Ao não orientar sobre possibilidades de aborto previstas em lei, PL busca cercear direitos sexuais e reprodutivos, além de revitimizar mulheres vítimas de violência sexual – alertam militantes
Cecília França
Com hashtags como #ArquivaPL5435 e #GravidezForçadaÉTortura coletivos e frentes feministas buscam alertar mulheres de todo o país para os riscos da aprovação do Projeto de Lei 5435, que tramita no Senado Federal. De autoria do senador Eduardo Girão (Podemos/CE), o texto cria o Estatuto da Gestante e revolta militantes ao não citar as possibilidades de aborto legalizadas e sugerir a criação de um auxílio para vítimas de estupro que engravidem dos seus violentadores.
A mobilização virtual vem refletindo na consulta pública na página eletrônica do Senado, onde mais de 290 mil pessoas já votaram contra a proposta e 41 mil a apoiaram. Para militantes da Frente Feminista de Londrina, o texto reflete mais uma tentativa de cercear os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
“Políticos e candidatos encontram terreno fértil na sociedade brasileira para usar essa pauta como palanque. Quer consigam aprovar o PL ou não, algum estrago já foi feito, como deixar em destaque figuras públicas e políticas favoráveis à retirada de direitos das mulheres e outras pessoas com útero, além de confundir e desinformar as pessoas sobre as realidades do aborto no país”, destaca a psicóloga Amanda Morais.
O aborto é considerado legal no Brasil em casos de estupro, risco de morte para a mãe e anencefalia – direitos omitidos no PL. Sobre a gravidez nos casos de violência sexual, Amanda lembra que a realidade ainda é alarmante. “Se apenas em torno de 9,6% dos casos de estupro são notificados no país, você imagina quantas meninas e mulheres que tem como consequência de um estupro a gravidez, buscam os serviços de abortamento legal? Quantas se sentem seguras diante de um cenário de condenação moral e revitimização que podem sofrer? Quais mulheres sabem que têm esse direito?”, questiona ela.
“Então, provavelmente nós já enfrentamos consequências sociais muito graves relacionadas a meninas e mulheres tendo que levar adiante essas gestações ou as interrompendo de forma insegura (fora do serviço especializado, geralmente sozinhas e correndo risco de morte). A aprovação deste PL agrava profundamente o risco de morte de meninas e mulheres que foram abusadas sexualmente por extinguir os serviços de abortamento legal no país”, expõe.

Para Gleisse Martins, professora e militante da Frente Feminista, a consequência mais cruel da proposta é ressignificar a violência hedionda do estupro trazendo em si um sentido de formação de família. “Estuprador passa a ser ‘genitor’ com deveres e direitos, e a mulher se torna obrigada a conviver com o seu violador porque em tese teriam um filho juntos, uma família. O estado não deveria estar submetido às leis da fé dessa parcela de políticos homens que defendem essa abominação que é esse estatuto”, afirma.
Para Gleisse, um congresso composto em sua maioria “por homens brancos, burgueses, heterossexuais e cristãos” dificilmente aceitaria debater com seriedade temas relacionados aos direitos das mulheres e ouviria o que temos a dizer sobre direitos reprodutivos. “Essa é a face cruel do patriarcado que sempre combatemos. E isso piorou pós eleições 2018”, destaca.
Para a professora e militante Meire Moreno é preciso uma grande mobilização para barrar a proposta, que ela classifica como um “cavalo de Tróia”. “Sob um argumento de que se pretende proteger a gestante – em algumas partes do texto realmente demonstrou essa preocupação -, mas na verdade o que mais importa é o que vem escondido, que é a retirada da autonomia das mulheres”, explica.
Para ela, a única possibilidade para barrar o retrocesso é a ação política “Temos uma organização nacional de combate à criminalização das mulheres e pela legalização do aborto que tem atuado no enfrentamento deste e outros projetos que estão ligados aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, sem contar coletivos, organizações e partidos que se engajam nessa luta. Precisamos também nos organizar junto aos Ministérios Públicos, aos conselhos gestores de políticas públicas, e, com a ampliação da participação das mulheres, pressionar também os governos no sentido de manifestar sua posição contrária”, orienta.
Direitos e deveres
O texto do PL estabelece que “O genitor é co-responsável com a genitora quanto a salvaguarda da vida, saúde e dignidade da criança por nascer, não podendo dessa se eximir.” e acrescenta, em seu artigo nono, “O genitor possui o direito à informação e cuidado quando da concepção com vistas ao exercício da paternidade, sendo vedado à gestante, negar ou omitir tal informação ao genitor, sob pena de responsabilidade.”
Meire Moreno destaca que quando alguém tem um dever ele também adquire um direito. “Esse sujeito, o agressor, enquanto ele estiver cumprindo a pena (pelo estupro) o Estado será o responsável pelo pagamento da pensão (da criança) e, quando ele sair, ele se torna responsável. Junto com isso ele adquire o direito de visitas. Não tenha dúvidas que com o passar do tempo nós veremos solicitações via poder judiciário para guardas compartilhadas”, alerta.
“O absurdo é tão grande que é até difícil comentar. Imagina os efeitos psicológicos na vida da mulher vítima da violência e também para essa criança? Nós não queremos ter filhos de estupradores, nós não queremos conviver com os nossos agressores. É pela vida das mulheres”, finaliza.
Confira a íntegra da proposta e a consulta pública na página do Senado.
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