Ao mesmo tempo que enxergam perdas para os alunos com a falta do convívio social, medo da covid assusta docentes de diferentes partes do país
Mariana Guerin
Se por um lado os pais não aguentam mais administrar as demandas do trabalho, da casa, dos filhos e do ensino remoto por conta da pandemia do novo coronavírus, os professores também têm suas próprias demandas e medos para contornar neste período de isolamento necessário. Mas os profissionais ouvidos pela Lume são categóricos: se houver estrutura, apesar da insegurança, estão dispostos a voltar para as salas de aula.
A professora Renata Cunha Alves, 49 anos, atua na rede municipal do Rio de Janeiro em uma escola que fica dentro de uma das maiores comunidades cariocas: a favela da Maré. Dando aulas para crianças do sexto ano, ela conta que, logo no começo da pandemia, a escola onde trabalha se estruturou para montar uma plataforma on-line para manter o vínculo com os alunos.
“Mas você pode imaginar, pelo fato de as crianças morarem numa comunidade, que existem mil empecilhos. Um que a qualidade da internet não é muito boa, dois porque nem todo mundo tem computador, eles acessam a internet geralmente pelo celular, o que dificulta. E em geral é um aparelho ou dois por família”, relata Renata.
Segundo ela, apesar de os professores terem enviado o conteúdo aos alunos e ficado disponíveis para corrigir esse material durante todo o ano passado, o nível de respostas foi bem baixo. “Uma média de 30% a 40% dos alunos fez as tarefas. No meio do ano, a prefeitura enviou o material que seria mandado para casa, então os alunos iam à escola retirar essa apostila e faziam em casa. Depois devolviam à escola, mas mesmo assim o nível de adesão foi muito baixo.”
Para a professora, o problema é cultural. “As crianças ficam muito sozinhas, os pais trabalhando, todo o problema da violência, e elas não estão habituadas a estudar em casa. Para esse público, estudar é uma atividade que se faz exclusivamente na escola. Essa foi a maior dificuldade. Para quem quis e tem pais que correm atrás, a gente estava lá disponível para, de alguma forma, ainda que não fosse a ideal, dar essa assistência, gravando vídeos, mandando material e estando disponível para tirar dúvidas”, completa Renata.
A professora reforça que em termos de aproveitamento escolar, 2020 foi um ano praticamente perdido. Para esse ano, ela tem expectativas melhores. “A gente tem uma estrutura um pouco maior por conta da entrada do novo prefeito. Eles tentaram fazer um esquema mais abrangente. O município criou um aplicativo para celular que não usa os dados da pessoa e sim da prefeitura, numa tentativa de fazer com que mais pessoas acessassem”, cita.
A escola onde Renata trabalha retomou as aulas presenciais no dia 24. Até esta data o material estava sendo enviado por WhatsApp. O aplicativo do governo, de acordo com ela, ainda não funciona 100%. Para a professora voltar a ensinar de maneira presencial traz medo, mesmo assim, ela enxerga como uma necessidade.
“Apesar do meu medo, eu quero, sim, que volte presencial porque é muito ruim o que essas crianças vivem. A escola, na favela, é o único resquício de cidadania que existe, porque ali não entra polícia, não entra saúde pública, não entram direitos, então o único elo que aquelas pessoas têm com a cidadania, direitos e deveres, direito à alimentação, direito a cuidado é a escola e essas crianças já estão há um ano sem esse vínculo. Não é só pela questão da fome, mas infelizmente isso fica muito misturado.”, relata.
Adaptação tecnológica
Para Bruno Augusto Angélico, 41, professor doutor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), no curso de engenharia elétrica, a mudança para atividade à distância aconteceu repentinamente em 2020.
“Nós não estávamos preparados para isso. Não tivemos curso, orientação, material de apoio e a USP tomou uma atitude que até acho razoável que foi não interromper as aulas por um grande período de tempo. A escola politécnica tentou ajudar alguns alunos que tinham dificuldade de acesso à internet e as aulas remotas começaram após cerca de três semanas sem aula”, lembra.
“No começo foi difícil porque eu não tinha preparação para isso, mas a gente foi acostumando e adaptando as aulas e a maior dificuldade que ainda acontece é que na aula presencial a gente percebe se o conteúdo foi absorvido pelo aluno. Um simples ah do aluno já é uma grande satisfação para o professor”, avalia Bruno.
Para ele, o lado bom é que os professores e os universitários aprenderam a trabalhar com novas ferramentas. “Imagino que mesmo quando essas atividades voltarem presencialmente nós vamos continuar a fazer uso dessas ferramentas, disponibilizar videoaulas para os alunos como complemento das aulas presenciais, organização do material em plataformas que o aluno pode acessar remotamente, não só vídeos, mas tutoriais, apostilas e roteiros, experiências, mesmo que de simulação, então essa tecnologia de ensino ajudou e vai ficar”, aposta.
Para 2021, o professor imagina que as atividades na universidade serão completamente remotas, “até por conta do atraso no calendário de vacinação. Talvez volte com controle de alunos em laboratório, mas creio que só em 2022 voltará tudo ao normal”.
Como dona de uma escola de dança flamenca em Londrina, Ana Paula Minari, 44, nota que seus alunos estão cansados, sentem falta dos amigos, da presença das pessoas, da rotina de sair, de encontrar, fazer junto, de ter esse contato físico com as pessoas, e isso tem dificultado muito o seu trabalho.
“Eu tenho medo de reabrir a escola porque tem muita gente cansada dessa vida de isolamento e as pessoas estão saindo, encontrando outras pessoas, aglomerando, fazendo festas, indo em festas, indo a bares, viajando e este contato externo me preocupa no momento de trazer esse aluno para dentro da escola, porque eu assumo os riscos não só dos contatos que eu tenho, mas assumo os riscos dos contatos que eles tiveram. Essa circulação de pessoas que causa a maior parte da contaminação é o medo que eu tenho de reabrir”, lamenta a professora.
Ela tem que lidar diariamente com o desafio das alunas não querem mais fazer as aulas on-line porque estão cansadas do isolamento: “A gente não sabe para que lado seguir. Isso me preocupa como empresária porque eu dependo desse trabalho, que vai ficando cada vez mais escasso. Meu medo como mãe na reabertura das escolas é o mesmo em reabrir a minha escola: o quanto as outras famílias estão se cuidando, como misturar minha filha que está a um ano num isolamento sério com crianças de famílias que não estão se cuidando? Qual a real segurança? Ao mesmo tempo que o convívio social faz falta, o medo da doença assusta”, confessa.
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