aproveitamento do conteúdo. A gente vê o esforço dos professores para manter essa qualidade, acredito que estão transmitindo o conteúdo de forma substancial, mas as crianças não conseguem absorver isso”, acredita.

Mesmo entendendo que o afastamento é necessário por conta da gravidade da pandemia, Thalita se diz angustiada. “Eu sempre estou angustiada. Essa é a palavra. Por ter dificuldade em tomar essa decisão de mandar ou não para a escola, porque pesa muito, é uma decisão de muita responsabilidade”, revela a mãe.

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