Rede Lume ouviu ex-funcionários da contact center que relatam desrespeito a normas trabalhistas e sanitárias durante a pandemia

Murilo Pajolla

Foto em destaque: Bruno Mazzoni

Submetidos a atraso de salários e intensa pressão no cotidiano, os mais de mil funcionários da Vikstar de Londrina convivem, no Dia do Trabalho, com o medo do desemprego. Quase 20 dias após o anúncio do encerramento do contrato com a Vivo, única cliente da contact center, a categoria ainda não recebeu respostas concretas.

Com o mote “Comida no Prato e Vacina no Braço”, trabalhadores marcaram um protesto em frente à empresa neste 1º de Maio, às 12h. “São 1.200 famílias que ficarão desamparadas com o fechamento da empresa, uma vez que a previsão é de demissão em massa”, alerta a ex-funcionária Andressa Stefani, uma das organizadoras da manifestação.

A incerteza soma-se à insatisfação com as condições de trabalho, classificadas como “precárias” pelo grupo que convoca o ato, formado pelo Movimento Trabalhadores por Direitos (MTD), Levante Popular da Juventude, o Comitê Unificado de Londrina, a Frente Feminista de Londrina e o Sindicato Independente de Trabalhadores (as).

Pessoas com experiência de trabalho na empresa relataram à Rede Lume, sob anonimato, episódios de desrespeito a direitos trabalhistas e normas sanitárias durante a pandemia.

“Pressão violenta”

Após o fim do auxílio emergencial, Carla (nome fictício) buscou um caminho para pagar as contas e sustentar o filho. Não viu outra alternativa a não ser procurar emprego na Vikstar. As centenas de vagas anunciadas semanalmente atraem jovens que precisam se inserir urgentemente no mercado de trabalho. Conforme Carla, sobram vagas e faltam condições adequadas de trabalho.

“Eu vi, na minha frente, gente saindo (da empresa) de cadeira de rodas com crise de pânico. É muita pressão na cabeça. As pessoas não fazem ideia de como é o telemarketing. Pensam que é uma coisa tranquila, mas a pressão que existe lá dentro é violenta”, narra.

Em plena pandemia, ela alega que foi contratada para uma vaga de trabalho remota, mas a promessa não foi cumprida. “O treinamento foi home office, depois falaram que ia ficar um mês presencial e depois que eu iria trabalhar em casa, só que isso nunca aconteceu.” Até o dia de sua demissão – arbitrária, segundo a ex-funcionária – ela trabalharia presencialmente.

Ao questionar a empresa, a primeira justificativa foi a suposta queda de produtividade no teletrabalho. Informalmente, no entanto, ouviu uma explicação diferente de uma pessoa com cargo de chefia.

“Na empresa, um computador é usado por uma média de três pessoas por dia. Mas, se eu levar o computador para casa, só eu uso. E eles têm que fornecer um computador porque não é qualquer um que roda o sistema da empresa, que é muito pesado”, revela.

“Já estava com Covid e me forçaram a trabalhar”

O temor de contrair a Covid-19 se concretizou e o susto veio enquanto Carla trabalhava. Com falta de ar, ela não conseguia cumprir as atribuições mais básicas da profissão e decidiu procurar o ambulatório da empresa.

“A médica constatou que eu realmente estava mal, minha garganta estava inflamada. Mas mesmo assim me ‘botaram’ para voltar a trabalhar. Só que eu não estava aguentando, minha garganta estava inchada. Eu sou telemarketing, o que eu faço sem minha voz?”, relembra.

Contrariando a orientação, ela comunicou um supervisor que iria interromper a jornada e procurar uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). “Fiz o exame e deu positivo para o coronavírus. Ou seja, eu já estava com Covid e me forçaram a trabalhar. [Na Vikstar] tem um monte de gente fechada no ar-condicionado e sem janela. Então a possibilidade de o vírus estar circulando lá é imensa.”

Demissão mal explicada

No final de 2020, funcionários da Vikstar se preparavam para trabalhar durante as festas, quando foram surpreendidos pelo anúncio do atraso do 13º salário. “Eu tenho minha família. Só ia folgar no dia 1º de janeiro. Como eu ia fazer essa jornada exaustiva e ainda sem ganhar para isso?”, relembra Carla.

Indignada ao ouvir o comunicado, abriu uma pausa no sistema e tentou mobilizar os colegas. “Conversei com o pessoal e sugeri que não trabalhássemos sem receber. Só que as pessoas – justificadamente – têm muito medo de serem mandadas embora.” Dias depois veio a demissão, justificada oficialmente por uma suposta queda na produtividade. “A gerência já sabia que eu estava envolvida com a mobilização. Nada foi declarado, mas eu tenho certeza absoluta que foi isso [a mobilização]. Porque não tem outro motivo.”

Descontos indevidos

Assim como Carla, Gustavo (nome fictício) relatou ainda à Lume a prática de descontos indevidos na folha de pagamento. Segundo os ex-funcionários, o registro na folha de ponto é feito por meio do login no sistema da empresa, que só é possível utilizando o computador de trabalho.

“Eu tinha que chegar 20 minutos mais cedo para estar logado, só que às vezes não tinha computador disponível. E isso era descontado do salário”, afirma Gustavo. “Eu já vi gente receber até R$ 850 de salário por causa desses descontos. E não tem como recorrer. O [departamento de] Recursos Humanos fala que vai ver e no fim nunca vê nada”, completa Carla.

Críticas ao Sindicato

Em abril deste ano, os trabalhadores foram surpreendidos novamente, desta vez com o atraso de salários. O Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Paraná (Sinttel-PR) apostou em uma reunião mediada pelo Ministério do Trabalho, concluída no dia 13 de abril, quando foi paga parte do montante devido aos trabalhadores desde o dia 8.

A atuação do Sinttel é considerada inadequada por parte dos funcionários. Gustavo compara as medidas tomadas pela entidade paranaense com o sindicato da categoria em Teresina-PI, onde fica um dos três escritórios da Vikstar, além de Londrina e da capital paulista. Com os salários atrasados, cerca de 400 funcionários da cidade nordestina fizeram um protesto com o respaldo sindical.

“Quando soubemos do atraso, o discurso do Sindicato era de que não era para fazer nada, não era para paralisar nada. Era para continuar trabalhando sem receber, que eles iam tentar resolver da melhor forma”, critica o ex-funcionário. “Pelo que eu percebi sendo operador, o sindicato age de forma conivente com a empresa, no sentido de resguardar o faturamento da empresa, completa.”

Sinttel rebate

Para o diretor do Sinttel em Londrina, Sandro Marochi, não é papel do Sindicato estimular paralisações. “Enquanto uns cruzam os braços, a gente corre atrás. Nós entramos com recurso e fizemos com que cumprissem os direitos trabalhistas. Como houve um problema, a gente interferiu, do contrário… É o que a gente pede, todo mundo trabalhando, todo mundo fazendo sua parte para que a empresa possa fazer a parte dela.”

Questionado sobre as ações da entidade frente à ameaça ao emprego dos operadores, Marochi afirmou que o Sinttel não tem como evitar uma possível demissão em massa e deverá pautar sua atuação nas normas jurídicas.

“O sindicato não tem poder nenhum de interferir na negociação [entre Vivo e Vikstar], de garantir vaga empregatícia. O que o sindicato tem é fazer valer o acordo, o contrato existente entre trabalhador e empresa. A gente sabe que eles [as empresas] estão em negociação, nada mais profundo que isso.”

O que diz a Vikstar

Por meio da assessoria, a Vikstar afirmou que não vai comentar a alegação dos ex-funcionários. Na nota mais recente divulgada à imprensa, a empresa afirmou estar empenhada em chegar a um entendimento com a Telefonica/Vivo para viabilizar a continuidade do contrato e a manutenção dos postos de trabalho. “A Vikstar continua a honrar as obrigações com seus colaboradores, conta com eles para a continuidade de suas operações. Nos últimos dois anos, a empresa ampliou o número de colaboradores em cerca de 30% e vai continuar a buscar seu espaço no mercado brasileiro de serviços de contact center e de terceirização de processos de negócios”, finaliza a nota.

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