Elas aliam a difícil tarefa da maternidade à defesa pública de seus ideias de justiça e solidariedade, para que todas, todos e todes – inclusive seus filhos e filhas – possam vivem em um mundo mais igualitário
Cecília França
Foto em destaque: Ana Carolina com a filha Iara na Marcha das Vadias, em Londrina. 2016. Arquivo Pessoal
Ser militante exige disposição, disponibilidade, tempo. Aliar a militância ao exercício da maternidade, cujas exigências muitas vezes extrapolam os limites do corpo e da mente, é um desafio imenso que mulheres enfrentam em nome de um futuro melhor para o coletivo. Para Ana Carolina Franzon a causa de seu ativismo surgiu justamente na gravidez da filha, Iara.
“Me formei em jornalismo grávida da Iara. Comprei uns 12 livros sobre gestação e parto natural e fiquei me dedicando a isso. Sendo uma gestante brasileira de classe média, branca, altamente escolarizada, eu tinha grande chance de ser submetida a uma cesárea. Fui em busca de um médico que pudesse me acompanhar em um parto o menos medicalizado possível. No final das contas tive uma experiência de parto muito boa e comecei a estudar essa experiência no Brasil”, relembra.
Com uma bebê no colo, Ana partiu para o Mestrado e o Doutorado, ambos na área da saúde feminina. Por sete anos foram apenas as duas, morando distantes de qualquer rede de apoio. “A maternidade foi minha primeira experiência de opressão social, de discriminação. Primeira vez que senti que a sociedade estava me tratando diferente. Nunca tinha sido constrangida na minha liberdade e com a maternidade eu tinha que cumprir uma função que era esperada”, diz Ana, hoje com 40 anos e de volta a Londrina. Iara tem 12 anos.
Foi na pós-graduação que a jornalista, ativista e pesquisadora acessou estudos de gênero e entendeu a ligação entre questões de igualdade e assistência ao parto. “O parto é ruim porque estamos num país de baixo poder econômico, de média renda, onde há muita desigualdade”, destaca.
Ana considera que faz “ciência engajada”. É uma voz feminista ativista dentro da academia. Além disso, participa do Conselho Municipal de Direitos das Mulheres e integra a Rede Feminista de Saúde, que tem cerca de dez filiadas em Londrina. “Outra frente de trabalho do ativismo é a sensibilização, disseminação e produção de conteúdo. Pela Rede Feminista de Saúde a gente faz eventos e estamos produzindo conteúdos como podcasts”, informa.
Como passaram muitos anos sendo apenas as duas, Iara sempre frequentou os espaços de militância da mãe, sejam rodas de conversa, eventos acadêmicos ou manifestações de rua . “Ela se acostumou a ouvir os temas com os quais eu trabalho e a gente conversa muito sobre os desafios de ser mulher no Brasil nas nossas condições atuais. Acho que ela é bem esclarecida nesse sentido e se coloca um pouco ativista e militante também”, diz Ana.
A experiência autônoma da filha nas plataformas digitais tem trazido, inclusive, novas agendas, como a transgeneridade, sobre a qual a mãe diz entender pouco. Se Iara será uma feminista? “Espero que sim”, diz Ana. “Ano passado ela fez uma iniciação científica na escola, estudou o machismo no mundo dos games. Acho que não teve como ela fugir muito…”.
Ana, no entanto, se diz assustada com os rumos atuais do país. “Me sinto bem insegura por ser mãe de uma menina, principalmente em relação à violência. Temo muito pelo que está fora do nosso controle”, declara. “Mas minha militância é para que as condições de vida melhorem para as mulheres em geral”.
“Que mães possam ser o que querem”
Meire Moreno, 38 anos, é militante desde os tempos de escola. Mas foi após a entrada na faculdade de ciências sociais, quando também engravidou da primeira filha, que ela teve contato com o feminismo e veio a se engajar no movimento. Seu período mais intenso de militância, portanto, confunde-se com sua vivência materna.
Hoje Meire é uma referência na Frente Feminista de Londrina. Na visão dela, as filhas Amanda, de 11 anos, e Joana, de 4 anos, enxergam sua atuação militante como trabalho.
“A Joana com certeza, por ser mais novinha. A Amanda considera que é um trabalho necessário, me incentiva bastante a participar, acha que é uma questão importante para mim, inclusive. Eu percebo que ela tem essa percepção da importância da militância para a construção da minha própria autonomia”, relata.
Os conflitos, porém, existem. Especialmente quando se trata de divisão de tempo. Além de mãe e militante, Meire é professora da rede estadual e pesquisadora. Amanda, conta a mãe, sente que a militância acaba tomando um tempo que poderia ser dedicado para ela.
“Isso é uma coisa que me afeta, que me traz muitas reflexões, e que eu tento me organizar para que elas sintam menos e que eu sinta menos também. Que a gente tenha tempo de qualidade para trocar afetos, se curtir bastante, construir uma relação de confiança e companheirismo entre nós”.
A maternidade já dificultou a militância, bem como a militância já dificultou a maternidade. Participar de atos fora de Londrina ou que se estendam por mais de um dia, por exemplo, torna-se difícil, ainda que os cuidados domésticos e de cuidado sejam divididos entre Meire e o companheiro.
“Sei que essa realidade de ter o trabalho doméstico dividido com o parceiro não é uma realidade da maioria das mulheres, e que a maioria enfrenta problemas maiores que os meus para atuação política, militante. Mas mesmo assim esses problemas existem”, garante.
O desejo de Meire para a sociedade poderia ser um voto para todas as mães nessa data comemorativa. “Que a gente consiga encontrar um ponto em que mães possam ser o que querem, inclusive militantes, pesquisadoras, professoras, sem que uma coisa seja impedimento para a outra”.
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