Entidades também articulam a criação de um órgão que se dedique a atender vítimas de violência policial e familiares
Nelson Bortolin e Cecília França
O uso de câmeras acopladas aos uniformes dos policiais é uma reivindicação de familiares de mortos em confrontos com a Polícia e de representantes de movimentos de direitos humanos de Londrina. E ganhou força após a morte do jovem Cristiano Rodrigues de Jesus, de 20 anos, dia 11 de abril, no Jardim Califórnia (zona leste), e dos protestos de moradores realizados nos dias seguintes.
O movimento também quer que seja criado uma estrutura pelo Município para atender vítimas de violência policial.
O Conselho de Transparência e Controle Social de Londrina foi uma das entidades que abraçaram a proposta das câmeras, que já são adotadas pela PM em São Paulo. “O uso das câmeras daria maior eficiência para o trabalho de elucidação de processos (que investigam as mortes em confrontos). O equipamento grava como foi a abordagem policial e como ela terminou”, defende o integrante do conselho, Fernando Alfradique Scanferla, que é autônomo e trabalha com fretes.
Líder de movimentos populares, Scanferla participou dos protestos pela morte de Cristiano e acabou levando três tiros de bala de borracha. “Houve a manifestação e o Choque (Pelotão de Choque da PM) acabou agredindo os moradores, inclusive eu.”
Na foto, o conselheiro mostra o tiro que levou numa das pernas.

A professora de direito penal da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e advogada do Escritório de Aplicação de Assuntos Jurídicos (EAAJ) da instituição, Luciana Neves, também defende a colocação de câmeras nos uniformes dos policiais para que as ações sejam gravadas e as dúvidas sobre possíveis confrontos, dirimidas.
Ao mesmo tempo, ela conta com apoio do Município para a abertura de um espaço físico de atendimento aos familiares. “É preciso despertar as pessoas para o que está acontecendo, uma higienização social. As famílias periféricas estão expostas a abusos”, afirma.
A promotora de Justiça Susana de Lacerda, do Ministério Público Estadual, é outra favorável às câmeras. “Eu acho que é uma segurança tanto pra o cidadão como para o policial. A câmera garante transparência para ambos”, declara.
Integrante do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), Carlos Enrique Santana também se diz “100% favorável” ao uso dos equipamentos. “O trabalho de todo servidor público precisa de fiscalização. E com o PM não é diferente”, afirma. Assim como a promotora, Santana acredita que as câmeras sejam benéficas para os dois lados. “Todo mundo fala da violência da Polícia, mas ninguém lembra que o policial também corre riscos.”
De acordo com o integrante do MNDH, somente neste ano, 13 pessoas foram mortas em Londrina em confrontos com forças de segurança.
TRÊS FRENTES
Gestora de Políticas de Igualdade Racial de Londrina, função ligada diretamente ao prefeito Marcelo Belinati, a professora Fátima Beraldo conta que a ideia é criar um núcleo composto por várias instituições, que atue em três frentes: receber denúncias de violência e prestar assistência jurídica às vítimas e familiares; lutar pela adoção das câmeras pela PM; e capacitar agentes de segurança para atuarem de forma humanizada.
“A gente já vinha discutindo (a criação do núcleo). O confronto no Jardim Califórnia acelerou as conversas. Precisamos combater a violência em Londrina, principalmente aquela que afeta mais as periferias”, diz Beraldo, que também é integrante do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial.
Ela acredita que a Polícia Militar, assim como outras forças de segurança, esteja aberta para o diálogo e a participar de cursos de formação. E afirma que a experiência já deu certo no combate ao racismo pelos agentes de segurança.
A gestora lembra que, em 2012, foi criado um grupo de trabalho de combate ao racismo, coordenado pelo Ministério Público, que, por meio da UEL, realizou capacitação de agentes de segurança. “Houve sim uma resposta bastante positiva no sentido de diminuição da violência. Precisamos retomar esse diálogo. Não tem outra forma (de combater a violência) que não seja a educação.”
A Rede Lume procurou a Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública do Paraná para comentarem as reivindicações do movimento, mas não obteve resposta até este momento.
Foto: Governo de São Paulo
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